Arlindo Rocha
Enquanto os cabo-verdianos, no Brasil, se desesperam com a ausência de voos diretos para Cabo Verde desde 2019 e os preços estratosféricos da TAP, o Governo de Cabo Verde mantém um silêncio cúmplice e estratégico, conivente com a inércia da TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde).
Enquanto isso, os governantes, os deputados eleitos dentro e fora do país, a diplomacia cabo-verdiana e os supostos representantes da comunidade cabo-verdiana no Brasil soterram as suas responsabilidades em discursos burocráticos e hipócritas, como se a diáspora não passasse de um incómodo a ser varrido para debaixo do tapete, quando não a desumanizam, tratando-a como problema menor ou, pior, uma carga indesejada.
A rota Brasil-Cabo Verde, que antes era garantida pelos TACV com dois voos semanais a partir de Fortaleza e do Recife, transformou-se num cenário de exploração e oportunismo, liderado pela TAP. Esta companhia, estrategicamente, obriga os visitantes de Cabo Verde, em particular os cabo-verdianos que desejam viajar para o arquipélago, a cruzar o Atlântico sobrevoando as ilhas, ao mesmo tempo que ignora a geografia das mesmas.
Uma escala em Cabo Verde?
Que ideia absurda! Para quê facilitar a vida dos cabo-verdianos se é possível lucrar com escalas em Portugal, onde muitos nem saem do aeroporto? A lógica é clara: explorar a saudade como produto de luxo. E o governo cabo-verdiano, claro, aplaude (…) quando não está ocupado com o seu silêncio criativo.
Uma escala em Cabo Verde beneficiaria não só a TAP, mas também os cabo-verdianos e o próprio governo. Mesmo que quinzenalmente, esta escala promoveria maior fluxo de turistas e negócios, retomando a dinâmica que antes da pandemia era uma realidade consolidada. No entanto, a miopia estratégica da TAP e dos governantes impede-os de ver o vasto mar de oportunidades que esta conexão traria para ambas as partes.
E a tal posição estratégica das ilhas?
Outra ideia estapafúrdia que beira o absurdo para quem finge desconhecer a geografia atlântica. Ainda assim, todos orgulhamo-nos dela e referimo-la como parte do grande potencial do arquipélago. Infelizmente, a realidade desmente essa perceção, que não passa de “words, words, words”, ou seja, discursos vazios, propaganda, autoengano ou retórica para encobrir a inércia quando outros interesses falam mais alto.
A famosa posição estratégica de Cabo Verde, conceito tão citado nos livros de História e Geografia, tornou-se tão pueril que não passa de uma miragem. Ultimamente, ela resume-se a servir de cenário para fotografias em brochuras turísticas para milionários ávidos por desfrutar das águas mornas e cristalinas em tons de azul-turquesa e azul-profundo e praias de areia branca. Enquanto isso, a realidade revela-se como um labirinto de ganância e de omissão.
E o cálculo da viagem sobre o Atlântico?
Este cálculo é uma vergonha internacional sem precedentes! Pagar cerca de R$ 13.000,00 (treze mil reais) por uma passagem de ida e volta, equivale a 9 (nove) salários mínimos brasileiros (R$1.412,00) ou 19 (dezenove) cabo-verdianos (17.000$00), ou seja, aproximadamente 240.000$00 cv.
Este valor, como é, ou deveria ser do conhecimento dos governantes, ultrapassa a capacidade financeira dos cabo-verdianos no Brasil. Embora não haja valores exatos, é plausível estimar que a média salarial esteja alinhada com a de outros imigrantes de países africanos, variando entre R$1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais), com ligeiras diferenças entre regiões e níveis de qualificação.
Mesmo assim, para alguns, tal valor exorbitante deve soar como mero detalhe financeiro. Aliás, muitos devem pensar que, apesar do valor, a duração do voo também é apenas um detalhe logístico. Estas situações, para os governantes de plantão, certamente, não são detalhes que mereçam atenção, pois, não devem afetar, em nada, as nossas vidas ou as nossas famílias! Afinal, para quê resolver problemas reais se podem ser ignorados?
Esta situação reflete a face mais cruel de um sistema que mercantiliza a dignidade humana em troca de lucro. Tanto o MpD (partido no poder) assim como a TACV parecem ter adotado o lema: Se não podemos resolver o problema, finjamos que ele não existe. Entretanto, a diáspora pergunta: será que alguém no Governo ou nos TACV ainda sabe o que significa transporte aéreo?
Haverá solução?
O Governo de Cabo Verde e a TAP poderiam resolver este problema com voos escalando em Cabo Verde (mesmo que temporariamente), mas, preferem a lógica do oportunismo. Enquanto isso, os governantes, inertes, não pressionam por acordos bilaterais, tarifas emergenciais ou transparência da TACV, empresa que, em vez de articular soluções, cala-se como se a diáspora não existisse.
O silêncio que condena…
O Governo cabo-verdiano, mais preocupado com retórica diplomática do que com ação concreta, trata a sua diáspora como moeda de troca política. A TACV, por sua vez, não explica por que não negoceia voos charter de emergência ou parcerias para travar a sangria financeira imposta pela TAP. Esta, enquanto isso, lucra com a vulnerabilidade de quem só quer reencontrar as suas raízes.
Não há desculpa para tamanha omissão. Se a TAP realmente quisesse “Abraçar o Mundo”, como afirma na sua propaganda, priorizaria rotas acessíveis para quem não deseja tal proeza, mas apenas abraçar os seus familiares e amigos.
Até quando a diáspora pagará o preço da negligência institucional e da ganância corporativa? O “quase lá” tornou-se um pesadelo perpétuo: quase ver a família; quase conseguir voltar; quase ter esperança. No centro deste “quase” está a certeza de que, para os governantes, algumas vidas valem menos do que o lucro.
O resultado?
Os cabo-verdianos são obrigados a escolher entre endividar-se para visitar familiares ou resignar-se ao abandono. Esta última solução, porém, não é uma escolha, mas a aceitação de uma realidade exposta pela incapacidade do Governo de resolver um problema que já dura seis anos.
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