Adolfo Lopes
Lua Nova — O grito que brota no escuro
Nasceu em Chicago, ganhou corpo em Londres e chegou a diversas margens do mundo. O drill é mais que um estilo musical: é uma linguagem. Com batidas pesadas, versos crus e uma estética sombria, fala sobre esquinas onde a esperança é escassa e a sobrevivência é um ato diário. A partir de 2018, a Polícia Metropolitana de Londres passou a responsabilizar o drill pelo aumento do conflito armado e dos crimes com facas entre jovens.
Vídeos postados no YouTube com danças de gangues mascarados, sinais manuais e letras com nomes de rivais começaram a ser removidos, segundo reportado pelo “The Telegraph” (2018)1, sob alegação de incitação ao crime. O debate acendeu: até que ponto uma música pode ser culpada pelos atos de quem a ouve?
Nas ilhas minúsculas, ainda que em menor escala, sentimos os ecos dessa realidade. Em certos bairros, a música virou arma, a rima virou código, e o medo passou a frequentar escolas, praças e esquinas. A delinquência juvenil já não é exceção: começa a tornar-se um fenómeno social com raízes profundas e ramos perigosos.
Quarto Crescente — A memória como espelho
Os tempos consumidos pelo passado nas nossas ilhas
Nas nossas ilhas, a infância era feita de vento, poeira e liberdade. Corríamos descalços entre montes e ruas de terra batida, contávamos estrelas como quem sonha com o impossível.
A noite era escura, mas cheia de histórias: avós a sussurrar memórias antigas, olhos curiosos atentos à sabedoria dos mais velhos. Éramos filhos de todos. E mesmo quando a travessura escapava do controlo, bastava um mirar para sabermos o nosso lugar no mundo e os nossos limites. Hoje, essa infância parece cada vez mais distante2. O silêncio do espaço público é quebrado por letras violentas, os becos ecoam sons de alerta, e a juventude, muitas vezes sem norte, encontra na violência urbana uma ocupação do seu tempo livre. Uma vez que não se combate por ouro, diamante ou qualquer espécie de material.
Lua Cheia — Tudo vem à tona
Solicitámos respostas. Mas, acima de tudo, é imperativo ouvir os principais intervenientes. Não basta reprimir. É urgente compreender.
Antes de buscarmos culpados e procurarmos explicações fáceis nas estatísticas, cabe-nos perscrutar com profundidade as sombras que alimentam os passos desses jovens. O que está escondido nas entrelinhas das suas histórias não contadas, nas feridas invisíveis que atravessam suas vidas?
Caminhos para uma resposta coletiva. Medidas urgentes: quando o hoje já clama por socorro.
A solução não virá de decretos frios ou de muros levantados entre nós e aqueles que mais precisam. Necessitamos semear a esperança com a mesma urgência com que a dor se espalha, abrindo um caminho onde a escuta seja a primeira ferramenta e a ação, um reflexo de humanidade:
- Melhorar o acompanhamento dos jovens e adolescentes de rua e na rua, oferecendo-lhes atividades para os seus tempos livres. As ruas não devem ser o único lugar onde se encontram, devem ser apenas um ponto de passagem. Criar espaços onde possam viver suas inquietações, suas angústias e seus sonhos. Espaços que ofereçam refúgio e redenção através da arte, da cultura e do encontro
consigo mesmos. - Responsabilização mais direta dos encarregados de educação, quando os menores são encontrados em horários inadequados. Onde estão os adultos, quando a nova geração se perde nas esquinas da cidade? A presença dos responsáveis não pode ser uma formalidade. Ela precisa ser um compromisso inalienável, a certeza de que, onde há uma criança, há um indagar atento e acolhedor.
- Entender por que os menores preferem estar fora em vez de em nos seus lares familiares. Quando o asfalto de muitos bairros tornam-se mais acolhedores que os lares, algo está profundamente errado. O que se esconde nas portas fechadas, nas ausências que moldam os jovens, que fazem da rua seu único refúgio? Carecemos de observar para dentro das casas e perguntar: o que estamos deixando de lado?
- Analisar com profundidade potenciais causas, como: famílias monoparentais, violência doméstica, alcoolismo, abuso sexual de menores, e pobreza. A violência dentro de casa é a semente da tensão na esfera pública. Não podemos mais ignorar os sinais de uma sociedade que ainda falha em cuidar de quem mais precisa. Quando o abandono, o abuso e o sofrimento são os alimentos diários, o caminho para o crime se torna um trajeto sem retorno, a única estrada que parece levar a algum lugar.3
- Letras como indício, não sentença: uso das músicas como pistas investigativas, acompanhadas de perícia cultural e respeito à liberdade de expressão. As músicas não devem ser acusadas, mas compreendidas. O som do drill, o grito das ruas, é uma denúncia, não uma sentença. Devemos olhar para as palavras e não ver apenas atos hostis, mas um eco de uma ferida social não ouvida, um pedido de socorro que precisa ser tratado com empatia e sabedoria.
- Campanhas de sensibilização multifacetada, com foco nas redes sociais, escolas e meios comunitários, alertando para as consequências legais e sociais da delinquência juvenil. O futuro de uma sociedade não se constrói só com leis e punições, mas com a conscientização de todos. As redes sociais podem ser um campo fértil para a educação, para a transformação da cultura. Que possamos usá-las para cultivar um diálogo que possa curar, em vez de ferir.
- Monitoramento e mediação digital, com vigilância responsável das redes e atuação junto a criadores e influenciadores para coibir conteúdos que incitem atos violentos. Vivemos numa era digital, onde tudo é imediato e público. O desafio é filtrar o que vai para as mentes dos jovens, antes que as sementes da agressividade sejam plantadas. Devemos ser vigilantes, não só no ambiente público, mas nas redes que nos conectam.
- Criação de programas de “Justiça Restaurativa” para jovens em conflito com a lei, promovendo o diálogo entre os envolvidos, a reflexão sobre as consequências dos atos e a possibilidade de reconciliação com a comunidade. A verdadeira justiça não se dá apenas na imposição de punições, mas na possibilidade de cura. Que possamos restaurar não apenas os danos causados, mas as relações quebradas, oferecendo ao jovem uma chance de reconstruir seu caminho, de se reintegrar na sociedade com dignidade.
- Constituição de brigadas multidisciplinares de resposta rápida, compostas por profissionais de saúde mental, assistência social, educadores de rua e agentes da autoridade, para intervir em situações de discórdia iminente ou reincidência delinquente.
A intervenção precisa ser imediata, mas também cuidadosa. Quando o choque se aproxima, é preciso uma resposta rápida, mas que leve em conta o ser humano por trás da ação. Profissionais preparados para lidar com a complexidade das situações, com a atenção sensível como primeiro passo e a ação como consequência.
No fim, a Lua Cheia ilumina as obscuridades e nos pede mais do que respostas. Ela nos chama à escuta, ao entendimento. Pois a juventude não é um problema a ser resolvido, mas uma oportunidade de transformação, um grito que precisa ser ouvido antes de ser silenciado. O que fazemos com esse grito, agora, depende de todos nós. - Quarto Minguante — Semeando outro amanhã
Medidas estruturantes: Só floresce o futuro onde se cultiva o presente com as mãos da esperança, e o tempo da paciência. Educação inclusiva é um caminho para uma sociedade mais profícua.
- Resgatar aqueles que estão fora do sistema, adaptando horários, oferecendo apoio com transporte e alimentação.
- Trazer de volta a Formação Pessoal e Social, onde se aprende sobre valores, respeito e pertencimento.
- Criar um Comité Nacional para a Prevenção da Delinquência Juvenil, reunindo igrejas, universidades, líderes de bairro, académicos, artistas e autoridades, todos sentados à mesma mesa.
- Apoiar o empreendedorismo jovem, com microcréditos, isenções fiscais e programas de mentoria.
- Financiar a cultura que salva, não a que fere: festivais, concursos, oficinas de música, artes plásticas, cénicas e poesia onde se transforma a angústia em arte e a raiva em resistência.
- Criar espaços desportivos acessíveis e multifuncionais nos bairros, com equipamentos básicos e treinadores comunitários. Locais onde o futebol, o basquete, a dança ou o atletismo sejam mais que prática física, sejam rituais de pertencimento, disciplina e superação. Incentivar torneios interescolares, ligas juvenis e parcerias com ex-atletas para mentoria e acompanhamento.
- Garantir a presença de psicólogos nas escolas e bairros, para tratar os traumas antes
que eles se tornem tragédias. - Lua Negra — Quando a noite fala mais alto
- Não é apenas um artigo. É um grito que ecoa no coração de muitos. Este texto não busca culpados, mas acende luzes em nossa escuridão. Não se escreve só com palavras, escreve-se com preocupação, com ouvidos de empatia, de urgência.
- A delinquência juvenil não é um mal distante, um problema de “outros”. Ela é o reflexo da nossa falência coletiva, daquilo que deixamos para trás enquanto sociedade.
- Que este artigo seja mais que tinta no papel, seja uma semente lançada no solo da reflexão, e que todos tenhamos a coragem de regar o futuro que depende de nossas mãos.
- Precisamos, mais que nunca, de uma reflexão profunda, que nos leve a repensar a transição da nossa educação comunitária para a individual, que nos faça compreender que o caminho do “nós” não pode se perder no “eu”. “Somos poucos para enfrentar os desafios da construção de um Cabo Verde dos nossos sonhos, mas juntos avançamos rumo a um desenvolvimento inclusivo, equilibrado e com mais qualidade de vida para todos.”
- Referências:
- 1The Telegraph. (2018, 29 de maio). YouTube removes more than 30 music videos after Metropolitan
Police links them to gang violence. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/news/2018/05/29/youtube
removes-30-music-videos-metropolitan-police-links-gang
2Lima, Redy Wilson. (2023, 17 de setembro). Compreendendo a realidade da criminalidade entre
jovens. Expresso das Ilhas. Disponível em: https://expressodasilhas.cv/pais/2023/09/17/compreendendo-a
realidade-da-criminalidade-entre-jovens/87704