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Opinião

Miss Perfumado

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Por: Maria de Lourdes Jesus

Todos os cabo-verdianos têm grande estima e consideração por Cesária Évora, pela sua grandeza como artista e pela sua capacidade de conquistar o mundo inteiro através do ritmo e melodias da Morna e da Coladeira. Cesária no palco cantava com o corpo firme, imóvel, com um estilo muito pessoal, o estilo de quem canta sem esforço, pois o seu canto era tão natural como respirar.

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É um estilo de muito charme, aquele charme que a levou a conquistar milhões de pessoas no mundo inteiro. Quando cantava, sem mexer o corpo, queria chamar a atenção do público para a música, pois para ela a música era a verdadeira rainha do palco, e só a melodia da Morna e da Coladeira deveriam atrair o público, fazê-lo encantar e sonhar. Como se o seu corpo fosse apenas a casa onde vive a música tradicional cabo-verdiana, enquanto ela era só o veículo para transmitir serenidade, paz, amor, melancolia e muita saudade através da sua voz.

Graças a Cize, a imagem de Cabo Verde e dos cabo-verdianos no estrangeiro foi resgatada de uma só vez. A sua voz deu-nos voz. Já não tínhamos de responder às perguntas habituais: De onde vens? Onde fica Cabo Verde, há quanto tempo você está em Itália? Onde trabalhas? Sempre as mesmas perguntas que encontramos nas ruas.  Felizmente isso já não acontece hoje. Assim que ouvem o nome, Cabo Verde, automaticamente associam-no a Cesária Évora, a grande admiração pela nossa música e ao interesse em ir conhecer o país da Diva.

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Esta bela imagem constitui um legado que a Cize nos deixou. Um lindo cartão de visita que tem facilitado também o nosso percurso de inserção em Itália, como em todos os países da nossa emigração. Na Itália hoje temos muito que conversar com os italianos. A nossa música, cantada pela Cise, fortaleceu a nossa identidade e o orgulho de pertencer a um país culturalmente muito rico.

Quem conheceu Cesária sabe muito bem que era uma mulher muito generosa. Marzio, meu marido, quando conversamos com amigos italianos sobre a riqueza musical de Cabo Verde costuma contar um episódio muito pitoresto que aconteceu na casa de Cesária. Um emigrante regressou da Holanda com alguns problemas psíquicos. Não trabalhava e vivia de esmolas. Às vezes, quando estava com muito pouco dinheiro, acontecia que começava a desenhar com muito cuidado alguns florins holandeses em pequenas notas de papel. Depois ia ter com Cesária e pedia-lhe, com muita seriedade, se podia troca-los por escudos. Cesária, com a mesma seriedade, pegava naquele dinheiro falso e generosamente transformava-o em escudo cabo-verdiano. Creio que esta sensibilidade humana é muito rara e é um valor enorme que fazia parte da sua personalidade.

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Cize em Roma, na campanha campanha “Una vita da salvare”

Foi essa mesma generosidade que trouxe Cesária Évora a Roma em dezembro de 1991para apoiar a comunidade cabo-verdiana na campanha de solidariedade: “Una vita da salvare”. Uma história realmente muito triste e dramática. A Associação das Mulheres Cabo-verdianas em Itália foi contactada pelo Sr. G. C. de Palermo, casado com a nossa patrícia Maria da Luz, que entrou em coma irreversível, após o parto de cesariana.

O marido dela pediu o apoio das associações e da comunidade cabo-verdiana para uma angariação de fundos para pagar um especialista capaz de fazer o milagre de salvar a Maria da Luz. Todas as associações de Roma e a comunidade abraçaram a causa! Conseguimos o apoio de parlamentares e instituições italianas, pedimos e conseguimos que o caso fosse tratado e divulgado através da media.

O saudoso Hernani Moreira estava em Itália e teve uma ideia genial: Cesária Évora e Mindel Band estavam em tournée pela Europa, mas Itália não fazia parte do programa deles. Hernani conseguiu contactá-los e convencê-los a viajar para actuar em Roma, porém sem cachet. Apenas o reembolso das despesas. O ano era 1991 e Cesária ainda era conhecida apenas pelos cabo-verdianos e poucos europeus.  O seu grande sucesso mundial, a partir do palco de Olimpia de Paris, aconteceria anos mais tarde. Apesar da disponibilidade e da generosidade da Cesária e da Banda Mindel, a favor da nossa campanha de solidariedade, não conseguimos salvar a vida da nossa patrícia Maria da Luz. O fundo recolhido foi depositado numa conta bancária em nome do filho da Maria da Luz

Mas a Cize está na nossa memória e para sempre porque soube interpretar e representar da melhor forma o que há de mais belo e nobre na alma do povo cabo-verdiano: a música, que no repertório da Cesária, se traduz em mornas e coladeiras.

“Sodade sodade
Sodade dess nha terra d’São Nicolau 

Sodade sodade…

Cize para sempre.

Foto: Marzio Marzot

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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