Américo Medina
“A oficialização de uma língua materna não é matéria para celebrações momentâneas, mas sim uma decisão estratégica, que exige amplo debate, rigor técnico e uma concertação sólida entre Governo, Assembleia Nacional, sociedade civil e comunidade académica.”
Há momentos na história política de uma Nação em que a responsabilidade do cargo exige mais do que palavras soltas e gestos simbólicos… – Exige rigor, respeito pelos processos institucionais e, acima de tudo, uma liderança visionária, capaz de colocar os interesses coletivos acima de agendas pessoais. O debate recente em torno da oficialização da língua materna em Cabo Verde expõe claramente a ausência desses atributos.
A Constituição da República é inequívoca ao referir-se à possibilidade de oficialização da “língua materna”. No entanto, o modo como o tema foi “subitamente” impulsionado para o centro da agenda nacional revela um preocupante déficit de precisão terminológica, clareza institucional e maturidade política. Assistimos a uma retórica pouco cuidadosa, que oscila entre referências genéricas ao “crioulo” sem a devida delimitação do crioulo cabo-verdiano, ignorando, muitas vezes, a complexidade das suas variantes linguísticas.
É ainda mais inquietante perceber que este tema, profundamente identitário e historicamente carregado de sensibilidade, esteja a ser apresentado como uma oportunidade simbólica ligada ao 50º aniversário da República, como se decisões estruturantes para o país pudessem ser guiadas por efemérides. A oficialização de uma língua materna não é matéria para celebrações momentâneas, mas sim uma decisão estratégica, que exige amplo debate, rigor técnico e uma concertação sólida entre Governo, Assembleia Nacional, sociedade civil e comunidade académica.
Infelizmente, o que temos observado é um excesso de protagonismo pessoal, com pouca articulação institucional. Mais preocupante ainda é a utilização de símbolos nacionais, como as armas da República, em obras de cunho aparentemente individual, sem o respaldo formal das instituições competentes. Tais práticas, ainda que bem-intencionadas, revelam uma apropriação simbólica que carece de legitimidade e pode abrir precedentes “perigosos” para a condução de assuntos de Estado.
É importante sublinhar que políticos destacados, cidadãos e académicos vêm há décadas investindo tempo e conhecimento na valorização e estudo da língua materna. Esse legado merece ser tratado com seriedade e respeito. Qualquer tentativa de acelerar processos, como a promessa de traduções da Constituição em múltiplas variantes, sem uma estratégia nacional madura e partilhada, apenas contribui para alimentar desconfianças e divisões desnecessárias.
As boas lideranças de uma Nação devem pautar-se pela capacidade de ouvir, ponderar e construir consensos duradouros, e não por uma agenda pessoal ou por pressões deste ou aquele calendário, desta ou aquela promessa a um grupo de “autênticos” ou “bolsa de intelectuais” deste ou aquele planalto, deste ou aquele funco, cutelo ou ribeira!
Num momento em que o país necessita de estabilidade, maturidade política e visão estratégica, insistir em processos apressados pode gerar fraturas sociais evitáveis e minar o próprio espírito democrático.
Em suma, mais do que pressa, o momento exige prudência. Mais do que espetáculo e folclore, pede-se respeito pelos trâmites e pela inteligência coletiva. A verdadeira liderança revela-se na capacidade de recuar quando necessário, de construir pontes e de colocar o interesse nacional acima do protagonismo circunstancial.
A oficialização da língua materna deve ser um processo inclusivo, institucional e estruturado, fruto de diálogo profundo e não de gestos soltos. Só assim se poderá honrar o legado da República e preservar a coesão social que sempre foi uma das maiores riquezas de Cabo Verde.