David Leite
Numa noite ventosa, sem vivalma nas ruas, bandidos encapuçados penetram na cave de uma residência. Levam vários objetos de valor, incluindo duas bicicletas. “Eu vi dois” – conta um vizinho que da sua janela os avistou em fuga pela calada da noite – “Por medo não abri a janela”.
Imagine-se você no lugar da vítima dessa intrusão por arrombamento. Obviamente, o seu primeiro reflexo é ir à Polícia. Segundo reflexo: chama a atenção para uma câmara de vídeo-vigilância nas proximidades, porém o graduado lhe responde que não podem visionar as imagens, “só com mandato da Procuradoria/E quando é que a Procuradoria emite esse mandato?/Isso não sabemos, vamos enviar a queixa à Procuradoria e aguardar.
Nesse mesmo dia, você flagra um fulano mal-encarado rondando a sua casa. Interpela-o, o tipo responde com evasivas e desaparece. O serralheiro que você entretanto chamou para securizar a janela da sua cave, diz-lhe: – “Esse aí, chamam-lhe Peng. É um dos gatunos mais conhecidos na zona de Alto-Doca”.
E lá vai você no encalço do tal Peng, acompanhado de um vizinho que também estranhou o comportamento suspeito do intruso… mas perdem-lhe a pista. Conseguem acertar com a casa dele, batem à porta mas ninguém abre (claro, as coisas roubadas estavam lá dentro!) Você não vai à polícia porque suspeição não é prova, intuição muito menos.
Dias depois, nova tentativa de assalto à sua casa, felizmente frustrada! O mesmo modus operandi (arrombamento com ferramenta pesada) aponta para os mesmissimos assaltantes. Toca a chamar a polícia, você diz que tem um suspeito, sabe o nome dele e onde mora… mas de nada serve! Debalde lhes aponta a câmara de video-vigilância, logo ali, mas já sabe a resposta: “não podemos visionar as imagens” – e a mesma desculpa: “não temos permissão da Procuradoria. É a lei”!
Várias vezes você passa na esquadra policial, mas nada feito, “sem mandato da Procuradoria não podemos fazer nada”. À boca pequena, uns agentes desabafam: – “não diga que dissemos, mas com as leis de hoje, o crime compensa”.
Com um suspeito em mira, você decide agir por conta própria. Até que um dia, andando na rua, apanha uma pessoa a pedalar uma das bicicletas que lhe roubaram! Manda parar o “ciclista” que lhe diz “nha mãe comprá-m ess bicicleta na Peng” (o tal Peng de quem você já desconfiava!) Você recupera a sua bicicleta, vai à Polícia e diz: – “Já sei quem roubou na minha casa! Recuperei uma das bicicletas roubadas, prova material do crime. Foi vendida pelo mesmo suspeito que vos assinalei! Sei onde ele mora e posso levar-vos à casa dele”.
E você esperava que a polícia ia pôr-se a caminho para apanhar os delinquentes? Que nada! Para sua grande surpresa, o graduado lhe responde: – “Vá à Procuradoria e diga-lhes o que acaba de nos dizer, não podemos fazer nada sem mandato legal”.
No Tribunal você não passa da porta: “está de calção, não pode entrar” (terra engraçada esta, tanto zelo por um calção, e bandidos andando por aí vestindo calças dos outros!) Volta no dia seguinte, trajando calça do quadril aos pés, pensando “é desta que vão prender esses delinquentes para averiguações”. Qual estória!, ainda tem de redigir um… requerimento ao Exmo Sr procurador, especificando os prejuízos que teve!
Exasperado, perplexo, você vai entregar o requerimento e pergunta quando é que o procurador vai exarar despacho. “Ah! Isso não fazemos a mínima ideia, vai ter que aguardar”.
Enquanto você aguarda, impotente, os larápios continuam agindo: um novo assalto num imóvel vizinho (que eles costumam “visitar”) leva claramente a assinatura do tal Peng e a sua corja! Então você decide ir “patrulhar” a casa desse energúmeno, para lhe mostrar que sabe quem são e ao que vêm. E ao passar pela casa, mais lhe parece um covil, uma caverna d’Ali Babá, dela irrompendo uma quadrilha de mal-encarados, provavelmente os mesmos que vêm atormentando os moradores daquela zona.
E vão voltar à carga! Vão atacar de novo! Porque sabem que a polícia não move uma palha e a justiça não faz por isso! Impunidade pela inércia!
Esta é uma estória verídica, como tantas outras que parecem ficção. Podia ter acontecido consigo – se é que ainda não aconteceu!
Quem, neste Estado de direito, fez aprovar leis que favorecem bandidos e delinquentes? Quem ganha com tais leis? Muitos advogados sabem, kês k’sons!