Odair Ramos
No início desta semana, deparei-me com um vídeo partilhado no Facebook pela professora Leonilda Fernandes, a Léo, como é carinhosamente conhecida no seio do desporto sanvicentino e nacional. Embora seja professora de Educação Física, o que ela nos ofereceu naquele breve registo foi muito mais do que uma aula de desporto. Foi, verdadeiramente, uma aula de vida.
Conheci a Léo quando assumi a presidência da ADRC Real Sociedade e, desde então, testemunhei de perto a sua dedicação, empatia, responsabilidade e resiliência. Ela representa o tipo de profissional cujo impacto vai muito além do domínio técnico: apercebi-me de que ela é alguém que compreende que educar é, antes de mais, formar seres humanos. O vídeo é um exemplo inequívoco do verdadeiro significado da palavra inclusão.
No registo, vê-se a atenção cuidadosa dedicada a um aluno com necessidades especiais e a forma como, com a ajuda inocente e colaborativa da turma, adaptou a atividade para que todos pudessem participar. Essa simples atitude despertou em mim dois sentimentos marcantes.

O primeiro foi de satisfação.
É reconfortante ver profissionais que não se limitam ao básico. Neste caso em específico a Educação Física é vista como um espaço onde se constrói dignidade, respeito pelas diferenças e participação plena. A postura da professora Leonilda mostra o que o desporto pode ser quando colocado ao serviço de todos. E estou convicto de que essa atitude fará diferença no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo daquela criança.
Mas o segundo sentimento foi de preocupação. Porque, enquanto assistimos a um exemplo tão claro de inclusão genuína, não podemos ignorar as dificuldades que tantas crianças com necessidades especiais continuam a enfrentar no nosso país. As limitações não vêm delas, vêm do sistema. E essa é uma verdade desconfortável, mas urgente de ser dita.

Apesar de já existirem algumas iniciativas, a resposta estatal à educação inclusiva permanece insuficiente. Falta continuidade. Falta estrutura. Falta investimento. O resultado é um ciclo que compromete o desenvolvimento, a autonomia futura e até a vivência plena da infância dessas crianças.
Num país que se orgulha de progressos sociais, não podemos aceitar que a inclusão dependa da boa vontade ou do sacrifício individual. A inclusão deve ser uma política pública sólida, financiada e bem estruturada.
O vídeo de “mais um dia normal de trabalho”, deve servir de reflexão, mas sobretudo de chamada à ação:
Urge massificar centros de acolhimento e ensino especial, com recursos adequados, equipas multidisciplinares e programas pedagógicos adaptados, bem como programas bem definidas com incentivos para a inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho.
É fundamental projetar equipamentos públicos, como piscinas, ginásios e espaços desportivos, adaptados que garantem acessibilidade plena e participação efetiva de pessoas com necessidades especiais.
É indispensável que o Estado assuma um compromisso real, financiando o acesso a esses equipamentos e promovendo políticas consistentes que assegurem que estes cidadãos tenham oportunidades iguais às dos demais.
A professora Leonilda mostrou, em poucos minutos, aquilo que o país insiste em demorar décadas a compreender: a inclusão não é um favor. É um direito. É uma responsabilidade coletiva. E é, acima de tudo, um imperativo moral.
É claro que existem por aí várias “Leonidas". Enquanto cidadãos, pais, educadores, agentes públicos ou privados, somos todos chamados a assumir esta causa e trazer a ao debate público e responsável não apenas com discursos, mas com ação.
Porque nenhuma criança deve crescer limitada por aquilo que o Estado não oferece. E porque a verdadeira grandeza de uma sociedade mede-se pela forma como trata aqueles que mais precisam dela.







