Por: Cídio Lopes de Almeida*
Ao vulgarizar o sinal nazista, como fez o empresário sul-africano Elon Musk (naturalizado canadense e estadunidense), ele ignora e desrespeita todos aqueles que foram perseguidos como animais e exterminados em diversos lugares da Europa sob o regime nazista. É imprescindível lembrar que os judeus não foram perseguidos apenas pelos alemães. Houve perseguições em várias partes do mundo, dos Estados Unidos até famílias francesas em Lyon ou Chambéry (Auvérnia-Ródano-Alpes/França).
Para alguém que conviveu com aqueles que fugiram desesperadamente das forças ocupantes na França por serem judeus, observar esse gesto infame ecoar pelas redes sociais e estar vinculado aos fatos políticos de um país proeminente como os Estados Unidos da América do Norte é profundamente angustiante. É com tristeza imensa que presenciamos esse episódio.
Nos anos 1930 não era incomum encontrar manifestações culturais que expressavam desprezo ou propagavam ideias que apresentavam judeus, maçons e comunistas como fenômenos desprezíveis. Para ilustrar, livros como O Comunismo e a Maçonaria (Padre A. Feitosa, Ed. Mensageiro da Fé, Salvador, Bahia) e Judaísmo, Maçonaria e Comunismo de Gustavo Barroso (Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1937) fornecem evidências históricas.
Além disso, é importante mencionar a perseguição aos maçons no contexto da ditadura de Franco na Espanha, reforçada por documentos como In Memoriam: Homenaje a los Masones Ejecutados en Zaragoza – 1936-1937. Essas fontes destacam a gravidade de algo que muitos tentam banalizar: a perseguição sistemática a grupos específicos. Colocado em perspectiva histórica, o gesto de Musk é uma aberração que deve ser combatida de forma enérgica.
À primeira vista, pode parecer que a Maçonaria não está relacionada à saudação nazista que é objeto desta crítica. No entanto, é fundamental lembrar que os detratores da época percebiam judeus e maçons como partes de um mesmo fenômeno conspiratório. Não apenas na Espanha, mas também na Alemanha, maçons foram perseguidos e assassinados. Estima-se, de forma não oficial, que cerca de 300 mil maçons tenham sido mortos. O tema maçonaria aparece na resenha por ser ele objeto de partes das minhas pesquisas atuais.
Para aqueles que tiveram contato com sobreviventes de Auschwitz, a saudação nazista remete imediatamente ao horror da ascensão do nazismo e ao processo histórico que o sustentou, não apenas nos anos 1920 e 1930, mas ao longo do século XIX. Nesse contexto, o gesto de Elon Musk — herdeiro de fortunas e agora Comissário do Departamento de Eficiência Governamental — não é uma brincadeira inocente. Assim como no passado, quando o nazismo se integrava à paisagem cultural como algo menor e irrelevante, esse gesto atual carrega implicações sinistras.
Ele ganha ainda mais peso por ocorrer em um momento político marcado pelo governo de Donald Trump, que defende anexações de países soberanos, como o Panamá, o Canadá e a Groenlândia (região autônoma do Reino da Dinamarca), para resolver supostos problemas internos. Além disso, Trump propaga uma visão distorcida de liberdade, que confunde esse princípio caro às democracias modernas com a autorização para ridicularizar outras pessoas e transformar essa atitude em política de Estado, promovendo perseguições a migrantes e suprimindo a diversidade cultural.
Essa cena trágica nos faz refletir sobre o desafio de manter viva a tradição do pensamento filosófico, iniciado por Sócrates, Platão e Aristóteles, que atravessou contextos socioculturais diversos até se tornar um dos fundamentos da vida democrática contemporânea. O pensamento crítico e filosófico, com sua capacidade de contemplar a complexidade da realidade e sua disposição para o diálogo, parece ruir em meio a manifestações como essa. Trata-se de um sintoma evidente do mal-estar de nossos tempos.
*Doutorando em Ciências das Religiões, Faculdade Unida de Vitória, bolsista FAPES.