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Dina, a força e a persistência da mulher cabo-verdiana

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Por Maria de Lourdes Jesus

Em 1967 chegaram em Roma, da ilha de São Nicolau, Ilda de nha Maré Balbina (RIP), Paz de Rosa Nanaia, Nuna de Mana, e Irondina Oliveira da ilha do Sal. No dia 26 de março, participaram como protagonistas do evento dedicado às pioneiras da emigração cabo-verdiana para Itália. Hoje, a entrevistada é Irondina, conhecida por Dina, a mais jovens das desbravadoras, dos anos 1960.

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Situação sócio-económica da família em Cabo Verde 

 “A minha mãe é de São Nicolau, mas nasci em São Vicente. Com dois anos, a minha mãe mandou-me para a casa de nha Hermínia em São Nicolau – Caleijão, onde já estava a minha irmã mais velha. Nha Hermínia era uma mulher bondosa, gostava muito de criar crianças, ajudando assim muitas famílias. Foi ela quem criou a minha mãe até a idade de ‘emigrar’ para São Vicente.

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Eu e a minha irmã ficamos na sua casa, que se localizava no ponto mais alto de Caleijão, com uma vista panorâmica que nunca esquecerei. Era uma casa grande, muito bonita de arquitetura colonial azul, cheia de flores no meio duma grande extensão de horta com muitas arvores e gente a trabalhar, principalmente no tempo de azáguas e das colheitas. Era uma casa de fartura e nha Hermínia fazia todos os anos Catchupa d’ onde. A casa enchia de crianças. Ela era avó do Dr. Sousa Santos, muito conhecido em Cabo Verde.

Fiquei em casa de nha Herminia até aos seis anos, quando a minha mãe junto novamente com meu pai e fui ter com eles na cidade da Praia. Depois fomos morar na ilha do Sal, onde terminei a escola primária. Como era boa aluna, fui dispensada da prova oral. Todavia, fiquei muito triste porque sabia que não ía continuar a estudar, visto que minha mãe não tinha recursos para pagar os meus estudos. Mas a vontade de estudar foi sempre a minha companheira.” 

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Dina e a irmã, ainda jovens

Começou a trabalhar muito cedo  

“Comecei a trabalhar fora de casa com 10 anos, mas já era muito responsável. Sabia fazer muitas coisas, até cozinhar porque aprendi com minha mãe muito cedo. Um dia eu estava na casa da directora da escola quando ela começou a preparar arroz de atum, perguntei-lhe quantas pessoas iam comer e ela respondeu quatro. Então eu disse que estava a fazer caldo de arroz com atum. A directora disse-me logo: ‘então faças tu o arroz’. Comecei assim a cozinhar a sério. Depois disso, ela mandou embora a cozinheira e concordamos o preço de 150 escudos mensais. Era um bom valor na época. Fiquei a trabalhar como empregada interna, até a minha mãe me obrigar a voltar para casa porque ela e minha irmã mais velha estavam gravidas e tinha de ajudá-las.” 

Emigração para Itália

“Tinha uma grande amiga, Bia d’ Tix, que viajou para Itália e encontrou uma senhora que estava à procura de uma empregada. Recebi a Carta de Chamada, alguns dólares para pagar as vacinas, certidões e passaportes. Quando tudo estava pronto – inclusive o bilhete de viagem para Roma – , organizei a minha despedida com comida e música na nossa casa, com os meus amigos. Estava feliz, mas triste de ter de abandonar a minha família e o ambiente para viajar para um país desconhecido.”

Aceitação na nova família

“A família onde trabalhava era composta por cinco pessoas. Um casal com dois filhos e uma neta. Desde a minha chegada comportaram-se muito bem comigo. Sofria muito pelas saudades mas, com o tempo, habituei-me, como todas as outras cabo-verdianas. Mas não fiquei muito tempo nessa família porque o salário era muito baixo.

Assim, mudei de casa e fui trabalhar com uma outra família, até porque era muito fácil encontrar trabalho nessa altura. Essa segunda família também gostava muito de mim e do meu trabalho. Nunca tiveram nada dizer sobre o que fazia porque superava sempre as suas expectativas. Sempre fazia mais para nunca reclamarem. Era muito profissional  no meu trabalho, e eles tratavam-me muito bem.  Comia com eles à mesa e me sentia em família. 

Quando fiz 15 anos, fui pela primeira vez, parabenizada com uma festa em família com bolos, velas e muitos presentes, inclusive um colar de ouro.

Em 1967 ganhava 30.000 liras. Envia 10.000 para minha mãe através de carta registada, colocava 15.000 no banco e 5 eu guardava para mim. Enviava pacotes com roupas e coisas necessárias em Cabo Verde para a minha mãe. Também recebia encomenda de terra que ela enviava: doce de coco, midje cuxido, bolacha e doce de goiaba, que chegavam nas malas das minhas amigas e pessoas conhecidas.”

Descoberta da Escola Portuguesa em Roma

“Em 1971 foi inaugurada a Escola Portuguesa em Roma, que dava aulas desde o ensino primário até o liceu. Frequentei essa escola com muito entusiasmo. Era um espaço de troca de experiências com alunas, mas também novidades sobre as relações com a entidade patronal. Estudar fazia-nos sentir especial. Era uma porta aberta para o futuro. Uma verdadeira escada para o resgate social.

Tive de suspender as aulas para dar prioridade à formação da minha família.” 

Dina, a filha e o neto

Formação da família na Itália

Conheci o meu futuro marido no Hospital San Camillo. Depois de oito meses de namoro, casamos. Tinha 21 anos na altura. Casei-me num dia e, no dia seguinte, tinha a cidadania italiana, imagina. Era assim naquele tempo.

Com três filhos, decidi inscrever-me num curso de enfermagem. Foi um grande sacrifício, mas valeu. Acordava as 3 da manhã na cozinha, estudava e cozinhava, para deixar tudo pronto antes de ir para as aulas. Quanto tinha de passar a ferro, colocava a escuta nos ouvidos para seguir a lição que tinha gravada. Era uma boa aluna, assim como em Cabo Verde. Sempre conseguia boas notas. Estudava e aprendia muito e depressa. Terminei o exame de enfermagem com 70 cum Laude.

Fiz dois cursos para trabalhar nos hospitais, um na Ilha Tiberina e outro em San Camillo. Ganhei duas competições e escolhi ir para San Camillo, onde conheci meu segundo marido, também ele enfermeiro.”

Relação com a família em Cabo Verde

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“Desde 1971 vou de férias de dois em dois anos, com toda a minha família. Os meus filhos todos conheceram os meus país e, uma das minhas filhas, foi passar a lua de mel na ilha do Sal. Em Cabo Verde tenho ainda os meus primos, meus pais faleceram. 

Poesia dedicada às pioneiras da emigração cabo-verdiano  em Itália 

AS MENINAS DE ROCHA

As meninas de ROCHA partiram para um lugar desconhecido

Com uma carta de chamada na mão e nada mais.

Saíram deixando a casa da mãe em lágrimas.

Sairam deixando filhos pequenos em lágrimas.

Sairam deixando todas as certezas da vida em lagrimas

As meninas de ROCHA partiram para “o extrangeiro” 

Com uma maletinha rumo à casa dos Capuchinhos.

Sonhando em voltar no dia seguinte despois dum  rapido sopro

Sonhando em voltar para ver criar seus pequenos

Sonhando em voltar entre os sorrisos e abraços queridos.

As meninas de ROCHA saíram e nunca mais voltaram 

Destruídas por sodade deste frio tédio da terra longe.

Elas ainda estão neste porto longe de casa

Elas ainda estão neste porto e os filhos jà são pais

Elas ainda estão neste porto onde ja reconstruiram a vida.

As meninas de ROCHA sairam

As meninas de ROCHA sonharam

As meninas de ROCHA sofreram

As meninas de ROCHA lutaram

As meninas de ROCHA são  a nossa força

De: Jorge Canifa

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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