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Denúncia pública: o descaso do MpD para com a diáspora cabo-verdiana no Brasil

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Arlindo Rocha

Quem me conhece pessoalmente ou através das redes sociais sabe que não sou político, nem tenho pretensões políticas. Contudo, como defendia Aristóteles, todos “somos animais políticos” e, como tal, não podemos ser omissos perante situações que nos afetam direta ou indiretamente.

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Sou professor de formação e dediquei grande parte da minha vida (12 anos) ao sistema educativo cabo-verdiano. Desde 2012 resido no Brasil, onde prossegui os meus estudos ao nível da pós-graduação. Concluí a especialização em 2014, o mestrado em 2016 e o doutoramento em 2021. Atualmente, atuo como Consultor de Integridade na Prefeitura Municipal de Niterói.

Tenho orgulho do meu percurso académico e profissional, que inclui a publicação de várias livros no Brasil, entre os quais os manuais de filosofia para o 10.º e 11.º anos (os primeiros a serem publicados por um professor cabo-verdiano), bem como dezenas de artigos científicos em revistas académicas brasileiras.

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Esta breve apresentação tem como objetivo contextualizar o meu propósito: não busco notoriedade midiática, fama ou promoção pessoal. Não sou filiado a nenhum partido político. Sou, simplesmente, um cidadão que exerce o seu direito de criticar e/ou elogiar situações que dizem respeito a todos, sem recorrer a ofensas ou ataques pessoais.

Entre 2012 e 2020, devido a compromissos académicos, não tive a oportunidade de regressar a Cabo Verde. No entanto, com a conclusão do doutoramento e o início do meu percurso profissional na administração pública brasileira, planejei, finalmente, retornar ao meu país de origem, especialmente para realizar o sonho de levar a minha filha de 10 anos para conhecer a família africana, cujo sangue ela carrega.

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Com a pandemia de Covid-19 e a suspensão dos voos dos Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) desde 2020, esses planos foram frustrados. Até esta data (2025), os voos entre Cabo Verde e Brasil continuam suspensos, deixando dezenas de cabo-verdianos na América do Sul, particularmente no Brasil, em situação de abandono e sem respostas, apenas com promessas vazias.

Sobre este assunto, já escrevi e publiquei diversos artigos de opinião[1], nos quais denuncio o descaso sistemático do atual governo cabo-verdiano, liderado por Ulisses Correia e Silva, para com os cidadãos da diáspora. A comunidade cabo-verdiana no Brasil tem feito inúmeras reivindicações, todas solenemente ignoradas pelo governo.

Passados cinco anos, o único ato de reivindicação interna do MpD, que se tenha conhecimento, foi a intervenção realizada pelo deputado eleito pelo círculo eleitoral das Américas, datada de 27/04/2022, que, em sessão ordinária, levou ao parlamento cabo-verdiano um problema que, desde então, temos denunciado. Apesar de reconhecer a coragem do deputado, não pude deixar de criticar a forma como a intervenção foi feita.

O vídeo em questão foi partilhado recentemente no grupo “Diáspora Cabo-verdiana”, composto por imigrantes cabo-verdianos residentes em diversos estados e municípios brasileiros, e, posteriormente, publicado na minha página do Facebook, uma vez que o nobre deputado, certamente, não teve a coragem de partilhar o conteúdo nas suas redes sociais, uma prática que atualmente é bastante recorrente entre os políticos.

É importante destacar que o vídeo sem cortes está disponível na Internet (é público) e pode ser assistido na íntegra. Por ser público, está sujeito a análises, elogios e, inclusive, críticas, sem espaço para tentativas de censura. No entanto, essa tentativa fracassada não abalou a minha determinação em continuar denunciando essa situação desesperadora.

Na minha página do Facebook, comemorei de forma irónica, pois, desde essa intervenção, o Governo não fez rigorosamente nada. Passados esses anos, ainda estamos à espera que algo seja feito, mas nunca ninguém do governo e, especialmente, o nosso representante teve a coragem de voltar a confrontar o governo publicamente, uma vez que este problema continua sem solução e, portanto, afetando a todos nós.

Já lá vão quase seis anos de vozes sufocadas, e os cabo-verdianos continuam à deriva no Brasil. Sem voos, sem perspetivas, porém com muitas desilusões acumuladas pelas repetidas promessas feitas desde 2022. Não tendo o deputado reiterado publicamente ou confrontado o seu partido sobre esta problemática, a dúvida que fica é se ele continuará a honrar a confiança que lhe foi concedida ou continuará a ignorar os que sofrem com a ausência dos voos.

Apesar da falta de compromisso, considerei louvável a iniciativa do deputado em trazer à tona, ainda em 2022, um assunto que o governo tem mantido fora do debate público e das suas prioridades. No entanto, o entusiasmo inicial rapidamente se dissipou, pois o vídeo em questão é o único registro público do nosso representante no parlamento abordando essa problemática.

Reitero que, durante todo esse tempo, o vídeo é, sem dúvida, a “única manifestação de reivindicação” de um deputado eleito para nos representar. É algo estarrecedor e triste! Ao ser questionado sobre outras ações que tenha empreendido para lutar pelos direitos e interesses dos cabo-verdianos residentes no Brasil, em relação ao tema em questão, nada foi apresentado: nenhum ofício enviado ao governo, nenhuma publicação, por mais simples que fosse, ou sequer uma petição com reivindicações.

É realmente espantoso que o governo e o nobre deputado tenham sido eleitos pelos votos de quem confiou nas suas promessas de trabalho árduo, mas a realidade é outra. Esta contrasta com as expectativas criadas, revelando uma distância abissal entre o discurso político e as ações concretas. Enquanto os cabo-verdianos no Brasil esperam respostas e soluções, o que se vê são promessas não cumpridas e a falta de compromisso com os problemas reais que nos afetam.

Em um outro desabafo, e com o devido respeito, sinalizei ao deputado o meu descontentamento e os vários anos de vozes sufocadas, mesmo tendo ele resolvido, com um atraso digno de um voo cancelado, partilhar o vídeo no grupo mencionado como se fosse algo tão relevante que pudesse merecer os aplausos dos elementos do grupo.

Mesmo não merecendo os desejados aplausos, eu o parabenizei pela sua coragem, que foi quase comovente. No entanto, a intervenção, que não gerou nenhum resultado concreto até então, não passou de mais um exercício de retórica. Ficou a dúvida! Será que o deputado continuará a ignorar este problema, mesmo merecendo a confiança dos que fielmente depositaram a sua confiança nele?

Na minha opinião, a intervenção do deputado, embora politicamente correta, deixou a desejar em termos de impacto. Apesar do conhecimento tardio do vídeo, resolvi fazer uma análise semiótica do seu discurso, destacando pontos que considero relevantes para uma comunicação assertiva.

Após assistir o vídeo algumas vezes, percebi que o discurso realizado durante uma sessão do Parlamento cabo-verdiano foi marcado por um tom excessivamente formal, com uma leitura monótona e sem emoção, o que contrasta com a natureza urgente e impactante do tema em questão. O assunto abordado exigiria uma abordagem mais direta e envolvente, com um olhar firme para a câmara, simbolizando que o deputado estava a falar não apenas para o plenário, mas para todos os cabo-verdianos que representa.

Além disso, o deputado mencionou os custos elevados, mas não apresentou valores concretos, o que prejudicou a clareza e a objetividade da sua argumentação. Dados específicos ajudariam a dimensionar o problema de forma mais clara e a pressionar por soluções efetivas. Atualmente, como referi em um artigo anterior, o custo beira os R$13.000,00(treze mil reais brasileiros), cerca de 230.000$00 (duzentos e trinta mil escudos cabo-verdianos). Diga-se de passagem, que nenhum cabo-verdiano residente no Brasil está disposto a pagar um valor tão alto para visitar a sua família.

Outro ponto crítico foi a proposta de uma solução “paliativa”, que, por definição, é insuficiente para resolver um problema que até agora continua sem solução. Continuamos a precisar de respostas definitivas, não de medidas temporárias que apenas adiam a resolução do problema. A crítica aos preços abusivos da TAP foi um acerto, mas essa denúncia precisava ser acompanhada de ações concretas e propostas viáveis para que a situação seja efetivamente resolvida, coisa que não sucedeu, não sei se por omissão, falta de zelo ou incompetência.

A afirmação de que o governo estava a trabalhar fortemente para resolver o problema também é questionável, uma vez que, até ao momento, não há indícios concretos de progresso rumo à resolução definitiva do problema. O que temos são promessas públicas não cumpridas, que apenas reforçam a sensação de descaso.

O facto de o deputado ter deixado este assunto para o final do seu discurso foi interpretado por mim como uma falta de prioridade ou, até mesmo, um ligeiro descaso com a nossa situação, o que está a ser confirmado pela não retomada dos voos. Enquanto nosso representante, acredito que deveria ter sido mais direto e contundente nas suas críticas, algo que não se verificou plenamente na sua intervenção e que, em termos de resultados, não gerou nada de concreto.

Diante do exposto, não seria trivial afirmar que, mesmo diante de uma situação desastrosa, o deputado passou a mão na cabeça do governo que representa. Para mim, ficou a sensação de que a fala do ilustre foi demasiado branda, sem a firmeza necessária para pressionar o governo a agir.

Em suma, embora tenha tido a nobre iniciativa de trazer o assunto ao parlamento, a execução deixou a desejar em vários aspetos, o que diminuiu o impacto potencial da sua intervenção, facto que, infelizmente, veio a confirmar-se pela não resolução do problema. Esta situação só nos fortalece na medida em que precisamos manter-nos imunes a qualquer tentativa de silenciamento por parte daqueles que poderão sentir afetados direta ou indiretamente.

Caso para dizer: “AINDA ESTAMOS AQUI”, à espera do voo que, certamente, não decolará tão cedo!


[1] 27/06/2024 – O isolamento dos Cabo verdianos no Brasil. Disponível em <https://www.facebook.com/share/p/zBdScW537rJZKjpy/?mibextid=qi2Omg>; 14/02/2025 – Quase lá: a agonia dos cabo-verdianos no Brasil e os voos que nunca decolam: disponível em <https://mindelinsite.com/opiniao/quase-la-a-agonia-dos-cabo-verdianos-no-brasil-e-os-voos-que-nunca-decolam/?fbclid=IwY2xjawJFCRpleHRuA2FlbQIxMQABHfq-DBe9785WgCBm9VdN4x_ACT17Vvg72ZzK-ipADZLZse9FPDj9UKufSA_aem_nKR6aU2ZljjgJShvQe6qNg>; 19/02/2025 – O preço da negligência: cabo-verdianos à deriva entre o silêncio do governo de Cabo Verde, a inércia dos TACV e a ganância da TAP Air Portugal. Disponível em <https://mindelinsite.com/opiniao/o-preco-da-negligencia-cabo-verdianos-a-deriva-entre-o-silencio-do-governo-de-cabo-verde-a-inercia-dos-tacv-e-a-ganancia-da-tap-air-portugal/?fbclid=IwY2xjawJFCX5leHRuA2FlbQIxMQABHadFJ5RfgIPkNlsjA3aSnc2FoUWyPGRy2t5zlxuBxSoE3rTWWK6yhFq51g_aem_OvQnqc__-I6Oa1T6GZJ-fQ>; 08/03/2025. A comunidade cabo-verdiana no Brasil: um cenário de abandono e negligência. Disponível em <https://mindelinsite.com/opiniao/a-comunidade-cabo-verdiana-no-brasil-um-cenario-de-abandono-e-negligencia/?fbclid=IwY2xjawJFCcpleHRuA2FlbQIxMQABHWxIqm5DjOzOGiXM5jNdMfCfjNpTNNRRB5cRXQkcjQvMPaN8Eo0CfnzeyA_aem_h1neoO9nj_sZHcSXpdTM1Q>.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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