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Da cadeirada no debate político em São Paulo à Política de Aristóteles

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Por: Cídio Lopes de Almeida*

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A presente resenha articula um caso pontual da política, no caso a triste cena da agressão de um candidato a outro em São Paulo, SP/BR, com alguns temas da obra Política de Aristóteles. De partida, não se justifica a violência, antes ela é um triste contorno da democracia e início da barbárie.

Em outras duas resenhas nossa, “A escrita pública como ruptura com o autoritarismo” e “A crise da Democracia” – Mindelinsite, de certo modo abordamos de ângulos variados o tema da política em nossos dias. Verifico que neste universo temático o colega cientista Tomilson Neves (Cientista Político, Político Cientista ou Político?” – Mindelinsite) dedicou algumas perguntas e reflexões sobre este universo que é do interesse de todos nós, cidadãos da polis. Pois, a política em sentido alargado deve ser parte da ocupação de todos nós, de toda a comunidade, seja ela local – nacional, académica (acadêmica – br), etc.

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Os dois contextos das minhas meditações são uma obra clássica da filosofia, A Política de Aristóteles (385 – 322 a.C.), e uma cena no mínimo bizarra da política, ocorrida nesta que é a maior cidade da Lusofonia. Vamos começar pela “pauta” (roteiro) quente.

No Brasil temos em nível local um poder constituído denominado de Prefeitura, que é o poder executivo. Para ocupar o cargo a prefeito(a), candidatos são votados nominalmente pelos eleitores. Temos ainda a votação no legislativo local, chamado de Câmara dos Vereadores, que é uma votação proporcional, sendo equacionado o valor do voto segundo o partido e as federações de partidos. Isto quer dizer que, ao votar em um candidato a vereador X, o seu voto não é atribuído diretamente a ele(a), mas à legenda/partido que ele pertence; e o voto será distribuído dentro deste partido. A região ou território que estes dois poderes constituídos são eleitos é o Munícipio.

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Foi neste cenário que o candidato a prefeito de São Paulo José Luiz Datena (Partido Social Democrático do Brasil – PSDB) agrediu com uma cadeira, durante um debate de candidatos no Canal de Televisão Pública, TV Cultura, o outro candidato a prefeito Pablo Marçal (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB). O fato foi antecedido por uma série de provocações do político agredido. As provocações do candidato Pablo Marçal não estavam restritas ao episódio deste domingo 15 de setembro de 2014, noutro debate televisivo, da Rede de Televisão Band no dia 08 de agosto de 2024, provocou o mesmo candidato, que se deslocou até ele em tom de intimidação e insinuações de agressões físicas.

O candidato Pablo Marçal tem adotado uma forma de fazer política que é caracterizada como inteiradas às dinâmicas das redes sociais, como o fenômeno mais inovador da comunicação de massa de nossos dias. O candidato é um “milionário” que se dedica a explicar formas de as pessoas obterem sucesso financeiro, também conhecido como coach. Sua narrativa de empresário de sucesso no mundo virtual, porém, é questionada, sendo o livro “Pablo Marçal: trajetória de um criminoso” do autor Cristiano Silva uma, entre outras, importante fonte que denuncia a pessoa do candidato. Ademais, o candidato tem utilizado os meios eletrônicos para burlar as regras da propaganda política e mantém um “servidor no site Discord chamado Cortes do Marçal” por onde promove o seu nome ao arrepio das regras do jogo democrático.

Do outro lado, temos o candidato José Luiz Datena, um jornalista famoso no Brasil. Conhecido por ser apresentador de um tipo de jornal policialesco, em que cenas da violência urbana é performada no fim da tarde e início da noite em canais de Televisão de projeção nacional. Este modelo está presente no imaginário das classes trabalhadoras de todo o Brasil com o nome Cidade Alerta. Uma crônica policialesca que cultivou a figura do homem que defende a justiça, combate o bandido, etc. Até certo ponto, de um ponto de vista político, o candidato ecoa ideais de uma classe política que remonta ao período de ditadura civil-militar ocorrido no Brasil entre os anos de 1964 a 1985. O candidato não se compõe no espectro de uma política de centro ou de esquerda e entre ele o Pablo Marçal seria mais algo entre a extrema-direita e a centro direita.

Estampei acima um pouco da cena contextual em que um candidato agride o outro com uma cadeira. De modo variado, podemos fazer uma leitura utilizando as lentes da obra Política de Aristóteles não só da cena em questão e seus dois protagonistas, mas da política e nossos dias. Recapitulando, Pablo Marçal usa palavras provocativas contra o Datena, chamando o mesmo de “arregão” (gíria brasileira para medroso e covarde), pontuando que ele não tinha tal capacidade mesmo de fazer algo contra ele, além de ter imputado a Datena crime de ordem sexual, havendo o desfecho da agressão com uma cadeira.

Antes de adentrar em alguns temas, como a “demagogia” do candidato Marçal ou falta de “moderação e equilíbrio” de Datena, apresento uma visão panorâmica da obra. Dentro das várias obras de Aristóteles, A Política está ligada a Ética a Nicômaco. A política aí é a ciência da felicidade humana. Sendo o assunto dividido entre a ética, o éthos humano, objeto da Ética a Nicômaco, e a constituição da cidade-estado, objeto da Politeia (política). Ainda em Aristóteles, as ciências práticas buscam um meio para ação humana, que visa o bem estar e a felicidade dos homens como um todo.

Outro plano geral da obra pode ser dito que Aristóteles explora como se organiza e funciona a sociedade, em especial como os Estados e suas formas de governos se dão, segundo o que ele colecionou de Constituições em sua época. Na sua apreciação, averiguou os sistemas monárquicos, a oligarquia e a democracia.

O nosso tema em particular, sobre o equilibro ou não do candidato Datena, e que de certo modo marca a própria ideia de ética e política de Aristóteles, é o meio termo, a moderação e o equilíbrio. A felicidade é esta busca, esta prática, já que virtude é esta prática pelo equilíbrio. Assim, a coragem, a qual Marçal disse faltar em Datena, é um equilibro entre a falta, que é a covardia, e seu excesso, que seria a temeridade.

Associado a este tema da coragem, a temperança parece também relacionar com o que esperamos dos políticos e no caso dos dois beligerantes da cena em apreciação. A cólera, outra sensação ou paixão, parece ter sido manifestada como irascibilidade (excesso) a reação de Datena na interação com Marçal. Faltou o equilibro desta emoção que é a gentileza. Na esfera da honra, Marçal agiu com vilania (falta), sendo o ponto de equilibro o “respeito próprio”.

Sobre os sistemas de governo, destaco apenas a demagogia como uma possibilidade de degeneração da democracia, que no seu extremo chega à anarquia. E deste caos, a tirania se faz necessária. Nesta chave, tão antiga, podemos pensar se Marçal com seu expediente de burlar as regras, pautar os debates pela polêmica, provocar tumultos durantes os debates, não seria uma jogada típica de quem deseja se impor como tirano no caos. Para analistas a sua candidatura seria um ensaio para a de Presidente da República em 2026.

Para a Professora Dra. Marilena Chaui [Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p. 496], os conceitos sobre política de Aristóteles-Platão perduram até o século XVIII e a obra O espírito das leis, de Montesquieu é um dos seus últimos exemplos de influência. Para nossas meditações, ideias como a política como meio para a felicidade da humanidade ainda são atuais. Modalidades de como os modelos políticos podem se transformar, da democracia ao seu fim, ainda nos informa muito.

Neste sentido, a partir do caso situado da cadeirada, podemos, com Aristóteles e sua ideia de política, ampliar a nossa ocupação e reflexão em torno da vida feliz, que se expressa pelos modelos políticos baseados na democracia. Observar que há uma certa prática em nossos dias que trabalha pelo fim da democracia, de dentro dela mesma, como é o caso da demagogia, que burla as leis, ou da plutocracia [governo dos muitos ricos], verificável nas ações de Plablo Marçal enquanto “homem rico” que tem utilizado o seu poder econômico para burlar as regras da justiça eleitoral (o candidato optou por gastar dinheiro com advogados, justamente prevendo polemizar, desrespeitar as regras, e usar o poder econômico para via judicial travar possíveis processos).

Conclui-se desta resenha que a cena de violência entre dois candidatos é o ápice de cenas variadas que esboçam o prenúncio de um processo de erosão da política no sentido de busca pela felicidade humana. Quando se burla as leis da “cidade”, bem como se busca estar acima dos “demos” [povo], por uma retórica moralista ou pelo poder financeiro, observamos práticas neodemocráticas. A reflexão e a ação de todos nós deve ser em recolocar em pauta os princípios constitutivos da democracia, que além do tema da igualdade dos cidadãos, das leis que governam a “cidade”, da ética da felicidade e da felicidade ampliada a todos no interior da cidade. Apesar do esforço otimista que pauta nossa intenção e expectativa sobre o futuro, não se pode descartar, que no nosso caso brasileiro, sobretudo para as eleições majoritárias de 2026, caminhamos a passos largos rumo a barbárie.

*Doutorando em Ciências das Religiões – Faculdade Unida de Vitória – Bolsista FAPES

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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