Pub.
Opinião
Tendência

Cuidar das pessoas é a base para organizações sustentáveis e humanizadas

Pub.

Por: Nelson Faria

Nas últimas décadas, as organizações consolidaram-se como motores do desenvolvimento social e
económico. Entenda-se organização, seja qual for, como um conjunto de duas ou mais pessoas que
trabalham em prol de um objetivo comum. Contudo, em meio da exigência deste tempo, por uma
cultura cega de resultados e produtividade, um elemento essencial tem sido negligenciado, ao
menos, em muitas organizações, não têm sido bem tratadas, as pessoas. Colaboradores não são
meros “recursos humanos”, peças substituíveis de uma “máquina”, mas seres dotados de aspirações,
emoções e necessidades complexas. Ignorar essa realidade tem gerado um custo humano e
económico alarmante como ambientes de trabalho tóxicos, esgotamento físico e mental, e até
tragédias como o suicídio associado ao trabalho. É urgente repensar a forma como tratamos quem
sustenta as organizações, as pessoas.

Publicidade

A pressão por metas irreais, a precarização das condições laborais e a falta de reconhecimento criam
um terreno fértil para riscos psicossociais. O stress negativo, o burnout e a depressão não são “falhas
individuais”, mas sintomas de sistemas organizacionais falidos. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), no relatório da saúde mental, o burnout afeta 10% dos trabalhadores globais, estima-
se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido a problemas de saúde mental
(depressão, ansiedade, stress negativo e suas consequências) que custam à economia global quase
um trilhão de dólares americanos. Quando as pessoas adoecem, as organizações perdem
produtividade, talentos, criatividade e, acima de tudo, legitimidade social.

A atualidade interpela à necessidade de se intervir assertivamente nas organizações sobre processos
sistemáticos, holísticos, de base científica, mormente nos tempos de incerteza e imprevisibilidade
que vivemos após o início da pandemia da COVID-19, com tensões geopolíticas várias impactantes
na vida das pessoas e de aceleração do desenvolvimento tecnológico que obrigam a dar atenção à
necessidade de melhor cuidar das pessoas nas organizações, prevenindo e atuando assertivamente
sobre os riscos psicossociais, nomeadamente o stress, o burnout, a ansiedade, o assédio (seja ele
moral, sexual ou de outra natureza), a depressão, entre outros.

Publicidade

Organizações inteligentes e inovadoras já compreenderam que competitividade, produtividade e
humanização não são antagónicas. Colaboradores saudáveis e motivados são mais engajados,
comprometidos, criativos e leais. Isso exige, porém, ir além de discursos vazios.  Um conjunto de
condições materiais, de liderança, relações de trabalho saudáveis, autonomia e responsabilização
tem-se revelado elementos importantes.

As condições materiais justas implicam salários dignos, tempo de trabalho adequado à vida
familiar, com ambientes físicos de trabalho minimamente seguros, com todas as demais
necessidades preenchidas a nível de ferramentas e instrumentos de trabalho. A exploração da
“disponibilidade 24h” e a romantização do “sacrifício pelo trabalho” são incompatíveis com a saúde
mental.

Publicidade

O mundo e as organizações precisam de lideranças que inspiram e não que oprim​am. A cultura do
medo não coaduna com locais de trabalho saudáveis. “Chefias” tóxicas, autoritárias ou
despreparadas para liderar pessoas, não chefiar, são vetores de sofrimento. Líderes devem
promover diálogo, reconhecer méritos e agir com empatia.

Da mesma forma, as relações sociais com colegas ou qualquer outro parceiro organizacional devem
pautar-se pelo respeito mútuo. A competição predatória entre colegas, o assédio e a ausência de
propósito coletivo corroem o tecido social das equipas e das organizações. Espaços para colaboração,
feedback construtivo e inclusão são antídotos necessários.

O dinheiro, as retribuições são importantes, mas, não é somente por essa via que se motivam as
pessoas. Autonomia, propósito, inclusão, pertença e reconhecimento são fundamentais para “vestir-
se a camisola” das organizações. As pessoas precisam entender o impacto de seu trabalho, ter
autonomia para decidir e oportunidades de realizar e crescer para sentirem-se como parte da
organização.

Organizações que investem em ambientes psicologicamente seguros colhem frutos tangíveis pela
redução de absenteísmo e presenteísmo, no aumento da produtividade e atração de talentos. Um
estudo da Harvard Business School revela que organizações com culturas de suporte emocional têm
3,8 vezes mais possibilidades de reter colaboradores. Além disso, no mundo atual onde os
consumidores valorizam ética e responsabilidade social, cuidar das pessoas tornou-se um
diferencial competitivo para qualquer organização.

A pandemia escancarou a fragilidade de modelos de gestão ultrapassados. Trabalhadores exigiram
flexibilidade, respeito aos limites e reconhecimento de sua humanidade. As organizações que
resistirem a essa mudança ficarão para trás, não apenas por ineficiência, mas por irrelevância moral.
Cuidar das pessoas não é um “custo”, mas um investimento em sustentabilidade. É entender que,
por trás de cada colaborador, há uma vida que merece dignidade. Quando deixamos de ver pessoas
como recursos e passamos a vê-las como parceiras, construímos organizações não apenas lucrativas,
mas legítimas. O futuro do trabalho deve ser humano, pela humanização das pessoas nas
organizações em vez da sua “robotização” como recursos.

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo