Pub.
Opinião
Tendência

Caso Amadeu Oliveira: Uma manobra negra que ficará para sempre na história da justiça cabo-verdiana

Pub.

Daniel Ferrer Lopes

Hoje, dia 18 de Julho de 2025, faz quatro anos que a população de Cabo Verde foi confrontada com um caso insólito e estarrecedor: pela primeira vez na historia destas ilhas um Deputado da Nação, sem flagrante delito e sem culpa formada, foi preso preventivamente e depois julgado e condenado a sete anos de prisão por aquilo que os seus algozes haviam de tipificar como crime contra o Estado de Direito Democrático, o que constitui uma falácia, um embuste, um absurdo de todo o tamanho, pois esse tipo de crime, apesar de estar previsto no nosso ordenamento jurídico, mesmo para quem é operador do direito só o conhece de literatura e por dele ouvir falar em noticiários do que acontece no mundo fora.

Publicidade

O Deputado em questão não é nem mais nem menos do que o Dr. Amadeu Oliveira, notável advogado e ativista social, a quem a classe jornalística viria a apelida-lo de “infant terrible”, muito provavelmente devido a contundência e frontalidade das suas críticas. Certo é que o apelido lhe assenta que nem uma luva, pois quem verdadeiramente o conhece sabe que ele é de facto essa pessoa crítica, com um elevado compromisso com a justiça e que leva as suas causas ao limite, quando julga que a razão está do seu lado. Só para exemplificar, basta dizer que, mesmo estando ele a viver na ilha do Sal, foi capaz de viajar dessa ilha para a de Santo Antão, custeando as suas próprias passagens e estadia, somente para defender uma certa senhora que, de tanto apanhar do seu companheiro, um dia resolveu desferir-lhe uma paulada, que foi fatal.

Como no caso de uma varredeira em Santo Antão, que ficou incapacitada em virtude de um acidente de automóvel provocado por um terceiro, também ele não poupou esforços até que a pobre senhora fosse devidamente indemnizada. Poderia dar mais e mais exemplos, todos de pessoas sem posses, que ele nem sequer conhecia, mas se entregou de corpo e alma para as ajudar nas suas causas, com aquilo que ele sabe, se aplica e gosta de fazer: advogar.

Publicidade

Ora, um cidadão com esse nobre perfil não foi, não é e nunca será um violador do Estado de Direito Democrático, antes pelo contrário, o trabalho pro-bono desse amante da justiça devia ser reconhecido e enaltecido, se tivéssemos um Estado verdadeiramente republicano.

No caso do emigrante Arlindo Teixeira, que caiu nas malhas da (in)justiça cabo-verdiana ao repelir uma agressão física comprovadamente violenta, aquando das suas ferias em Cabo Verde, que todo mundo já sabe foi o estopim para a decretação da prisão do Amadeu, não difere dos demais casos que acabei de citar em que ele também agiu por pura filantropia. É que, o Amadeu não é parente nem amigo desse senhor, sequer o conhecia, simplesmente acreditou na sua inocência e convenceu-se que, perante tamanha agressão, ele se defendeu como qualquer pessoa que estivesse na mesma situação faria, o que constitui causa de exclusão de culpa e de ilicitude, pelo que não poupou esforços até conseguir a sua libertação.

Publicidade

Talvez as pessoas não saibam, mas, na altura, o próprio Tribunal Constitucional, em sede de recurso de amparo, absorveu os argumentos apresentados pelo Amadeu Oliveira, enquanto representante do Arlindo Teixeira, considerando que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou devidamente o recurso, pelo que mandou anular a pena aplicada e repetir o julgamento. Só que, o que se poderia considerar uma vitória histórica do Amadeu enquanto advogado, no entanto, viria a ser o seu verdadeiro pesadelo, pois, na minha opinião, os juízes do STJ sentiram-se afrontados enquanto poder supremo e isso foi o verdadeiro estopim para que ele fosse julgado e condenado a tão dura pena.

A partir daí, como bem disse o Dr. Germano Almeida, o sistema no seu todo fechou-se em copas para o Amadeu e  aproveitou-se do facto dele ter  viajado com o seu  defendido para França, que, diga-se de passagem foi o próprio Supremo Tribunal de Justiça que declarou extinta a interdição de saída do país desse emigrante e lhe entregou o passaporte, embora incompreensivelmente impuseram-no como medida de coação  a prisão domiciliar? Medida esta que não começou a vigorar, pois foi tempestivamente impugnado no Tribunal Constitucional.

Mas, para mim, isso não foi uma contradição do STJ, foi sim um engodo, pois, por uma mágica qualquer, o Amadeu, que mal tinha tomado posse como deputado, por ter acompanhado o referido emigrante, foi acusado, julgado e condenado enquanto deputado, num assunto em que ser deputado não é tido nem achado.

Mas, porquê foi acusado, julgado e condenado enquanto deputado numa matéria que nada tem a ver com o exercício desse cargo? É que, se se considerasse que ele atuou como advogado, caía por terra o crime de atentado contra o Estado de Direito Democrático. E, caindo esse crime, não poderiam  coloca-lo em prisão preventiva; estando ele livre seria impossível cercear o seu direito de se defender, o que aconteceu e continua a acontecer, pois foi esbulhado do seu computador exatamente para criar-lhe dificuldades na sua defesa.

Chegou-se a um ponto em que já não dá só para dizer que existe em Cabo Verde um vergonhoso cooperativismo judicial, que visa proteger os seus membros nos seus diferentes escalões. Esse cooperativismo passou a ser sistémico porque passou a ser transversal a todos os nossos órgãos de soberania, pois todos têm conhecimento do ror de inconstitucionalidades e ilegalidades que enferma o escandaloso processo que levou esse deputado a uma dura pena, mas ninguém nada faz para pôr fim a esses atropelos que envergonham a nossa justiça. Porquê isso acontece a gente não sabe ou talvez quem sabe não queira ou não possa dizer.

Quem guarda os nossos guardas, que pergunta pertinente!!!

Mostrar mais

Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo