Por: Nelson Faria
Mais uma madrugada com as inquietudes deste tempo… Acordo ao som de gritos de jovens que parecem entorpecidos, ao menos não estão no seu normal, pois parecem ter no corpo e na mente algo que lhes leva a não ter noção do razoável… Algo que lhes leva a ter comportamentos que não permitem um simples sossego a quem quer apenas dormir e descansar.
Por mais que nos custe, creio que é tempo de encararmos os males que o narcotráfico, mesmo que de retalho, tem causado na nossa sociedade. Apesar do trabalho das forças de segurança, quer da Polícia Nacional quer da Polícia Judiciária, particularmente nos últimos dois anos, as “quebradas” e as bocas de fumo, local de pouso e alguma juventude, tendem a espalhar-se por toda a ilha: tendem a normalizar-se como mais um sector económico, mesmo que informal, com grande notoriedade e reconhecimento, onde os proprietários do negócio passam a ser vistos como referências e benfeitores, quer para as comunidades quer para outros interesses. Até já dizem que ganham a vida “honestamente”… Um sinal evidente da nossa queda enquanto sociedade…
De pequenas bocas e quebradas, de retalho em retalho, a nossa vida, hoje e amanhã, pode estar hipotecada pelo “entorpecimento” social. Pois, evidentemente, o caminho da droga nunca é uma via consequente apenas para quem consome. Impacta negativamente nas famílias das pessoas que andam nessa vida, nas mãe que não dormem, nos pais que não têm sossego, no desespero dos irmãos e outros familiares, aumenta a criminalidade violenta que vai dos kassu bodys e roubos ao assassinato de pessoas de bem, impacta na perda de gerações, de talentos, na perpetuação da pobreza; naturalmente, isto acaba por impactar também de forma negativa na economia da ilha, com falta de mão de obra capaz, com o afastamento de visitantes e potenciais investidores quer pelo aumento da criminalidade quer pela simples falta de condições de produtividade…
Quem acha que o tráfico e o consumo de droga impactam apenas em quem está diretamente envolvido não tem a real noção do problema. Além da vertente criminal é um problema de saúde publica porque daí advém problemas de natureza física e mental, tornando pessoas e sociedades em vultos desnorteados.
Entretanto, apesar da intervenção das forças de segurança sobre este mal que assola São Vicente, muitas inquietudes se me colocam: porque continuam a proliferar e os seus promotores eleitos como referências? Porque essas “referências” já perderam o descaramento e o recato e já se assumem como os grandes obreiros deste tempo? Quais são as causas subjacentes ao aumento da criminalidade e do narcotráfico na ilha de São Vicente?
Será que o abandono escolar, a falta de oportunidades de emprego e a ausência de programas de integração social tem contribuído para que jovens se envolvam em atividades ilícitas? Qual tem sido a abordagem das autoridades locais e nacionais sobre este problema crescente? O que pode ser feito para fortalecer a segurança pública e as políticas de prevenção ao crime em São Vicente?
Se queremos resolver o problema, é tempo de encara-lo de forma assertiva para o bem da nossa coletividade, no presente e no futuro. Fingir que não existe, adotar a política de avestruz, enterrando a cabeça na areia, e, pior, ser conivente com o mal, na falsa ilusão de que “gera economia” nos fará contemplar o abismo na sua parte mais profunda. A insónia e as noites não dormidas podem passar a ser rotina…