Mais do que um livro, é a história de superação de um cabo-verdiano das ilhas que sonhou alto, mas tão alto, que muitos duvidavam que no final da sua jornada conseguiria algo tão precioso, tão desejado, mas, tão difícil que muitos desistem logo que enfrentam a primeira dificuldade…
EU CONSEGUI!
Arlindo Nascimento Rocha
Viver ou estudar fora de Cabo Verde nunca esteve nos meus horizontes, pelo menos até 2010. Tudo o que aconteceu a partir daí, não foi mera obra do acaso, mas, de um projeto de vida estruturado que foi sendo construído com base nas oportunidades que foram surgindo e se consolidando.
Desde então, aprendi que na vida, nada acontece por acaso, ou seja, tudo tem um propósito, embora não esteja no nosso domínio saber o que o futuro nos reserva. A única coisa que podemos ter algum grau de certeza é que vida é feita à nossa medida, e que nossas conquistas dependem, em grande parte, do quão estamos comprometidos com os nossos sonhos e projetos pessoais.
Cheguei ao Brasil em 2012 (para viver, trabalhar e estudar), e desde então, tentei aproveitar todas as experiências e oportunidades que foram surgindo. De todas, às acadêmicas foram as mais significativas, pois, como todo o caboverdiano que ambiciona crescer intelectualmente, valorizei e aproveitei todas as oportunidades.
Minha vida acadêmica até 1996, diga-se de passagem, não foi absolutamente uma experiência digna de orgulhar meus pais. Pelo menos, durante os meus estudos secundários, nunca fui o melhor, e paradoxalmente, nunca fui o pior da turma. No entanto, sempre esforcei para que no final do ano letivo tivesse o melhor resultado possível.
Comecei a aplicar mais, academicamente falando, em 1997, quando entrei no Instituto Pedagógico do Mindelo, pois, sabia que, em três anos deixaria de ser “aprendente” e passaria a ser “ensinante”. Logo entendi a máxima do Cortella, segundo a qual, “só é um bom ensinante quem for um bom aprendente”.
Como Professor do Ensino Básico Integrado, Gestor de Pólo Educativo, Supervisor de curso EAD (IPM), e um dos pioneiros da pré-experimentação da Abordagem Por Competências (APC) no EBI, sempre pautei pelo máximo profissionalismo. Sempre trabalhei com comprometimento, cobrei quando foi necessário, cedi quando estava errado. Por isso, conquistei o respeito e a simpatia de muitos colegas, alguns, amigos íntimos, tornaram-se.
Apliquei ainda mais quando decidi fazer a Licenciatura no Ensino da Filosofia na Universidade de Cabo Verde. Minha dedicação foi reconhecida pela Universidade por duas vezes: ganhei o prémio de mérito como melhor aluno (2008) e dois nos mais tarde (2010) fui selecionado para participar do Curso de Iniciação Científica que decorreu na Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil.
Desta experiência acadêmica, ficou a viva chama de querer voltar ao Brasil para uma experiência mais prolongada. Em 2012, decidi deixar minha carreira de Professor do EBI (Quadro Definitivo do Ministério da Educação), e recém licenciado para o exercício da docência em Filosofia no Ensino Secundário, para assumir uma aventura acadêmica sem nenhum tipo de garantias. Tinha presente a viva certeza que poderia fazer a diferença no Ensino Superior no Brasil, pois, minha motivação era a única garantia que seria possível superar quaisquer dificuldades, ou supostas desvantagens, pelo fato de ser aluno estrangeiro.
Ao chegar ao Brasil, em termos acadêmicos, tudo aconteceu da melhor forma. Minha primeira experiência aconteceu na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde cursei dois semestres como aluno ‘especial’ do Mestrado em Filosofia. Em seguida, na Universidade Católica de Petrópolis, cursei uma Pós-graduação Lato Sensu (Especialização) em Administração, Supervisão, Orientação Educacional e Pedagógica.
Mas, minha passagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi a mais significativa de todas e a mais duradora. Concluí o Mestrado em 2016 e o Doutorado em 2021. Por ser uma Universidade particular, minha permanência só foi possível graças a dedicação exclusiva aos estudos e à pesquisa, pois, consegui, nas duas vezes, por mérito próprio, ser contemplado com ‘bolsa de estudos’ concedida pela Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), agência, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura do Brasil, que tem como objetivo promover a expansão e a consolidação dos cursos de Pós-graduação no país.
Durante o período que estive como bolsista CAPES, aproveitei e maximizei todas as possibilidades e experiências possíveis: participei de grupos de estudos, congressos, seminários, palestras, publiquei vários artigos acadêmicos em revistas brasileiras e três obras, resultantes das minhas pesquisas ao longo do Mestrado e Doutorado. Foi um desafio muito grande, e uma vitória pessoal e familiar concluir o Doutorado, pois, apesar de todas as dificuldades, conseguimos superar. Sempre fomos movidos pelo amor, e pelo amor triunfamos juntos.
Então, em comemoração à essa conquista, resolvi compilar em uma única obra, seis artigos (publicados em revistas acadêmicas brasileiras), que versam sobre o pensamento do francês Blaise Pascal, Filósofo que tenho vindo a pesquisar desde a licenciatura na Universidade de Cabo Verde.
Exceto o primeiro artigo, os outros resultam do aprofundamento de alguns temas da minha Dissertação de Mestrado, publicado integralmente pela Editora Viseu (2019), cujo título é Paradoxos da condição humana, um estudo sobre grandeza e miséria como paradoxo fundamental na filosofia de Blaise Pascal. Durante a pesquisa tive a orientação do Professor Doutor Luiz Felipe Pondé, um dos maiores especialistas em Pascal no Brasil.
Essa coletânea intitulada Blaise Pascal: o caniço pensante, que conta com o prefácio do Professor Doutor Ricardo Mantovani, surgiu como a necessidade de revisitar e atualizar algumas pesquisas e disponibilizá-las em formato impresso, para quem deseja conhecer mais sobre o pensamento de Blaise Pascal. Nos seis artigos revisito suas reflexões e meditações, políticas, religiosas, filosóficas, antropológicas e epistemológicas realçando a importância de suas reflexões no contexto científico, filosófico e teológico do séc. XVII, que até hoje encontram-se diluídas nas mais pequenas atitudes e pensamentos do homem do séc. XXI.
No primeiro artigo intitulado, Uma leitura atual sobre a construção política e social na filosofia de Blaise Pascal, (publicado pela Revista Parlamento e Sociedade), jogo luz sobre a relevância do seu pensamento político, que teve até recentemente seus escritos ignorados; no segundo, A condição humana no cristianismo pascaliano: o paradoxo entre grandeza e miséria (Revista Interdisciplinar Núcleo do Conhecimento), analiso a concepção existencial do homem, presente em obra Pensamentos, através da visão paradoxal do homem; no terceiro, A fraqueza da razão e a incerteza do conhecimento da verdade em Blaise Pascal (Revista Argumentos), reflito sobre suas principais críticas ao pensamento racional que pretendia legitimar a verdade baseando-se apenas na razão; no quarto, Blaise Pascal: desejo e divertimento como fuga se si mesmo na antropologia pascaliana (Revista Diversidade Religiosa do PPGCR-UFPB), analiso os conceitos pascalianos de desejo e divertimento como categorias antropológicas, que nos ajudam a entender melhor a necessidade (desejo) e a busca permanente pela agitação (divertimento) como marcas do desvio da nossa condição insustentável; no quinto, O problema do mal e a ocultação de Deus: uma análise sobre o pecado original como princípio do mal em Blaise Pascal (Revista Brasileira de Filosofia da Religião), apresento a visão pascaliana sobre o mal, ou seja, o pecado original que determinou a entrada do mal no mundo, e, consequentemente, a ocultação de Deus; e, finalmente, no sexto, Blaise Pascal: as duas vias filosóficas para a construção do paradoxo entre grandeza e miséria (Revista Último Andar), investigo as duas vias filosóficas pelas quais Pascal constrói o paradoxo entre grandeza e miséria, como fundamental para o estudo e a compreensão do homem.
Meu primeiro livro, Entretextos foi publicado em 2014 (PoD Editora); o segundo, Paradoxos da condição humana em 2019 (Editora Viseu); e, o terceiro, Religar-se em 2020 (Editora Viseu). Blaise Pascal: o caniço pensante (Editora Autografia) é a minha quarta obra em solo brasileiro, e o primeiro após ter concluído o Doutorado. O subtítulo: ‘o caniço pensante’, um dos aforismos mais famosos de Pascal, apresentada integralmente na obra Pensamentos, é entendida por alguns autores como sendo a herança de Descartes, pois, é comum encontrar resquícios do seu pensamento, mesmo naqueles pensadores que adotaram uma postura crítica em relação a ele.
Pascal, foi um dos poucos críticos de Descartes no séc. XVII, pois, diferente deste, reconhecia a grandeza da razão, mas não deixou de denunciar seus limites. Ou seja, em vez de depositar toda a confiança no império da razão, insiste em apontar seus limites, tendo em conta que, ela é incapaz de conhecer a totalidade. Logo, a razão não garante confiança, uma vez que é impotente e fraca.
Essa impotência, segundo Pascal, não deve servir senão para humilhar a razão que gostaria de julgar todas as coisas, mas não consegue, pois, quando se trata do conhecimento, sabe-se que este é acessível, não só pela razão, mas também pelo coração, consequentemente, o coração tem suas razões que a própria razão desconhece, como advertiu o então jovem Pascal, enfermo de corpo, mas, de uma inteligência excepcional, que o apelido de caniço pensante caiu-lhe como uma luva.
No entanto, é preciso desmistificar essa visão de um homem atormentado e fragilizado, pois, suas supostas fraquezas foram compensadas pela capacidade de pensar, pois, o pensamento, segundo ele, faz a grandeza do homem, logo, sua ‘pequenez’ não lhe impediu que demonstrasse sua ‘grandeza’. Grandeza essa, que quero partilhar com todos através da minha obra.
Boa leitura!
Cidade de Niterói – Rio de Janeiro