Tomilson Neves
Cinco ex-ministros agora sentados lado-a-lado como Deputados Nacionais. O plenário virou extensão do Conselho de Ministros, e a política… um jogo de cadeiras com vista para o poder.
Dizem que a política é feita de ciclos. Mas, neste nosso amado Cabo Verde, há ciclos que não fecham, apenas mudam de sala. Depois de anos a governar de fato, agora governam de palavra. A bancada parlamentar do MpD virou uma espécie de “Governo em segunda temporada”, com cinco ex-ministros sentados como Deputados Nacionais. Coincidência? Recompensa? Ou só mais um reflexo de um sistema onde o poder raramente muda de mãos, apenas troca de mesa?
E, como se não bastasse a coincidência curricular, ainda há a disputa interna para decidir quem fica, quem sai, quem sorri para a câmara enquanto o povo espera por reformas que nunca chegam. Foi assim o cancelar do debate com o vice-PM no dia 11 de junho deste ano. A Assembleia Nacional transformou-se num eco do Palácio da Várzea, onde o debate democrático dá lugar à nostalgia de gabinete.
Os cinco. Sim, cinco ex-ministros agora revestidos do traje democrático de Deputados Nacionais. Se isso fosse uma série política, já teríamos passado da terceira temporada, só que, infelizmente, sem suspense ou inovação no enredo. E, se há ministério que serviu como porta giratória entre o Governo e o Parlamento, foi o do Mar. Nele, as marés mudam, mas os nomes continuam a boiar à superfície. Caso para dizer que os pescadores mudaram os pesqueiros ou então num bom Crioulo di Badiu “Piscadores dja muda di pedra”.
Paulo Veiga, por exemplo, trocou o leme do Mar pelo microfone da Assembleia Nacional, agora fazendo ondas de outro tipo, ao lado do versátil Abraão Vicente este, sim, um verdadeiro camaleão político que fala da cultura com a mesma segurança com que faz política cultural de bastidores. E, porque três é o número mágico, lá está também Jorge Santos, que já foi de tudo… ou quase tudo. Se houver um cargo que ele ainda não ocupou, provavelmente está a ser criado.
Como se não bastasse este trio de ex-governantes com lugar cativo, juntam-se agora duas novas/velhas caras ao elenco: Edna Oliveira, que saiu do Governo e regressou à Assembleia com a fluidez de quem muda apenas de gabinete, e Carlos Santos, cuja saída do Executivo não causou surpresa a ninguém, mas que agora, de quando em vez, passa pela Assembleia Nacional como quem faz uma visita ao passado… ou um reconhecimento do terreno.
O ponto alto, ou baixo, dependendo da lente, veio com o regresso de Filomena Gonçalves. Uma volta digna de novela institucional: sem nem ter regressado na forma física, apenas o nome regressou, puxou uma cadeira, e desencadeou um verdadeiro baile das cadeiras na Assembleia Nacional. O mais azarado da história? Euclides, que foi literalmente “ao ar”, desbancado após Antonieta apresentar um recurso que envergonhou até os que fingem não se envergonhar de nada.
O mais triste? A aprovação de quem fica e quem sai foi feita entre colegas… deputados a votar em deputados, como se a Assembleia fosse um clube privado, onde o estatuto vale mais do que o voto. Ou sei lá, pareceu isso pelo menos. Uma coisa é certa, perdemos uma manhã de trabalho inteirinho.
Centro de Reciclagem Política
No meio de tudo isso, fica a sensação de que a Assembleia Nacional já não é, há muito, casa da democracia. Tornou-se, isso sim, um departamento satélite do Governo, onde ex-ministros trocam pastas por microfones, gabinetes por cadeiras acolchoadas, e onde as decisões já não são sobre o povo — mas sobre quem ainda pode ter alguma utilidade no xadrez do poder.
O nome “Assembleia Nacional” talvez devesse ser atualizado. Centro de Reciclagem Política cairia melhor. Lá se reciclam cargos, ambições, discursos prontos e alianças de conveniência. Recicla-se tudo, menos a esperança do povo.
Enquanto isso, a população assiste, descrente, ao desfile de vaidades. Os que deviam fiscalizar o Governo são, afinal, os mesmos que até ontem o executavam — e que amanhã, quem sabe, voltarão ao comando de alguma pasta ministerial.
Estamos num ciclo viciado onde se governa com um pé na Assembleia e se legisla com os olhos no Conselho de Ministros. E o povo? Esse, como sempre, assiste de fora. À espera que um dia, enfim, o Parlamento seja devolvido a quem realmente o devia ocupar: os representantes do povo, e não os sobreviventes do poder.