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As águas subterrâneas como recurso supletivo em tempo de crise 

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David Leite 

Água para todos! A recente catástrofe que no passado dia 11 de agosto se abateu sobre a ilha de São Vicente, deixou a Electra temporariamente incapacitada de captar água do mar para dessalinização.

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Esta dramática realidade canalizou a nossa atenção para os recursos aquíferos existentes na ilha, com o objectivo de apurar em que medida poderiam servir de apoio à Electra (pelo menos para limpeza e uso doméstico) em situação de penúria prolongada. Do amigo António Apolinário (“Toi d’Aga”, que já vem fornecendo muitas lojas de S. Vicente com água mineral do Vale do Paul – S. Antão) partiu a ideia de irmos observar de perto alguns poços em funcionamento. E, para nossa grande surpresa, os que os conhecem acreditam que há água para todos no subsolo da ilha do Monte-Cara! Quanto mais agora, com os lençóis freáticos reforçados pelas chuvas diluvianas do dia 11…

 As informações colhidas deixaram entender que valia a pena avançar com a reabilitação desses poços, que em tempos remotos forneciam água para limpeza e uso doméstico, e até matavam a sede aos que não tinham recursos para comprar água doce da Vascónia (trazida do Tarrafal de Monte-Trigo pelos conhecidos “vaporim d’aga”). Vale pena porque a água existe, os poços também (alguns necessitando de alguma manutenção).

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Tratando-se de poços tubulares de tipo semi-artesiano, requerem equipamento de bombeamento para agiliazar a extracção da água, e acontece que nem todos estão equipados com motobomba. Na maior parte deles a água é extraída à força de braços, com a ajuda de baldes (aplicando-se, às vezes, o sistema de roldana).

A experiência-piloto realizada na zona de Fonte d’Inês foi conclusiva e gratificante. O amigo Didi Matos disponibilizou o poço da propriedade familiar, voluntários instalaram a bomba (não foi fácil), as Forças Armadas e a empresa “Spencer Construções” cederam dois autotanques para a distribuição do precioso líquido às populações dos bairros desfavorecidos.

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Agir na prevenção: amanhã é hoje!

Com a Electra a funcionar a pleno gás, pode-se questionar se vale a pena insistir num projecto de apoio emergencial às vítimas da tempestade.

À primeira vista, não! Mas, se pensarmos que essa necessidade não desaparece por completo com a normalização do fornecimento de água pela Electra – vale a pena sim! Na verdade, o que à primeira vista parece uma solução de paliativo, deve ser bem mais do que isso! Deve e pode, com medidas estruturais e estruturantes inscritas numa agenda de longo prazo. Podemos ver nas motobombas e autotanques importantes ferramentas para facilitar o abastecimento de água dos poços para limpeza e uso doméstico, aliviando a própria Electra em situação de emergência ou calamidade.

Por outras palavras, esta medida já fazia falta antes da calamidade, e decerto vai ser útil depois dela. Senão, vejamos: 

  1. As recentes enxurradas provocaram o movimento das imundícies e a saturação da rede de esgotos, como já era previsível, confundindo-se as lamas com as águas residuais cujos agentes patogênicos podem causar doenças como a cólera, a difteria, o tifo, a hepatite e várias outras. A crise do saneamento público justifica que nos preocupemos com as suas consequências sobre a saúde das pessoas, a menos que sejam tomadas medidas preventivas. Uma dessas medidas é o aumento do fornecimento de água para limpeza e saneamento.

2. Ninguém pode prever em que momento poderemos ser surpreendidos por uma catástrofe natural ou outra que ultrapasse a nossa capacidade de reação rápida.

3. Além disso, não são de hoje as carências no abastecimento de água aos mais carenciados, e nem todos dispõem de água canalizada. A recente tempestade nos veio alertar para este e outros problemas que antes nos passavam despercebidos ou fingíamos ignorar.

4. A problemática da água não existe apenas nos subúrbios, mas também nas zonas ditas “rurais”. Uma motobomba na Ribeira de Vinha ou do Calhau são 

 preciosas ferramentas de apoio à agricultura de subsistência.

Agir agora, projetar para o futuro

Nesta situação de calamidade, contentámo-nos com uma simples observação empírica dos recursos hídricos existentes no subsolo de S. Vicente, tentando acudir aos mais necessidades.

 Outra coisa é um projecto para o futuro, que escapa, óbvia  às competências de uma associação movida por desígnios não lucrativos. Sendo o Estado proprietário dos recursos hídricos do país, ocorre-me pensar no Ministério da Agricultura e Ambiente e na sua Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS), com competência técnica para realizar estudos hidráulicos devidamente fundamentados. Se tais estudos desembocarem num projeto, aí sim, Governo e associações partiriam todos à procura de financiamento junto das ONG’s vocacionadas para essa problemática.

Os beneficiários? As associações poderiam ajudar ao reconhecimento das necessidades sociais no terreno, sem esquecer uma visita ao Cadastro Social Único.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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