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Apoio à petição pública promovida por Any Delgado, intitulada “Dar a notoriedade e o devido respeito ao poeta claridoso Jorge Brabosa”

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Por: Carlos Almeida (PhD)

Como amante, estudioso e professor da literatura cabo-verdiana sou um confesso admirador de um dos nossos Maiores (se não o Maior) Poeta cabo-verdiano, do período Claridoso, Jorge Vera-Cruz Barbosa (1902-1971). Junto com Baltasar Lopes e Manuel Lopes foi um dos fundadores da revista Claridade (1936-1960) que, em Março de 1936, na cidade de Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, lança o primeiro número de Claridade, uma revista considerada o marco primordial da moderna literatura caboverdiana.

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A revista tinha como premissas principais afastar-se dos cânones europeus e exprimir a voz colectiva do povo cabo-verdiano naquilo que ele possuía de mais autêntico. A língua cabo-verdiana é simbólica e significativamente representada logo nos dois primeiros números, com poemas e mornas em crioulo, e um estudo de Baltasar Lopes sobre a língua cabo-verdiana. Essencialmente literária, a revista Claridade editou poemas, contos, noveletas, excertos do romance Chiquinho de Baltasar Lopes, estudos de etnografia e folclore. Pode-se perguntar qual a significação da revista Claridade para Cabo Verde e quais as motivações e influências do aparecimento desta revista.

Tentando responder à primeira pergunta, direi que a revista Claridade significa o germinar da independência cultural e política da nação cabo-verdiana, que veio a florescer e frutificar com os movimentos (revistas, boletins e suplementos) que se lhe seguiram: Certeza (1944), Boletim de Cabo Verde – Suplemento Cultural (1958), Boletim dos alunos do Liceu Gil Eanes (1959) e Sèló (1962).

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Entretanto, é necessário ter em conta a durabilidade, embora muito irregular, da Claridade (1936-1960). Nove números foram publicados, sendo os três primeiros no período de um ano, que se pode considerar como sendo a primeira fase, ou melhor ainda, as raízes e tronco dessa árvore. Os restantes números seriam os ramos. Desses ramos surgiriam as folhas da Certeza (1944), com duas “folhas” publicadas, sendo a terceira cortada pela censura, aliás, algo muito comum na era salazarista. Mais tarde, das folhas brotam as “flores” do Suplemento Cultural (1958), com uma só flor publicada, sendo a segunda também cortada pela máquina repressiva.

Não obstante, embora martirizada, essa árvore estóica e resistente como o dragoeiro, não deixaria de frutificar mediante o estoicismo de todos os seus elementos constituintes. Em 1959, duma “flor” dessa árvore, Boletim dos alunos do Liceu Gil Eanes, um fruto aparece, a revelação do grande poeta Corsino Fortes. Mais tarde com Sèló (1962) outros “frutos” surgem. Quanto ao Poeta Jorge Barbosa, publicou Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um ilhéu (1965).

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Na minha tese de doutoramento (não publicada) eu trato do tema das “Águas – do Mar e da Chuva” na poesia de Jorge Barbosa, e afirmo: “é um dos mais importantes na formação (identificação?) da complexa identidade do ser cabo-verdiano, um ser por vezes resignado, ansioso, prisioneiro, nostálgico, sonhador, e, por outras, inquieto, rebelde e aventureiro, condicionado pelo espaço e ambiente que o rodeia. O arquipélago rodeado do mar salgado à volta lhe serve tanto de prisão como também ponte de libertação para outros horizontes.” (Almeida 66).

Por sua vez, Manuel Veiga em “Signos e Símbolos em Jorge Barbosa: Uma Tentativa de Análise Semiológica” faz uma interessante observação relacionada com a importância do espaço quando diz: “O homem é, de algum modo, o que é o seu espaço. Este nunca é neutro, nunca é indiferente para com tudo o que o rodeia. […] A ilha é o espaço do seu devir e da sua vivência e, por isso mesmo, da sua poesia também.” (Barbosa 27-8)

No seu estudo As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa e a Mundividência Caboverdiana Elsa Rodrigues dos Santos aponta que a ilha, pela sua própria definição, contém uma dicotomia na perspectiva espacial: fechado/aberto; dentro/fora, instaurando outras oposições a nível psíquico. O ilhéu, encerrado nos seus limites, vê uma possibilidade de exteriorização. Isso significa que as oposições espaciais ligam-se à problemática do conhecimento, da procura da outra dimensão do ser. […] A dicotomia de sentimentos (prisão/liberdade) que corresponde às oposições espaciais (aqui/além; fechado/aberto; ou antes, ilha/mar longismo) traduz a consciência da insularidade, intelectualizada pela própria poesia. (59-60)

É, em parte, este jogo de oposições binárias que o poeta manuseia, pondo em acção o sujeito poético dentro do espaço ilhéu, desencadeando-lhe esses sentimentos, moldando-lhe no processo a sua identidade.

A ilha, o espaço sólido, e o mar, o espaço líquido, estão na base desta dicotomia, reflectindo-se em constante luta na psique do nativo ilhéu. Na realidade fazem parte integrante da identidade cabo-verdiana: “Este convite de toda a hora / que o mar nos faz para a evasão! / este desespero de querer partir / e ter que ficar!” (Barbosa 97); ou ainda, o reverso da moeda, ou seja, o “querer ficar e ter que partir” pela necessidade de emigração: “E depois… lá vão / outra vez / tristonhos os emigrantes.” (Barbosa 65)

Este artigo de opinião tem o intuito de simplesmente mostrar, mesmo que panoramicamente, a importância do Poeta Jorge Barbosa para Cabo Verde e de apelar ao público em geral, independente da inclinação política, para assinar a Petição Pública promovida pela ativa cidadã e promotora da Cultura Cabo-verdiana, Any Delgado, com respeito na tentativa de dar o devido respeito ao Poeta Jorge Barbosa na colocação do seu busto na praça Alexandre Albuquerque (no Plateau), na cidade da Praia, como tinha sido concordado entre a Câmara Municipal da Praia e o Ministério das Finanças, e foi lamentavelmente desviado e colocado no lateral do edifício do Ministério das Finanças.

Link para acesso à petição https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT121071

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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