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A perversidade da reescrita e ocultação da História: A relação Pedra & Garrafa, Pedra & Barro

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Por: Américo Medina

Hoje, ao analisar uma fotografia histórica que está circulando pela internet, percebi algo fascinante. Essa imagem me levou a concluir que, nos primeiros anos da independência, houve uma sabedoria e criatividade tão intensas que, sem nos darmos conta, derrubamos muitos mitos, ditados e certezas. Um deles: “Pedra não joga com garrafa.”

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Contrariando o ditado, a fotografia em questão revela como as mentes brilhantes que vieram do mato provaram que Pedra&Garrafa podem, sim, interagir de diversas formas. Mais do que isso, mostraram que a relação entre elas não se restringe a um confronto onde uma destrói a outra. Ao “ler” essa imagem histórica, percebi que, dependendo da situação,Pedra&Garrafa não apenas coexistem, mas também se beneficiam mutuamente. Inspirados pelos ensinamentos de Amílcar Cabral, os guerrilheiros do mato ousaram provar que não é a força absoluta de um ou outro que importa, mas a capacidade de adaptação e cooperação, onde a força da complexidade não exclui a colaboração visando aproveitar as competências disponíveis e em presença!

Durante aquela fase inicial, em que aprendemos a colocar Pedra&Garrafa em interação proveitosa, derrubamos a visão reducionista de que um sempre vencerá o outro. A história nos mostra que contextos diversos criam oportunidades para forças diferentes colaborarem e se complementarem. Infelizmente, anos depois, essas experiências bem-sucedidas foram descartadas, ocultadas até, como se não tivessem valor, amassadas e jogadas no lixo da história.

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Foi então que, sob o manto das “Mãos Limpas”, o “Campeão” dessa nova fase resgatou o antigo ditado: “Pedra não Joga com Garrafa!” Em nome da democracia e da liberdade, vimos um retrocesso. A ideia de colaboração foi substituída por uma visão maniqueísta onde a “pedra-pedrada” deve prevalecer. Porém, ironicamente, com o tempo, a própria “pedra” se desgastou, enquanto a garrafa permaneceu resiliente em certos aspectos.

E agora? Surge um novo paradigma, onde a dinâmica se transforma novamente, desta vez para um jogo entre Pedra & Barro!

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Pedra & Barro: A Nova Configuração do Jogo!

Essa nova configuração, saída da cartola do ilusionista-inesperado de plantão, nos entrega um espetáculo cada vez mais confuso. A relação simbólica entre Pedra&Garrafa foi abandonada, substituída por uma disputa ainda mais dúbia, onde as regras parecem ditadas por interesses momentâneos, onde o “barro” exagera na sua plasticidade maior do que a “garrafa”, contorce-se qual invertebrado para se escudar das pedradas da “pedra”!

É um espectáculo raso de Circo&História, de Pedra&Barro, orquestrado por revisionistas de novo tipo, que manipulam os fatos conforme a conveniência e as “crenças” pessoais, este a que estamos assistindo!

A história, especialmente em contexto doméstico recente, tornou-se um campo de disputa ideológica incessante. Aqueles que detêm o poder moldam a narrativa para justificar seus atos, ocultar fatos, vilanizar adversários e enaltecer aliados. Essa tendência, longe de ser nova, ganhou velocidade. A reescrita da história, antes disfarçada, agora ocorre sem pudor, sob a máscara de discursos democráticos.

Como aprendemos com acadêmicos sérios cá dentro, o revisionismo histórico pode ser uma ferramenta legítima da historiografia quando conduzido de forma responsável. Revisitar eventos históricos com base em novas descobertas ou perspectivas mais amplas enriquece nosso entendimento do passado. Contudo, o que enfrentamos agora é algo muito diferente: a manipulação deliberada e oportunista da história para atender a interesses políticos, ideológicos e pessoais.

Entre nós, essa perversidade da reescrita da história tem seus escribas e cúmplices. Partidos, grupos ideológicos e seus representantes utilizam a história como ferramenta de propaganda e controle. O objetivo? Consolidar narrativas que favoreçam seus interesses, ocultando certos fatos e alterando outros.

Resistir a essa distorção exige mais do que boa vontade: exige compromisso com a verdade e pensamento crítico. Historiadores, jornalistas, professores e cidadãos têm a responsabilidade de combater essas tendências. A vigilância e a ação coletiva são essenciais para impedir que narrativas manipuladoras prevaleçam, mascaradas de pluralidade, tolerância e razoabilidade.

Nos tempos de desinformação e pós-verdade em que vivemos, defender a história real não é apenas um esforço acadêmico. É um ato de resistência contra a manipulação ideológica, a opressão sutil e os interesses camuflados de certos atores políticos. Essa luta pela verdade histórica é, acima de tudo, um compromisso com a justiça e com o futuro.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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