Por: António Santos
Em Cabo Verde, a culpa é sempre do outro, de alguém, do incógnito, das coisas sem nome e sem rosto. Não há culpados! Ninguém assume a Culpa! É tudo uma questão de vontade política? Onde fica esse território da total transparência e da tolerância zero? O caso das conclusões do inquérito ao acidente com a viatura militar, que se dirigia para o incêndio na Serra da Malagueta, que provocou oito vitimas mortais e 23 feridos, é bem demonstrativo disso.
As Forças Armadas, apesar de reconhecerem que, eventualmente, poderão ter surgido
problemas técnicos, sacodem a água do capote e dizem que tudo se deveu a um erro humano
do condutor. Refugiam-se nos pareceres de alguns técnicos para acusar o condutor da viatura
de ter feito uma manobra irresponsável.
O relatório é claro: “Depois de uma descida de forte inclinação, seguida de uma curva à direita, aproximando-se de uma contracurva à esquerda, o condutor do camião tentou alterar a marcha do veículo, tendo informado os dois outros ocupantes da cabine de que a parte superior da alavanca da caixa de velocidade se tinha partido”.
Continuando a citar o relatório: “Na sequência, o condutor informou aos outros dois ocupantes da cabine de que iria embater o camião ´na rocha´, para o tentar parar. Nessa tentativa, o camião subiu uma pequena encosta, acabando por capotar por volta das 17h27”.
A partir destas deduções do relatório podemos deduzir que o condutor, que estava devidamente habilitado para o exercício das funções de condutor de veículos pesados (possuía carta de condução nas categorias B, C e F desde o ano de 2017), fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o desastre.
Mas, de imediato, o relatório na sua senda de culpabilizar alguém, diz que o camião foi fabricado em 2021 e oferecido às Forças Armadas de Cabo Verde no mesmo ano, tendo sido providenciado aos condutores instrução para a condução desse tipo de viaturas em Santiago, Sal e São Vicente. O facto de ter sido fabricado em 2021, na perspectiva do relatório, significa que não tem, por enquanto, problemas mecânicos.
Tese que, aliás, se defende ao longo do relatório, quando nas conclusões se afirma perentoriamente: “O camião “DONFENG” FA-07-76 encontrava-se em condições operacionais de utilização aquando do seu empenhamento nessa missão, não tendo sido detetada, até ao momento do acidente, nenhuma avaria ou anomalia no camião. Esta constatação ficou confirmada com os trabalhos de peritagem realizados no
sistema de travão, direção e outros sistemas e órgãos do veículo, que não acusaram qualquer anomalia”.
Apesar deste “sacudir de águas”, as recomendações do relatório apontam, como nós temos
retratado nestas páginas, para algumas falhas importantes na administração das nossas Forças
Armadas, identificando ações a serem adotadas pelas Forças Armadas com vista a incrementar a segurança operacional nos meios de transporte terrestres, cujas instruções constam do despacho sobre este processo de inquérito e cuja implementação se iniciará de imediato, nomeadamente: Por várias vezes pedimos o incremento da “formação contínua dos condutores, incluindo a realização de exercícios teóricos e práticos, baseados em cenários diversos, com vista a preparar os condutores a enfrentarem e reagirem com discernimento e sangue frio a qualquer tipo de avarias com viaturas em movimento.
Além de termos recomendado, por várias vezes, que as Forças Armadas dotem as viaturas de transporte geral de melhores condições de segurança para o transporte de pessoal nas carroçarias, o que se tivesse sido acatado a tempo e horas poderia, eventualmente, evitar o acidente na Serra da Malagueta.
Agora, só nos resta aguardar que as recomendações do Inquérito ao acidente sejam implementadas… Cá estaremos para ver.