Arlindo Rocha
A comunidade cabo-verdiana no Brasil, embora numericamente reduzida, enfrenta desafios significativos desde 2019, sobretudo no que diz respeito a conectividade aérea entre os dois países. A situação, que se arrasta há seis anos, é marcada por uma combinação de fatores, incluindo a negligência do governo de Cabo Verde (MPD), a ineficiência crónica da TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) e a estratégia comercial da TAP Air Portugal, que tem sido acusada de aproveitar-se da ausência de concorrência.
A TACV, companhia aérea nacional de Cabo Verde, tem sido alvo de críticas persistentes devido a sua incapacidade de oferecer serviços aéreos confiáveis e pontuais. Em todos os destinos que opera ou operava, os atrasos eram frequentes, ao ponto da empresa ser ironicamente apelidada de “Transportes Atrasados de Cabo Verde”. Para muitos passageiros, a sorte resume-se a não verem os seus voos cancelados sem justificação prévia.
Os voos entre Brasil e Cabo Verde, quando existiam, não fugiam a esta realidade. Atrasos e cancelamentos eram comuns, mas, pelo menos, havia a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, chegar-se-ia ao destino. Hoje, porém, essa possibilidade é uma miragem. Os atrasos, que outrora eram vistos como um incómodo, são agora um “luxo” inacessível, já que, para haver atrasos, é preciso que haja voos. E estes simplesmente deixaram de existir.
Nos últimos anos, a possibilidade de viajar tem sido sistematicamente negada à comunidade cabo-verdiana no Brasil, apesar das repetidas promessas do governo e dos seus representantes. Como é habitual em Cabo Verde, os compromissos assumidos raramente são honrados, deixando os cidadãos à mercê de uma situação que já se tornou insustentável.
Na ausência de alternativas, a TAP Air Portugal assumiu o controlo quase total das rotas aéreas entre Cabo Verde e Brasil, impondo preços exorbitantes que tornam praticamente impossível para muitos cabo-verdianos manterem contacto com as suas famílias. O monopólio da companhia portuguesa tem sido amplamente criticado, mas, até ao momento, sem qualquer intervenção ou tentativa de negociação efetiva por parte do governo cabo-verdiano.
O silêncio do executivo liderado pelo MpD é, para muitos, estarrecedor e desumano. A negligência face as necessidades dos cidadãos no exterior é vista como um claro desrespeito pela dignidade de uma comunidade que, apesar de distante, continua a contribuir para o desenvolvimento do país.
Muitos cabo-verdianos no Brasil são profissionais qualificados: médicos, enfermeiros, professores, advogados, engenheiros (só para citar alguns exemplos), cujo trabalho deveria ser motivo de orgulho para Cabo Verde. No entanto, a estes é negado até o simples direito de visitar as suas famílias.
Numa entrevista do Embaixador de Cabo Verde no Brasil, José Pedro Chantre Oliveira, à “Letra das Ilhas TV”, este afirmou que, de acordo com a Carta de Missão que recebeu em setembro de 2020 quando assumiu a Embaixada em Brasília, as áreas prioritárias de atuação seriam, nomeadamente: cultura, relações diplomáticas e economia. No entanto, segundo o Embaixador, isso não tem sido possível devido a ausência de voos diretos e de uma linha marítima, bem como ao desenvolvimento de relações com mais quatro países da América do Sul (Argentina, Uruguai, Bolívia e Equador). Infelizmente, a Carta de Missão não está sendo cumprida, lamenta em tom de desabafo.
Mesmo com a intervenção do Presidente da República, em outubro de 2022, segundo ele, Cabo Verde continua a perder várias oportunidades. A resolução desta situação problemática, conforme assegurou durante a entrevista, depende exclusivamente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou seja, da Achada de Santo António.
Apesar do testemunho do nosso Embaixador aqui no Brasil, o governo que ele representa deslumbra-se com a projeção de uma imagem falaciosa do país, prometendo fortalecer a conexão Cabo Verde-Brasil, como foi visto na recente reunião bilateral entre ministros da Cultura dos dois países. Enquanto isso, a verdadeira conexão que os cabo-verdianos mais desejam é a que os una às suas famílias e amigos.
Os governantes, que tantas vezes viajam à custa do erário público, parecem esquecer de que a dignidade humana não se mede por palavras eloquentes ou discursos bem elaborados, mas sim por ações concretas e compromissos cumpridos. No nosso caso, o que não falta são promessas! E as ações efetivas? Essas continuam a ser uma miragem, deixando-nos à espera de respostas que nunca chegam.
A falta de humanidade dos decisores políticos reflete-se nas consequências profundas e desumanas desta situação. Famílias estão separadas há anos, e a falta de comunicação eficaz entre as autoridades cabo-verdianas e a comunidade no Brasil só agrava o sentimento de isolamento. Além disso, a economia cabo-verdiana perde com a redução de remessas e bens que poderiam ser enviados se houvesse uma conexão aérea estável e acessível.
Paradoxalmente, enquanto o turismo em Cabo Verde atinge números recordes, com um crescimento expressivo em 2024, os cidadãos cabo-verdianos no Brasil lutam para encontrar voos acessíveis. Este contraste reflete não apenas a ganância da TAP, mas também a falta de intervenção do governo para negociar ou subsidiar preços que são, hoje, proibitivos para a maioria.
A situação dos cabo-verdianos no Brasil é um reflexo claro da falha sistêmica na gestão das necessidades dos cidadãos no exterior. A TACV, a TAP e o governo de Cabo Verde devem ser responsabilizados pelas suas ações, ou pela falta delas. É urgente um esforço conjunto para melhorar a conectividade aérea, reduzir os preços das passagens e apoiar as famílias separadas.
Enquanto isso, a comunidade cabo-verdiana no Brasil continua a sofrer em silêncio, esperando por uma mudança que parece cada vez mais distante. Diante deste cenário, não resta outra alternativa senão renovar o apelo de SOCORRO, pois, “Ainda estamos aqui”.
Neste mar de lamentações, não estamos sós. Os nossos conterrâneos dos EUA enfrentam os mesmos desafios, especialmente no que diz respeito à falta de conectividade aérea com Cabo Verde.
Em entrevista à TCV, José Luís Sá Nogueira, Ministro do Turismo afirmou que o governo tem “todo o interesse” (será?) em que a TACV fortaleça as ligações com a diáspora caboverdiana. No entanto, as ações parecem não acompanhar as palavras. Enquanto a companhia aérea nacional privilegia rotas para a Europa, nomeadamente Portugal, França e Itália, as comunidades cabo-verdianas no Brasil e nos EUA continuam a ser negligenciadas, sem voos diretos ou acessíveis que lhes permitam manter laços com a terra natal.
Este cenário levanta questões sobre as prioridades do governo e da TACV. Se, por um lado, se fala em aproximar a diáspora, por outro, as decisões práticas parecem ignorar as necessidades de centenas de caboverdianos que residem fora da Europa.
A comunidade cabo-verdiana no Brasil e nos EUA, já habituada a promessas não cumpridas, estará certamente atenta às próximas declarações eleitorais. Mas, como de costume, há o receio de que estas não passem de meras “palavras ao vento”, enquanto a desconexão e o descontentamento continuam a crescer.