A economia global vai recuar em 2019, devendo crescer 3,3%, depois de avançar 3,8% em 2017 e 3,6% em 2018, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). A actividade económica mundial desacelerou na segunda metade de 2018 e essa fraqueza deve se manter na primeira metade de 2019, o que fez a instituição reduzir a estimativa para o PIB global em 0,2 ponto percentual em relação aos 3,5% esperados em janeiro. Para 2020, a previsão foi mantida em 3,6%.
“O nosso novo Panorama Económico Mundial (relatório divulgado hoje) projeta uma desaceleração do crescimento em 2019 para 70% da economia global”, resume a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, acrescentando que a redução das estimativas para 2019 foi ampla. “Ela reflecte revisões negativas para várias grandes economias, incluindo a zona do euro, a América Latina, os EUA, o Reino Unido, o Canadá e a Austrália”, escreve ela, em post para o blog do FMI. Gita diz que a economia global passa por um “momento delicado”, mesma expressão usada na semana passada por Christine Lagarde, a diretora-gerente do Fundo, em discurso em que antecipou alguns dos temores da instituição a respeito a respeito do quadro econômico mundial.
A perda de força da actividade global na segunda metade de 2018 se deveu à combinação de vários fatores, segundo o FMI. Houve a escalada das tensões comerciais entre os EUA e China, o aperto “necessário” nas condições de crédito na China, para conter excessos, as crises na Argentina e na Turquia, problemas no setor automotivo da Alemanha e uma piora das condições financeiras, na esteira da normalização da política monetária nas grandes economias desenvolvidas – o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) promoveu um ciclo de alta de juros, por exemplo.
Para 2019, o FMI espera que o crescimento dos países desenvolvidos seja de 1,8%, abaixo dos 2,2% de 2018. Em janeiro, a projecção era de 2%. “A desaceleração projetada para as economias avançadas em 2019 responde por mais de dois-terços da perda de fôlego do crescimento global em relação a 2018”, diz o relatório do Fundo.
Boa parte da revisão ocorreu por causa da piora das expectativas para a zona do euro, que teve a sua estimativa cortada de 1,6% para 1,3%. Na região, a expansão deve passar de 1,8% em 2018 para 1,3% em 2019 – em janeiro, a previsão era de 1,6%. Houve revisões para baixo em vários países, como na Alemanha (de 1,3% para 0,8%), devido ao consumo privado mais brando, à demanda externa contida e a produção industrial mais fraca, depois da introdução de novos padrões de emissões para veículos; na Itália (de 0,6% para 0,1%), por causa da demanda doméstica fraca, devido aos elevados juros dos títulos públicos; e na França (de 1,5% para 1,3%), decorrente dos protestos que tomaram as ruas do país.
Nos EUA, o crescimento de 2019 foi revisto de 2,5% para 2,3% – em 2018, foi de 2,9%. Para 2020, o Fundo espera que o PIB perca ainda mais de força, avançando 1,9%. A expectativa de redução do efeito do estímulo fiscal (em especial relacionado ao impacto do corte de impostos) ao longo do tempo ajuda a entender a estimativa. Pesou um pouco também o efeito da paralisação parcial das atividades do governo, o “shutdown”, que durou 34 dias, tendo começado em 22 de dezembro de 2018. “Apesar da revisão para baixo, o ritmo de expansão projetada para 2109 é acima do crescimento potencial da economia americana”, diz o relatório, referindo à taxa que não gera pressões inflacionárias.
No Reino Unido, as projeções foram reduzidas devido às incertezas relacionadas ao Brexit. O FMI estima um avanço de 1,2% em 2019 e 1,4% em 2020, abaixo do 1,5% e 1,6% projetados anteriormente. As previsões são altamente incertas, por causa da indefinição a respeito do Brexit, ressalta.
O FMI também baixou um pouco a projeção para o crescimento dos emergentes. Para 2019, o corte foi de 4,5% para 4,4%. Depois de crescer 6,6% no ano passado, a China deve ter expansão de 6,3% neste ano e de 6,1% no ano que vem, na visão do Fundo. Isso reflete um crescimento subjacente mais fraco em 2018, especialmente na segunda metade do ano, além do impacto das tensões comerciais com os EUA, avalia a instituição.
Na Índia, o PIB deve crescer 7,3% em 2019 e 7,5% em 2020, mais que o 7,1% do ano passado. A continuidade da recuperação do investimento e o consumo forte deve garantir essa trajetória, num quadro marcado por uma política monetária mais frouxa e algum ímpeto da política fiscal. A recente revisão das estatísticas das contas nacionais, contudo, fez o FMI reduzir as estimativas em relação a janeiro, quando esperava 7,5% para 2019 e 7,7% para 2020. De qualquer modo, a Índia continua a ser o mais dinâmico entre os grandes países emergentes.
Para a América Latina, houve uma redução expressiva do crescimento esperado para 2019, de 2% para 1,4%. Em relação a janeiro, o FMI baixou a projeção para o Brasil de 2,5% para 2,1% e a do México de 2,1% para 1,6%. Mudanças na avaliação sobre os rumos das políticas na administração de Andrés López Obrador ajudam a explicar a piora das perspectivas para a economia mexicana. Para a Venezuela, o FMI projeta que o PIB encolha 25% este ano e mais 10% no ano que vem, o que afecta as projeções para o PIB da região e dos emergentes.
Embora a economia global continue a crescer a um ritmo razoável e uma recessão mundial não esteja no cenário-base do FMI, há vários riscos de piora, adverte Gita. Tensões comerciais podem aumentar novamente, afectando outras áreas, como a indústria automotiva, diz ela, avaliando que isso produziria “grandes perturbações nas cadeias globais de valor”. Além disso, o crescimento na China pode surpreender para pior, e os riscos relacionados ao Brexit permanecem elevados. “Uma deterioração do sentimento do mercado pode rapidamente apertar as condições financeiras, num ambiente de grande endividamento público e privado em muitos países”, afirma Gita.
Para a segunda metade de 2019, porém, a expectativa do FMI é de melhora. Essa recuperação se baseia na acomodação da política monetária promovida pelas maiores economias do planeta, possibilitada pela ausência de pressões inflacionárias mesmo com o crescimento próximo do potencial, segundo Gita. Os BCs dos EUA, da zona do euro, do Japão e do Reino Unido passaram a adotar uma a a adotar uma atitude menos dura. Além disso, a China adotou medidas de estímulo fiscal e monetário para contrabalançar o efeito negativo das tarifas comerciais. Por fim, as tensões entre EUA e China diminuíram um pouco. Ainda assim, os riscos de piora não são desprezíveis, diz Gita.
Essas avaliações fazem parte do Panorama Econômico Mundial, documento divulgado esta terça-feira, na reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial, que ocorre nesta semana, em Washington.
Fonte: Valor Económico