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Álvaro Andrade, o atleta que sofreu “bullying” na escola e hoje é campeão nacional de fisiculturismo em “Men’s Physique”

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Sofreu bullying na escola secundária por conta do seu físico esguio. Sentiu a sua autoestima cair a pique e esteve prestes a entrar em depressão. No entanto, em vez de se deixar abater, Álvaro Andrade recorreu ao desporto para resgatar a sua autoconfiança. Hoje, aos 24 anos, é campeão nacional de fisiculturismo na categoria Men’s Phisyque e prepara-se agora para representar Cabo Verde no campeonato africano de culturismo. É já no mês de outubro, está a precisar de apoio para a sua preparação e promete lutar pelo seu primeiro título internacional.

Quando Álvaro Andrade foi declarado campeão da Taça de Cabo Verde de culturismo e fitness no dia 24 de setembro viu todo o seu percurso no mundo da musculação trespassar a sua mente à velocidade da luz. A carga emocional foi tanta que não pôde conter as lágrimas. Nesse momento lembrou porquê entrou pela primeira vez num ginásio. Reviu as “brincadeiras” a que foi sujeito por colegas da escola secundária que costumavam gozar com o seu corpo esguio – “magricela!!!”. Recordou também que foi excluído de grupos de amigos e que se sentiu na necessidade de se isolar para proteger a sua pessoa.

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“Perguntei tantas vezes a mim mesmo porquê agiam assim comigo. Isso deixava-me triste, com vontade de estar no meu canto”, recorda o jovem nascido na zona do Monte e que foi para Chã d’Alecrim aos seis anos, onde ainda mora com a mãe e as irmãs.

Mais tarde, a vida deu-lhe a resposta, quando um dia tomou a iniciativa de começar a treinar no terraço da sua casa. Nesse instante, tinha catado todos os “limões” que lhe atiraram para fazer a tal “limonada”. Começou a fazer os exercícios básicos de flexão, até que um dia o seu irmão apareceu e disse-lhe que ele tinha uma estrutura física que poderia dar resultado se fizesse musculação. Esse comentário foi o gatilho que fez disparar a motivação desse ainda adolescente. “Juntei alguns trocados que a minha mãe me deu e fui inscrever-me no ginásio Body Fitness, ao lado da escola Jorge Barbosa”, conta.

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Neste espaço desportivo, Álvaro Andrade começou a ter o primeiro contacto directo com o mundo do fisiculturismo. Acabou por conhecer Iguer Castro nesse ginásio e nasceu logo ali uma forte amizade. É que descobriram coisas em comum: ambos eram estudantes do liceu Jorge Barbosa, residiam em Chã de Alecrim e estavam decididos a seguir o treino como “religião”.

Iguer Castro, atleta internacional, e Álvaro Andrade, campeão de Cabo Verde

Em pouco tempo, Álvaro começou a ver a transformação em seu físico. Ganhou massa muscular e um porte mais atlético. “Quando notei essa mudança, pensei que, se fui capaz de gerar essa transformação no meu físico porque podia atingir qualquer objectivo”, recorda. Nessa altura, o jovem tinha colocado o ginásio como prioridade e a escola em segundo plano. Entendeu que podia também mudar a sua atitude para com os estudos.

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A musculação abriu de tal forma a minha mente que senti que eu poderia alcançar tudo o que quisesse. Assim, passei a ganhar mais confiança e a ajudar outras pessoas de forma individual. Usei a minha experiência com o bullying para ajudar outros que estavam a passar por essa situação”, revela.

Passado algum tempo, Álvaro encontrou os antigos colegas da escola primária, já pessoas adultas. Por esta altura tinha superado a crise e nem lhe passou pela cabeça tocar-lhes no assunto. “Certamente iriam dizer que não se lembravam de nada ou então que isso era apenas cabeça de criança, para não ligar. Mas quem sente isso na pele nunca esquece”, comenta. E, como a vida dá voltas, hoje alguns deles, diz, pedem-lhe dicas para o treino.

A primeira competição

O atleta competiu pela primeira vez no concurso regional de S. Vicente de fitness, em 2019. Ficou em terceiro lugar, mas esse momento foi uma experiência que o marcou. Sentiu o que era estar no palco e aprendeu nesse dia o quanto é difícil controlar o corpo e a mente para poder manter uma “simples” pose.

“O nosso corpo é que nos diz quando estamos preparados para uma competição. A musculação, para mim, é a mente e o corpo sintonizados numa mesma frequência. As pessoas devem entender que não se trata apenas de levantar ferro”, frisa o competidor. Segundo Álvaro, chega o momento em que a tua mente te desafia e o corpo responde.

O jovem “saltou” do terceiro lugar numa prova local para primeiro a nível nacional, logo no seu segundo teste. Esse sucesso, no entanto, não foi resultado do acaso. Passou estes últimos três anos à espera de uma nova oportunidade. Já em 2021 quis disputar a Taça de Cabo Verde na cidade da Praia. Desistiu por falta de patrocínio. Continuou mesmo assim focado nesse objectivo. Até que ficou a saber que a terceira edição seria realizada em “casa”. Era tudo o que ele queria ouvir. “Pequei logo nos treinos com mais empenho. Mudei a dieta e passei a contar com a orientação de Iguer, atleta internacional, e o incentivo de outras pessoas, como a Rilda, campeã de Cabo Verde”, conta.

O seu foco foi trabalhar os pontos-chave da sua categoria, que, diz, pede um físico em formato “V”: dorsal e ombros largos e cintura fina. Passou a treinar de segunda a sábado e a ensaiar as poses e o controlo da respiração no domingo.

Vencedor da Taça de Cabo Verde

Álvaro estava focado no título, mas sabia que iria defrontar uma forte concorrência. Ganhou ainda mais essa consciência no dia da competição, quando encontrou todos os adversários nos bastidores. Nada, no entanto, que afectou a sua determinação e confiança. Tinha trabalhado os seus pontos fortes e atingido uma profunda definição muscular e mestria nas poses. E estava disposto a usar esses trunfos.

Logo na primeira passagem, o jovem sentiu o apoio do público. Essa energia deu-lhe mais confiança e abrandou o seu nível de ansiedade. De regresso ao palco na segunda apresentação, já sabia como derrubar a concorrência. E venceu.

Ao ser declarado campeão de Cabo Verde, não pôde conter as lágrimas. Nesse instante viu passar-lhe pela mente todos os momentos bons e difíceis que enfrentou para atingir esse objectivo. “Vi toda a minha trajectória, as dificuldades que ultrapassei e todas as pessoas que acreditaram e apostaram em mim. Fundamentalmente a minha mãe, que foi espectacular”, especifica. Lembrou-se também dos episódios vividos na escola primária e que lhe serviram de motivação para atingir hoje esse patamar.

Segundo Álvaro Andrade, sempre quis ver a sua mãe no palco consigo se fosse campeão de Cabo Verde. E esse sonho foi realizado na Academia Jotamont. Porém, tudo isso esteve prestes a ir por água a baixo. É que, muito pouca gente sabe, mas o atleta havia decidido que, se a sua mãe não conseguisse um bilhete, ele não iria competir.

O fisiculturista disputou toda a prova sem saber ao certo se a sua mãe estava na assistência. Tentou descobrir onde ela estava, mas foi impossível. “Quando estamos focados no palco quase que não distinguimos os rostos na plateia”, explica. Só nos instantes finais é que Álvaro descortinou a presença de quem mais queria ver. “Foi uma enorme sensação de alegria”, confessa. Tal como sonhou, a mãe foi partilhar com ele esse prémio. Afinal das contas, ela foi uma peça fundamental nesse sucesso.

O atleta entrega o troféu à mãe como reconhecimento pela ajuda incondicional

Título africano, o próximo desafio

Conquistado o título nacional, Álvaro Andrade agora vai representar Cabo Verde no campeonato africano. A prova acontece de 13 a 15 de outubro na Argélia, pelo que lhe resta pouco tempo de preparo para a sua estreia a nível internacional.

O atleta já tem garantido o apoio da Federação Cabo-verdiana de Culturismo e Halterofilismos para o visto e o bilhete de passagem. Agora cabe-lhe conseguir os apoios necessários para fazer a sua preparação física. “Preciso do apoio do pessoal que acredita em mim o mais rápido possível porque tenho pouco tempo”, apela o jovem, especificando que o apoio pode ser em ajuda alimentar, suplementos e financeiro.

Álvaro Andrade vai competir na categoria Men’s Phisyque e promete usar todos os seus trunfos para conquistar o título. Este é o novo objectivo desse jovem, que, confessa, gostaria de ser um fisiculturista profissional.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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