“Sonhos Herdados”: Aposta dos grupos oficiais nas crianças garante futuro do Carnaval do Mindelo
A aposta nas crianças como futuro do Carnaval do Mindelo é um projeto das famílias e dos grupos que acreditam nos sonhos e no talento dessa nova geração dos filões e que começa a dar frutos. Sonhos ou amores hereditários que comandam a direção desses meninos e meninas, que são enquadrados nos desfiles, fazendo com que se dêem nas vistas desde tenra idade.
É o caso de Sténio Gomes, jovem de 16 anos, que começou a tocar o instrumento Repinique aos 8 anos. Proveniente de uma família de maestros e construtores de instrumentos de batucada, Sténio encontrou no pai e nos tios uma tradição que tomou para si e que o faz hoje querer evoluir e chegar “mais além” – ser maestro do Mindel Samba. “Meu pai foi quem começou a levar-me para os ensaios. Sinto-me no meu mundo a tocar repinique, mas já sou capaz de comandar uma bateria”, assegura o adolescente, que costuma influenciar e atrair amigos a seguirem o rumo na batucada.
Este ano faz parte da direção do grupo de batucada Mindel Samba e o tio Maiuca garante que, se o jovem continuar no mesmo ritmo, no próximo ano poderá comandar a bateria do Mindel Samba na “avenida”. Apesar de Maiuca se encontrar no sentido inverso, de deixar o posto de maestro do MS, ajuda a suportar este sonho do sobrinho. “Esta função não compensa monetariamente e nem temos o reconhecimento que nos é devido. No entanto, neste momento Sténio é guiado apenas pelo amor ao Carnaval, por isso todos o apoiamos”, frisa este maestro, que também é construtor de instrumentos de batucada e um dos mentores da escola Mindel Samba. Por este motivo defende que há a necessidade das autoridades apostarem nestes adolescentes e na batucada.
Lucas – um potencial “mestre-sala” em crescimento
Noutras áreas do Carnaval é possível encontrar crianças que atraem para si a atenção dos holofotes. Lucas, um jovem de apenas 12 anos, é uma destas crianças com potencial à vista e que pela primeira vez, por causa da idade, pode sair como figura de destaque num grupo oficial. “O Vindos do Oriente há muito tempo que reconheceu o talento do Lucas e este ano assume todas as despesas do seu traje”, comemora a mãe, Ariel Duarte. Aliás, ela é uma das influências que fez Lucas descobrir no Carnaval “uma paixão arrebatadora”.
“Minha mãe organiza o desfile do grupo de animação da Ribeirinha e Lucas, com cinco anos, começou a desfilar. Já foi mestre-sala neste grupo e foi no Carnaval de Verão que se desabrochou ainda mais, depois de o ter levado comigo aos workshops com os brasileiros”, explica a jovem.
No início, nem todos na família, como afirma Ariel, apoiavam este talento da criança. Com o tempo o tempo conseguiu convencer a todos com provas da sua competência. Alem dos apoios em casa, o jovem conquistou a internet, fazendo com que as publicações sobre o seu performance não passassem despercebidas aos olhos dos internautas.
O projecto profissional de Lucas é ser advogado, entretanto divide com a mãe o sonho de aos 18 anos poderem desfilar juntos no VO, ele de Mestre-sala, ela de Porta-bandeira. A mãe Ariel acredita que a criança tem todas as condições para se sair vitorioso. “Eu quero estar com ele quando ele for desfilar pela primeira vez oficialmente como Mestre-sala. Sei que ele será um potencial candidato ao prémio!”, exclama a jovem.
Outra mãe que vive o sonho das filhas, Bruna e Elen, é Rosy Lopes. Esta sem saber onde aprenderam a sambar, inscreveu as filhas de 12 e 14 anos de idade no concurso de Rainha de Bateria mirim do grupo Cruzeiros do Norte, em 2019. Ultrapassando as barreiras da censura daqueles que acreditam que o samba exalta sobremaneira a sensualidade feminina, estas adolescentes conseguiram alcançar dois dos oito lugares no desfile do ano passado neste grupo oficial. “Toda gente aplaudiu as minhas filhas no desfile e, por onde passava, diziam-me que elas dançam muito bem”, relembra Rosy.
Outras duas crianças ainda se destacam no grupo Cruzeiros do Norte e prometem contribuir para o show que os Campeões em título vão apresentar este ano. São Dálida e Jason, respectivamente Porta-bandeira e Mestre-sala mirim do Cruzeiros do Norte. Desde a semana passada que essa dupla começou a afinar a coreografia, sob a orientação de Valdir “Kavera” Gomes, vencedor do prémio Mestre-sala 2019. Ambos adoram o Carnaval, mas deram um salto qualitativo graças nos workshops ministrados por dançarinos brasileiros no Carnaval de Verão. “Esta é a terceira vez que saio como figura de destaque no Cruzeiros do Norte. Aprendi muita coisa com as brasileiras e sinto-me bem preparada”, comenta Dálida Lima, 11 anos, Porta-bandeira mirim.
Como parceiro terá o amiguinho Jason José, também de 11 anos, que, apesar da idade, já tem uma “longa” relação com o Carnaval. Esta será a sua estreia como Mestre-sala, mas está confiante porque, diz, faz uma bela dupla com a sua parceira.
O grupo Samba Tropical, que, pelo horário que sai todos os anos, não costuma trazer crianças no seu desfile, surpreendeu no ano passado com oito “princesinhas” e o mesmo número de rapazes, para ajudar a contar a história do enredo “Blimundo”. No entanto, o futuro do Samba, de acordo com David “Daia” Leite, tem de ser assegurado. Apesar de o grupo não permitir a inscrição de crianças, uma das surpresas do Samba este ano reside exactamente neste quesito – o futuro do chamado grupo de segunda-feira à noite.
Uma das regras do carnaval do Mindelo é que as figuras de destaque devam ter no mínimo 12 anos de idade. Isso, no entanto, não impede os grémios de prepararem os mais novos para assumirem as rédeas dos desfiles no futuro. Desta forma podem transformar a “brincadeira” em tradição e colorir o sonho de muitas crianças.
Sidneia Newton (Estagiária)