Produtor moçambicano desafia os profissionais a se organizarem para aceder aos fundos disponíveis para cinema e audiovisual
O produtor e consultor Pedro Pimenta desafiou os profissionais nacionais de cinema e audiovisual a se organizarem para poderem aceder aos fundos internacionais e deixarem de depender da boa vontade dos doadores, de pequenos gestos do Governo ou ainda de “muita dor e paixão”. Segundo este moçambicano, que se encontra no Mindelo no quadro do Festival Oiá, é preciso repensar este modelo e encontrar novas formas de financiamento para o cinema que se faz em Cabo Verde.
Pedro Pimenta participou em duas actividades em São Vicente, um com encontro profissionais de cinema e audiovisual na Galeria Zero Point Art e outro com estudantes na Faculdade de Educação e Desporto (FaED). “Com os profissionais da área estabelecemos um dialogo a volta de assuntos importantes para o sector. Mostraram-me três produções de Cabo Verde, três curtas-metragens para poder aferir em que estágios estão as coisas e as perspectivas que existem. Foi uma dinâmica muito interessante e útil. Com os estudantes, tive uma troca muito interessante em relação a esta industria, o seu potencial no mundo, como influencia a nossa vida, as nossas posturas culturais e outras”, explicou.
Foram, diz este produtor, discussões com uma agenda aberta e muito enriquecedora em que se falou do cinema nos Estados Unidos, India, Nigéria e Cabo Verde. “Foi uma oportunidade que o Oiá me deu de conhecer mais a actividade do cinema e audiovisual aqui no país e de pensar com estes meus colegas sobre as tendências. E destaco duas: a primeira uma maior visibilidade de Cabo Verde na cena africana nos últimos 3/4 anos, com novos projectos, ideias e personagens e uma presença do cinema internacional que quer filmar em Cabo Verde. É uma janela de oportunidade, que tem de ser aproveitada. Já vimos este fenómeno acontecer em outras paragens, em Marrocos, Quénia, Zimbabue, Africa do Sul, Namíbia e Maurícias. Depois encontram outras oportunidades e desaparecem, ou pela beleza, que parece ser o caso de Cabo Verde, ou dos incentivos fiscais, que é o caso das Maurícias.”
Falta de informações
De acordo com Pedro Pimenta, enquanto consultor de projectos audiovisuais, foi convidado pela Unesco para fazer parte de uma equipa, cuja missão era fazer um levantamento da situação do cinema em África e saltou logo a vista em todo o continente, em alguns casos piores do que outros, a ausência de dados escritos sobre esta actividade. “A informação que existe ainda é empírica, depende de com quem você fala. Recomendei que se fizesse este trabalho aqui em Cabo Verde porque é importante para a nossa argumentação. Temos de conhecer qual é a contribuição que o cinema dá para a economia para podermos criar um pensamento. É responsabilidade dos profissionais do sector.”
A nível do continente, informa, a Unesco considera que a industria do cinema e do audiovisual representa um volume de negócio de 20 milhões de dólares e, se as medidas necessárias forem adoptadas, pode chegar a 50 milhões. “Em Cabo Verde não se sabe qual é o impacto do cinema. Quantos empregos directos e indirectos consegue criar, o seu impacto na hotelaria, restauração e transportes, no pequeno trabalho que é dado a alguém durante um ou dois meses em que se grava um filme aqui, etc. Não podemos ficar a espera que sejam o Governo ou as instituições internacionais que apoiam o cinema façam este trabalho. Somos nós, é a organização da nossa profissão. Espero que isso acontece porque vai permitir atingir um outro patamar do cinema e do audiovisual no país”, enfatiza.
Já em termos de produção, mostra-se satisfeito com a constatação de uma maior diversificação e o surgimento de novas ideias. Critica no entanto o modelo de financiamento que, afirma, não mudou em décadas. “Os filmes em Cabo Verde ainda são feitos na base da boa-vontade de algum doador, de pequenos gestos do governo e de muita dor e paixão. É necessário repensar este modelo e encontrar novas formas de financiamento. Felizmente, começo a ver projectos que já têm alguma estruturação do seu modelo de produção com uma visão mais internacional, ou seja, de participar em oportunidades lá fora em fundos, concursos e ateliês. No mapa-mundi do cinema nesta região há caminhos, circuitos, estruturas e sistemas que são inevitáveis se queremos alcançar algumas das nossas ambições”, diz Pimenta, que diz conhecer e acompanhar o cinema cabo-verdiano desde Leão Lopes.
Este garante que os recursos para fazer cinema e audiovisual existem, mas os cabo-verdianos ainda não os foram lá buscar. Precisam, a priori, organizar, estruturar, apresentar e argumentar para conseguirem. “É possível fazer coisas interessantes para o desenvolvimento do cinema e audiovisual em Cabo Verde se conseguirem aceder a estes recursos, se conseguirem relacionar isto com este momento de procura internacional para filmar nas ilhas. Têm de encontrar esta ponte e de aproveitar os recursos que existem para intervir agora”, diz, aproveitando para aconselhar os profissionais do sector a deixar de lado algumas situações, que são de mentalidade e de um sistema muito pesado, citando como exemplo a exibição de filmes na televisão sem informar os produtores e realizadores, e serem mais guerrilheiros nos seus combates e, principalmente, escolherem novas lutas.
Em jeito de remate, Pedro Pimenta mostra-se optimista com o audiovisual em Cabo Verde, realçando que o país tem futuro neste sector porque tem uma população jovem, conectada e muito criativa, que cresceu num ambiente de educação e cultura que marcam a sua identidade. O resto é tecnologia e conseguir fazer com que o mundo reconheça a sonoridade dos conteúdos e a marca Cabo Verde.