Nelly, figura de destaque permanente do Cruzeiros do Norte desde 2008: “Só falta ser rainha de bateria!”

Desde 2008, quando o Cruzeiros do Norte invade as ruas de morada com o esplendor do seu Carnaval, há uma jovem de tez clara que atrai o olhar do público. Isto é natural não só devido a sua beleza, mas principalmente porque Vanessa Tavares incorpora sempre uma figura de destaque: porta-bandeira, rainha, musa, passista… A brincar, ela diz que só lhe falta ser rainha de bateria.
Porém, vestir essa pele ainda está longe, muito longe dos seus propósitos. E, se as coisas continuarem imutáveis, é mais certo que jamais Nelly – como é conhecida – venha a assumir esse protagonismo e missão. O motivo é simples: confessa que não gosta de competir. E, ser rainha de bateria, implica sambar para um título individual, um dos mais prestigiados actualmente no Carnaval d’Mindelo.
“A partir do momento em que és passista ou musa tens as condições básicas para ser rainha de bateria. No entanto, a candidata precisa ter outras características, uma delas gostar de competir. Por outro lado, ela precisa se preparar física e psicologicamente para o concurso. Coisas que, confesso, não quero”, explica Nelly. Na sua visão, a actual geração de rainhas de bateria assumiu de corpo e alma esse cargo e colocaram as apostas no topo. “Elas vestem esse projecto e são bastante seguidas pelos foliões desde os ensaios.”

Estreia como Rainha do Cruzeiros do Norte
Como quase todos os casos de paixão aguda pelo Carnaval, a relação de Nelly com a festa do Rei Momo começou a aflorar na infância. Enquanto aluna do ensino primário na escola de Fonte d’Inês, zona onde nasceu, costumava participar nos desfiles. Era aquela época em que as fantasias eram feitas de papel e o percurso era da escola até ao posto policial, ida e volta.
Entretanto, após terminar a sexta classe parou de sair. Até que foi resgatada por Jailson Juff, o emblemático presidente do Cruzeiros do Norte, que resolveu colocar o grupo de novo no asfalto. Decorria o ano de 2008 e Nelly teve uma estreia memorável enquanto rainha do grémio ao conquistar o prémio de Primeira-dama. “Posso dizer que a minha paixão pela festa eclodiu definitivamente nesse desfile”, assume a jovem.

Logo no ano seguinte, o grupo resolveu entregar-lhe o standard. Era a sua estreia como porta-bandeira, mais um degrau na sua trajetória como figura de destaque permanente do Cruzeiros do Norte. “Hoje, quando vejo as fotografias dessa época fico a exclamar: ‘como era possível!!! Só o pau da minha bandeira tinha dois metros”, comenta. “Era um carnaval diferente, mas muito divertido.”
O Carnaval d’Mindeló evoluiu em todos os quadrantes. E os trajes seguiram essa tendência positiva. Este é um dos itens que marca a presença de Nelly nos desfiles. Enquanto figura de destaque aparece sempre com uma fantasia esplendorosa, desenhada para brilhar no seu corpo. Nos últimos tempos, diz, tem optado por produzir os seus figurinos na Europa. Atribui essa missão quase sempre a um estilista amigo. Basta enviar-lhe o modelo e as medidas e pronto, assunto encerrado. “Ele cumpre sempre. Faz a roupa, embala e envia para a Holanda ou directamente para Cabo Verde. E eu não tenho que me preocupar com nada”, revela. No ano passado, no entanto, Nelly entregou essa missão a uma costureira brasileira. E tudo correu na normalidade.
Aplicar mais de 200 contos numa fantasia

Questionada sobre o preço das indumentárias, Nelly não fugiu. “Eu é que compro os meus trajes, por isso não tenho nada a esconder”, realça a jovem, que usa como exemplo o valor pago pelo traje do desfile deste ano. Só a roupa custou a módica quantia de 2.000 euros, em torno de 220 contos. Com o porte de envio e outras pequenas despesas, como despacho na Holanda, a conta final saltou para quase 300 contos.
“Quando escolho a minha fantasia e peço o orçamento tenho logo a ideia do custo. Aceito porque tenho a noção do trabalho associado ao fabrico de uma indumentária do Carnaval. Além do custo dos materiais há que saber reconhecer a exigência de um trabalho minucioso, difícil e cansativo. Cada pedra é pregada individualmente à mão”, ilustra. Esta musa reconhece ser um valor alto ainda mais tendo em conta a realidade socioeconómica da ilha de S. Vicente e o facto de as roupas serem usadas basicamente num único dia.
No entanto, no seu caso, assim como de outras figuras de destaque, o traje pode tornar-se num investimento seguro. Isto porque as rainhas de bateria, passistas e musas, por exemplo, são muitas vezes convidadas para participação em shows particulares, festivais e até para videoclipes de artistas famosos.

No caso de Nelly, o investimento tem retorno graças a sua presença em eventos organizados nos Países Baixos (Holanda). Como explica, é requisitada muitas vezes como atração em festas de aniversário e casamento, além do desfile do Carnaval de Verão. “Para um show de apenas 10 a 15 minutos podem pagar entre 100 a 150 euros e há casos que sobe para 200 euros, à volta de 20 contos”, exemplifica.
Sambar durante anos consecutivos e com trajes bastante emplumados traz em si o problema da conservação. No caso de Nelly, que não vende as ruas roupas, as indumentárias são feitas por peças, que podem ser embaladas e guardadas sem ocuparem muito espaço.
Vestir a pele de personagens na Rua de Lisboa
Para Nelly, o Carnaval é um momento onde a emoção projeta a sua energia genuína e contagiante. E o ponto máximo é quando entra na avenida da Rua de Lisboa envolta pelo rufar da batucada. “Quando visto a minha fantasia sofro uma transformação inexplicável. Na verdade, assumo de corpo e alma o personagem que estou representando. Sim, as pessoas se esquecem que o Carnava é um espectáculo encenado mediante um enredo escolhido pelos grupos”, lembra. Acrescenta que no dia do desfile revela outra personalidade diferente daquela que as pessoas costumam ver nos ensaios de quadra.
O Carnaval, segundo a jovem, não é só vestir uma roupa bonita e fazer uma linda maquiagem. “É preciso encarnar personagens com base na história a ser contada no desfile.” Desde que passou a entender isto, diz, as suas performances tornaram-se mais intensas e com mais naturalidade.
Tal como outras colegas, Nelly sambava à sua maneira, mas com uma desenvoltura limitada. No entanto, após participar nos workshops de samba com passistas brasileiras, no quadro do projecto Carnaval de Verão, ganhou outra desenvoltura e segurança. “Reproduzíamos o sambar que muitas de nós via na televisão. Nos workshops aprendemos que dançar o samba não é apenas rebolar o quadril e mexer os braços. Aprendemos, por exemplo, que é mais elegante e adequado dar passos para trás, quando nós fazíamos o contrário”, conta a musa do Cruzeiros do Norte. Nelly relembra, entretanto, que sambar não é algo genuinamente cabo-verdiano, mas sim um estilo adquirido.
A jovem assume que hoje se sente mais à vontade com as passadas no sambódromo do Mindelo. Enfatiza, no entanto, que não tem um samba no pé muito forte. “É um samba miudinho, mas que adoro!”
Aplaudir a evolução do Carnaval d’Mindelo

Amante incondicional da festa do Rei Momo, a jovem mostra-se ciente do salto que o Carnaval deu na cidade do Mindelo a todos os níveis. A ponto de se tornar hoje num dos principais cartazes culturais de Cabo Verde, um produto atrativo para agências de viagem de várias paragens. Este salto, diz, trouxe novas exigências aos grupos, que, lamenta, continuam a trabalhar sob enorme pressão. As causas são muitas, diz, a começar pelo financiamento tardio e limitado e a descambar na disponibilidade atempada de estaleiros. Pelo meio ficam instalados outros aspectos, como a falta de materiais para a confeção dos trajes tal como foram idealizados.
Nelly conhece por dentro os dramas vivenciados pelos grupos, em particular o Cruzeiros do Norte, enquanto membro da direção deste grémio. Porém, diz, cada barreira é um desafio que muitas vezes é ultrapassado de forma genial e criativa. “Temos de tirar o chapéu aos fazedores do nosso Carnaval. Só quem está próximo consegue ter a noção da ginástica que fazem para colocar o show na rua”, comenta.
No seu caso, além de desfilar, Nelly ajuda outras figuras de destaque do Cruzeiros do Norte, nomeadamente a rainha de bateria. Mais recentemente passou até a participar na confeção de trajes. Uma aventura que vai ganhando terreno. “Cheguei a assumir uma ala e as coisas correram bem. Como há falta de alguns materiais, faço as compras online para poder trabalhar sem muitos sobressaltos”, conta. Revela ainda que produziu os trajes de uma figura de destaque do Samba Tropical em dois desfiles, que gostou do resultado.

Nelly Tavares diz sentir um enorme orgulho por pertencer ao Cruzeiros do Norte, grupo pelo qual desfila ininterruptamente desde 2008. Sublinha que o grémio consegue dinamizar a zona de Cruz João Évora com actividades culturais e desportivas e ainda com ações de carácter social. Algo ímpar em S. Vicente, nas suas palavras.
Toda esta dinâmica, salienta, tem como motor de arranque o presidente Jailson Juff, um dirigente cheio de ideias e com mais vontade ainda de levá-las à prática. E uma dessas iniciativas acontece hoje à tarde com o desfile Carnaval Reciclado na praia da Lajinha. Uma apresentação cujos trajes são confecionados por materiais recolhidos em campanhas de limpeza das praias de S. Vicente, um show que concilia a limpeza do litoral com aquilo que o Cruzeiros melhor sabe fazer: Carnaval.