Pub.
Pub.
CulturaEscolha do Editor

Fantcha, como nunca se viu, destaca personalidade, caráter e humildade como chave do sucesso

A cantora cabo-verdiana Fantcha, que reside em Nova Iorque (EUA), chama a atenção das jovens artistas para três atributos que fazem um artista e que, sem eles, dificilmente se consegue chegar ao sucesso: personalidade, o caracter e a humildade. Em entrevista ao Mindelinsite, a artista garantiu que estas características fizeram de Cize aquilo que foi na música de Cabo Verde. E ela jamais poderá ser substituída. Falou também da infância vivida com muitos sacrifícios e das brincadeiras de criança pelas ruas da Chã de Alecrim. Disse que o seu sonho é a cantar para as pessoas que a viram crescer na zona norte da ilha de S. Vicente. Em relação a crise pandémica da Covid-19, Fantcha defendeu que deve ser vista com “preocupação e prevenção”

João A. do Rosário –

Publicidade

A cantora cabo-verdiana Fantcha, 55 anos, considera inaceitável o facto de, sempre que surgir uma nova voz em Cabo Verde, esta ser comparada a Cesária Évora. Segundo esta artista, já é chegada a hora de parar de estabelecer paralelos visto que a diva é insubstituível. “Haverá sim seguidoras. Mas, igual a ela, jamais”, frisou a artista, assumida admiradora da “diva dos pés descalços”, que acredita que ela pode servir de inspiração para muitas jovens cantoras que continuam a surgir no cenário da música tradicional de Cabo Verde e com lindíssimas vozes.

Neste retrato de vida, um de muitos feitos ao longo da carreira, a cantora resolveu aprofundar a cerca da sua infância de dificuldades. Mas, conforme fez questão de realçar, vivida cheia de felicidade. Hoje Fantcha alega que é importante saber-se estar na vida, perante a pessoas e os fãs, e isto é possível, segundo ela, com personalidade, caracter e humildade que em toda a sua vida só viu na Cesária Évora.

Publicidade

Reconhece enorme talento na nova leva de cantoras que denomina “nha menininhas”, caso de Ceuzany, Jennifer Soledad, Ely Paris, entre outras que, sim, poderão seguir o exemplo de Cesária. “Nunca mais vai ter outra Cesária. Temos é que fazer tudo para nunca deixá-la cair no esquecimento por tudo o que fez e onde colocou a nossa música tradicional, a morna e a coladeira”, diz, apelando aos jovens para se agarrarem aquilo que ela fez e dar assim continuidade a obra.

Infância difícil, mas feliz

De fácil diálogo, extrovertida e com grande sentido de humor que sempre a caracterizou, Fantcha conta que, na infância, era chamada de Fancha por familiares e amigos. Lembra que a vida não foi fácil. Filha de mãe solteira e com mais dois irmãos revela que desde a tenra idade percebeu que tinha que trabalhar para ajudar nas lides da casa. 

Publicidade

Carregou água para consumo doméstico à sentina municipal e à antiga JAIDA, que transportava em recipientes de latas ou de plásticos. Uma atividade doméstica difícil, mas que não podia deixar de ser feita, conforme explicou. Orgulha-se de ter saído à rua para vender peixes e mariscos em casa das pessoas. Peixes que o irmão, falecido em circunstância dramática, trazia das fainas pesqueiras que se lançou também desde cedo para poder ajudar no sustento da família. Recorda  ainda de vender pastéis pelas ruas da Zona de Chã de Alecrim, onde viveu a vida toda e de onde guarda belas recordações e amizades. 

Esta artista mindelense, hoje consagrada no panorama musical local, cabo-verdiano e principalmente internacional, lembra com nostalgia reflectida no rosto as brincadeiras de infância que caíram em desuso devido as novas tecnologias: senhor barqueiro, anel, castigadinha, trouxes as cartas em que, de acordo com ela, davam beijinhos no rapazinho que mais gostava..(risos), salto nas arvores, enfim. 

Fantcha confessa que a zona onde cresceu está muito diferente. Devido ao desenvolvimento as crianças já não brincam como no seu tempo de menina e moça. “Fico contente com a evolução. Faz parte e o progresso também mas, na nossa idade, não havia estas coisas de tecnologias. E não nos fizeram falta porque éramos mesmo muito felizes e livres”, frisa Fantcha, que confessa que cresceu como uma criança rebelde e, por causa disso, poucos adultos gostavam dela. “Tinha um mau feitio, que as vezes gostava de mostrar”, fala

Mas garante que, devido às dificuldades da vida, teve que criar o seu próprio escudo para defender-se, o que fez dela a mulher guerreira, extrovertida, livre, independente e sorridente que é hoje, porque nunca deixou morrer a criança que ainda existe dentro dela. 

Despertar do Talento

A descoberta do seu talento, atribui ao facto de ter como referência no início da sua carreira grandes nome como Ti Goy, Cesária Evorá e Chico Serra acompanhado do seu Piano Bar. “Sim, ali foi, digamos, uma forma mesmo séria e é sobejamente conhecida de todos” disse. 

Admite que existe uma história que vem por detrás, embora nunca pensou que seria a artista que hoje é. Conta que a sua paixão pela música começou a despontar cedo, dentro de casa. Os irmãos tocavam cavaquinho e violão, e a mãe, D. Fatinha já falecida, era dona de uma espetacular voz. “Havia os senhores da zona que iam até a nossa casa beber o copinho de aguardente que a minha mãe vendia e acabavam por formar uma orquestra de bons tocadores. Das tocatinas saiam grandes mornas e as coladeiras. Minha mãe cantava muito bem e as vezes eu atrevia a acompanhá-la”, indicou

Com o surgimento, depois da independência de Cabo Verde, do conjunto musical “Progresso”, na Zona de Chã de Alecrim, quase todos os dias e, principalmente, nos finais de semana havia os saraus musicais. Fantcha conta que as vezes era convidada interpretar uma canção, junto com a cantora Lutchinha, que era muito mais solicitada. 

Desta pequena banda de bairro, surgiram nomes como Jorge Humberto Neves, Nhela Santos e Adriano Santos. Havia ainda o Bick Moreira, Amâncio, Maruca Rendall, Adolfo, Pirila, de entre tanto outros. “A nossa zona produziu grandes artistas”, constata Fantcha, que se mostrou aberta a, um dia, poder participar numa espécie de festival de artistas de Chã de Alecrim, inclusive porque alguns dos nomes locais já figuram no panorama da música cabo-verdiana. 

Seria a concretização de um sonho cantar para os senhores e senhoras da Zona que a viram crescer, mas nunca puderam assistir uma actuação sua. “Se alguém pegar esta ideia e transformar num evento, seria uma enorme satisfação fazer parte do elenco de artistas.”

Para além dos saraus, Fantcha testou a potencia das suas cordas vocais no Carnaval de São Vicente. Conta que participou dos ensaios do grupo “Flores do Mindelo”, onde encontrou o incontornável “Ti Goi”. Este terá dito a jovem cantora que ela fazia lembrar a Cesária Évora, quando a diva tinha a sua idade. Nascia uma amizade para a vida. 

Esta lembra ainda a sua passagem pelo conjunto Grito de Mindelo onde voltou a encontrar músicos como o Bau, Nhone Lima, Nhela e Adriano Santos, Pirila, o conceituado baterista Tel e o baixista Nando Lopes. O trio de vocalistas deste agrupamento musical era composto por Fantcha, Nataniel Simas e Djuna, que sucederam o cantor Dudu Araújo.

Momentos Agridoce

Afirma que os momentos mais felizes e inocentes da sua vida foram vividos com a família, quando estava em Cabo Verde. E, depois, quando voltava para casa para beijar e abraçar os filhos, a mãe e os irmãos. Em termos artísticos, garante que a sua carreira musical só alavancou quando foi convidada por Adriano Gonçalves (Bana), já falecido, para gravar o primeiro trabalho discográfico.“O meu primeiro disco, intitulado de Boa Viagem, constitui a minha identidade musical. A sua gravação foi o momento de maior felicidade  para a minha carreira artística e que mais me marcou”, disse

Admite no entanto que o momento foi um pouco agridoce porque obrigou-a a deixar para trás os filhos e a família e a abraçar uma carreira. Esta lembrança ainda emociona a cantora. Segundo Fantcha não foi um, mas sim vários momentos: em seis meses perdeu a mãe, o irmão Gay, que foi um exímio mergulhador de São Vicente. “Não lhes consegui dar sequer um abraço. Também não posso esquecer a morte daquela que foi a minha segunda mãe, Cesária Évora”, lamenta.

Quanto ao futuro, a cantora diz ter na forja um projeto para editar um single. Já está a trabalhar na sua concretização e será um dueto com Tito Paris. Em relação aos concertos, revela que teve que adiar a sua programação deste ano por causa da pandemia da Covid-19, tanto em Cabo Verde, como nos Estados Unidos e na Europa. Mantém no entanto a esperança de poder repor todos os espectáculos em 2021.

Cantar Funana

Com uma carreira sólida e sobejamente conhecida, a cantora admite que o momento é propício para arriscar e fazer coisas novas. Este salto vai ser cantar um funaná, um género musical tradicional de Cabo Verde que, no dizer de Fantcha, exige uma outra alma, diferente daquela que mostra aos interpretar uma morna e coladeira.

Orgulha-se de já ter feito muitas “coisas boas”, ao longo da sua carreira, para a cultura e a música tradicional e prometo continuar a ser a cantora e mulher cabo-verdiana que sempre foi e é. “Vou continuar a contribuir para enriquecer a cultura do meu país, mas já não como antes” sublinhou Fantcha, que criticando a industria musical que, afirma mudou muito.

Destaca o álbum “Criolinha”, lançado em 1999 na Plataforma Internacional nos EUA. Uma das músicas, “Sol Tá Cambá”, constitui o “Jingle” de abertura da série televisiva, The L Word passada na TV nas terras do “Tio Sam”, mas pouca gente aqui em Cabo Verde conhece o álbum, o que a entristece. Ao longo da sua carreira, também actuou em concertos em Hollywood com artistas famosos como Gilberto Gil, Waldemar Bastos e Ana Carolina. Passou por palcos no Canada, México, por todo os Estados Unidos e Europa. 

Para além de cantar, Fantcha tem feito algumas incursões na composição com temas dedicados a Cesária Évora, que considera sua mentora, e ao irmão e a mãe. Cita, a titulo de exemplo, a letra do “Nós Caminhada” e “Amor, Mar e Música”. Paulatinamente está conhecida no mercado norte-americano,  feito que a levou a festivais prestigiados como o Hollywood Bowl, o Chicago World Music Festival e o Summerstage, em Nova Iorque.

De nome completo Francelina Durão Almeida, a cantora tem na sua discografia cinco álbuns: Boa viagem (1988), Criolinha (1999), Viva Mindelo (2001), Amor, Mar e Música (2010) e Nós caminhada (2017).

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

2 Comentários

  1. É verdade Fantcha, uma das principais características em falta aos nossos artistas é a humildade. Infelizmente a vaidade sobrepõe e isso é um grande entrave ao desenvolvimento, ao sucesso.

  2. Grande entrevista/reportagem, parabéns ao jornalista e a entrevistada.
    Sucessos Fatcha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo