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Multidão solta o “bicho do Carnaval” em protesto sociocultural no centro da cidade do Mindelo

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Os mindelenses soltaram o “bicho do Carnaval” num protesto festivo realizado esta noite em pleno coração da cidade do Mindelo. A presença massiva de “foliões”, que fizeram o percurso normal dos desfiles ao ritmo da batucada de Mindel Samba e das músicas mais badaladas do Carnaval d’Soncent, deixou o organizador João “Boss” Brito “feliz, honrado e orgulhoso”.

“Esta é mais uma prova do quanto os mindelenses sentem o Carnaval, por isso tinham de vir manifestar o seu descontentamento pela forma discriminatória como as autoridades têm tratado S. Vicente no tocante às regras de restrição da Covid”, frisa Boss, para quem as pessoas devem ter a mesma atitude quando alguma organização cívica convoca uma manifestação. “Devem analisar a importância social do assunto, tirar fora o partidarismo e decidir se devem ou não apoiar”, realça esse artista plástico.

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Uma das dúvidas que pairou até a última hora era se as autoridades iriam permitir esse protesto pela quantidade de pessoas mobilizadas e por acontecer quando ainda a situação de contingência está em vigor. Ainda durante a concentração na praceta Don Luiz um carro-patrulha da PN passou pelo local e para os presentes foi um sinal de que a polícia estava de prevenção. O facto é que o “desfile” aconteceu sem incidentes e sem a presença de um corpo policial.

Para João Brito, essa ausência representa, no entanto, uma “grande irresponsabilidade” do Comando da PN da ilha de S. Vicente. “Digo isto porque informamos a PN deste protesto e é obrigação da Polícia proteger a população. No entanto, como era de esperar, as pessoas fizeram um protesto em forma de festa, dentro de respeito”, considera Boss, que “dedica” essa manifestação à Delegacia de Saúde, à Câmara de S. Vicente e à PN, as três instituições que, a seu ver, apertaram o cerco a um evento cultural demasiado importante para a cultura e a economia local e nacional.

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“Para mim, impedir uma população de expressar a sua cultura é crime”, afirma esse carnavalesco do grupo Monte Sossego. Na sua opinião S. Vicente tem vindo a sofrer represálias sob o manto da Covid, quando noutras paragens as autoridades andam a “fechar os olhos”. Algo que ele considera inaceitável.

Reagir a um “colete de força”

Após meia hora de “aquecimento” na praceta Don Luiz, os “foliões” entraram na Rua de Lisboa ao ritmo da batucada num clima típico dos assaltos do Carnaval. Tocado por esse ambiente, Rocca Vera-Cruz elogiou João Brito pela iniciativa, que classificou de corajosa. “O povo de S. Vicente tinha de mostrar o seu descontentamento e espero que a mensagem tenha passado”, exprimiu para o microfone do Mindelinsite.

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A presença de tanta gente foi, na opinião de António “Patcha” Duarte uma reação provocada pela forma desmedida e desnecessária como as autoridades da ilha de S. Vicente aplicaram as restrições. “Esta é uma reação à imposição de um colete de força. Era sabido que o Carnaval foi cancelado, agora não era preciso vir inibir as pessoas de festejarem este evento que está no sangue dos mindelenses”, considera o presidente do grupo Monte Sossego. Segundo Patcha, basta alguém gritar “Carnaval” que as pessoas respondem “presente”. “… porque o Carnaval em S. Vicente é uma coisa natural, e não forçada como acontece noutras partes do nosso país.”

Seguindo a mesma lógica, o carnavalesco Valdir Brito e o emigrante Júlio Brito reforçam que foi tecido um cordão em torno de S. Vicente, enquanto noutras ilhas o controlo das restrições foi mais brando. E, para eles, isso não é justo. “Sempre que é preciso apertar o cerco a S. Vicente, fazem isso com prazer. Tínhamos de dar um basta nisto”, considera o artista plástico. Valdir Brito sublinha que o que está em jogo não é o Carnaval, mas sim uma resposta sociocultural dos mindelenses a uma situação que consideram intolerável.

Já Júlio Brito enfatiza a importância que o Carnaval tem para S. Vicente e para ele em particular. Este emigrante elucida que chega ao ponto de agendar as férias sempre por altura da festa do Rei Momo. E desta vez ficou desapontado com o cancelamento do desfile, embora entenda o motivo.

Amante incondicional do Carnaval, Fatinha do Rosário explica que aderiu à iniciativa porque, tal como outros mindelenses, foi invadida por um sentimento de injustiça. Para ela, é consabido que todas as pessoas devem tomar cautela com o vírus da Covid, mas lembra que a regra deve ser aplicada de igual forma.

“Chegarmos ao ponto de virem dizer que um promotor pode fazer uma actividade no seu espaço, mas sem usar música do Carnaval, convenhamos já é um pouco exagerado. Acontece que as pessoas acham que as medidas passaram a ser severas e pouco coerentes”, explica Fatinha.

Na opinião desta entrevistada, é preciso começar a pensar no futuro do Carnaval, que, lembra, é uma manifestação cultural importante para a própria economia de S. Vicente. E enfatiza que esse futuro passa por se adaptar à presença do vírus da Covid.

“Há dois anos que vivemos fechados, a cumprir regras de restrição. Tudo isso cria uma pressão psicológica que precisa ser libertada. Ninguém quer um novo aumento dos casos de Covid, mas temos de ver outras facetas da vida, como a estabilidade psicológica”, salienta Fatinha do Rosário.

E se aumentar os casos de Covid-19?

O protesto concentrou um número considerável de pessoas, pelo que uma das inquietações é saber se isso vai ou não fazer disparar, de novo, a incidência da Covid-19 em S. Vicente. Para Luís Gomes, está na cara que, se surgirem mais casos, as autoridades vão associar isso à manifestação. “No entanto, durante a campanha eleitoral evitaram relacionar o aumento dos casos com a intervenção dos políticos”, recorda esse membro do movimento cívico Sokols. Este activista enfatiza que o protesto poderia envolver mais gente, mas dá-se por satisfeito com a moldura humana presente, que, diz, conseguiu emanar a energia típica do Carnaval mindelense.

Sobre essa preocupação, o músico Vady Dias lembra que boa parte da população está vacinada e que o número de casos regrediu consideravelmente. Por isso não acredita muito numa nova explosão de infectados por causa do protesto. E tal como outros entrevistados, lembra o comportamento dos políticos durante as campanhas, ainda mais num momento em que a pandemia estava praticamente no auge.

Boss dando instruções antes do início do protesto

Em relação a este aspecto, Boss dá a mesma resposta, pois para ele as autoridades usaram pesos e medidas diferentes a quando da campanha politica e pela festa de S. Silvestre na cidade da Praia. “Se os políticos não foram responsabilizados quando tivemos um aumento de casos em plena campanha porque motivo eu seria agora responsabilizado, quando hoje estamos numa fase bem mais tranquila?!”, diz João Brito, que faz questão de lembrar que pediu as pessoas para usarem máscaras como medida de proteção.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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