Vlú Ferreira: A Naviera Armas só não aplicou a nova tabela porque foi avisada muito tarde
O armador Valdemiro Ferreira afirma em entrevista ao Mindelinsite que a Naviera Armas só não aplicou a nova tabela dos transportes marítimos porque foi informada da mesma em cima do joelho. Vlú enfatiza que as operadoras são obrigadas a cobrar os preços aprovados pelo Governo e que jamais agiu com a intenção de “lixar” a CVI no tocante aos fretes das carrinhas na linha Santo Antão / S. Vicente. Refere, aliás, que a Armas e a CVI são parceiras, pelo que vai fidelizar a sua proposta com a concessionária, antes de a remeter ao M. do Mar. A tabela, diz, apresenta um custo mais brando para os operadores porque tem um cunho social, apesar de não ser obrigado a defender esta vertente. Acrescenta que os preços podem ficar mais baratos se o Governo aceitar diminuir certas taxas e ausentar a cobrança do IVA nalguns serviços.
Mindel Insite – O ministro do Mar anunciou a suspensão da nova tabela e que essa decisão foi na base de consenso com os armadores. Qual a posição da Naviera Armas sobre a nova tabela de preços?
Vlademiro Ferreira – Em primeiro lugar, a suspensão foi uma determinação do governo devido as reclamações dos utentes. Nós não podíamos suspender porque lidamos com a economia, com números, e não podemos adiar a cobrança de proveitos.
MI – Quer dizer que não houve concordância dos armadores?
VF – Não temos de concordar, o Governo foi eleito para decidir. Decide e manda executar. Mas, acabou por privar os armadores de um direito de cobrar o que diz a lei, pelo que deve estar na disposição de nos compensar. O governo pode tomar as medidas, mas é certo que neste momento estamos privados de usufruir de proveitos para cobrirmos as nossas despesas, que não são poucas.
MI – Quando o Governo decidiu pela suspensão provisória dos novos preços, a Naviera também já estava a preparar para apresentar a sua proposta, que foi inclusivamente publicada no Facebook.
VF – A nossa proposta de tarifa está pronta há cerca de oito meses. A tarifa que temos vindo a apresentar tem uma visão também social, embora não compita ao armador pensar na vertente social. Ele deve agir com base em números reais porque um navio não anda por feeling, mas sim com custos suportados. Mesmo assim, lançamos um olhar social na nossa proposta, que é inferior a tabela unitária aplicada pela CVI.
Atenção que não se trata da tarifa. Esta, com base na lei, é de 1.310 escudos por metro cúbico. Ora, a tabela unitária sob proposta da CVI – e que foi aceite pelo Governo – está 63% abaixo da tabela estipulada na lei de 2006 – que esteve em vigor até 2018 – e 73% inferior as tarifas actuais, com base na cubicagem de 2018. Temos de ver as coisas nas suas diversas perspectivas e neste sentido parece que está tudo bem.
MI – Mesmo assim os utentes ficaram chocados com a subida dos valores do frete.
VF – Certo, tendo em conta a economia das ilhas de Santo Antão e S. Vicente, e o poder de compra actual, é normal que haja uma revisão da tarifa para amenizar o impacto, mas não quer dizer que a proposta da CVI seja aquilo que os condutores dizem. Se formos analisar os valores que os condutores cobram versus o que pagam aos navios agora a conversa é outra, e temos de ter essa conversa.
MI – Está a querer dizer que a CVI é vista como a má da fita, mas isso não corresponde à verdade?
VF – Temos de ser realistas; por mais que eu seja contra a concessão, temos de gerir com base em números reais. E eu não estou aqui a defender a CVI.
Proposta “consensual” versus “tarifa surpresa”
MI – Porquê a CVI avançou com a tabela e Armas continuou igual?
VF – Porque ninguém nos disse nada. Vimos propondo uma actualização faz algum tempo, mas ninguém nos deu atenção. E sempre enviamos propostas fundamentadas. Fizemos uma análise à lupa porque estamos cá todos os dias. Além disso viajo no Mar d’Canal, lido com os passageiros todos os dias e sei o que se passa. E por isso fiz uma proposta de tarifa mais ou menos consensual.
MI – Em que aspecto?
VF – As tarifas que a nossa empresa propõe são basicamente aquelas que as pessoas consideram razoáveis. Por exemplo, quando uma pessoa acha aceitável pagar 7.200$00 ida e volta para o seu carro; quando outra considera que é razoável pagar seis contos por esse serviço…; são com base nestes tipos de inputs que elaboramos a nossa proposta. Se vamos estabelecer um preço temos de saber a reação que vai provocar.
MI – Além disso, a nova tarifa surgiu de um dia para outro.
VF – Exacto, este foi um aspecto menos bom. Não se pode aplicar uma tarifa de um dia para outro, quando é um elemento estrutural do mercado. Há muitos elementos a serem negociados e precisamos de tempo. E não devemos funcionar entre quatro paredes quando o assunto terá de vir a público. Primeiro era fidelizar a tabela e isso não foi feito.
MI – Como viu a crítica das pessoas, tendo em conta o impacto social da nova tabela?
VF – Volto atrás para lembrar que não é o armador que vai fazer a política social do Estado. O utente está no direito de reagir e o natural em Cabo Verde neste momento era que as pessoas condenassem essa subida, até porque os salários estão longe do ideal e tem havido aumento dos bens de consumo. Agora, eu, enquanto armador, tenho de colocar o navio a andar e em bom estado.
Tabela mais branda para as carrinhas
MI – A tabela que chegou a publicar no Facebook apresenta custos menores que a aplicada pela CVI?
VF – É um pouco mais baixo porque levamos em conta o poder de compra dos cabo-verdianos e devemos lembrar que a Naviera Armas não recebe nenhum subsídio do Estado. O correcto seria as companhias fazerem as contas dos fretes e, dada a circunstância conjuntural, o Estado poderia subsidiar as companhias armadoras pelos serviços efectivamente prestados.
MI – Neste momento, o foco principal está no frete das carrinhas “juvitas”. Qual o valor que Armas propõe para esta categoria?
VF – Tivemos que refinar a proposta que chegamos a publicar. Deste modo, uma carrinha pagaria 5.100 escudos numa única viagem. Mas esta proposta não espelha os custos reais, tem o seu pendor social. O ideal para nós era que uma carrinha pagasse oito contos por trajecto. Contudo, a nossa proposta será de 5.100 escudos e o governo tem a última palavra. E mais: este valor podia ser menos se o Governo está de facto interessado em ter uma ação social nesta linha.
MI – Como seria possível baixar esse valor?
VF – Por exemplo, o Governo podia dar directivas para a Enapor reduzir a taxa portuária de 700 para 350 escudos por seis meses ou um ano. Se os armadores estão a diminuir a sua margem, quando não têm a obrigação social, porquê o Estado não pode obrigar uma empresa estatal a diminuir a taxa que cobra às carrinhas?! Seria racional e correcto. Se fizesse isso, uma carrinha iria pagar apenas 4.700 escudos por viagem. Se o governo disser que quer ajudar mais e suspender o IVA para as carrinhas, passariam a pagar 4.100 escudos. Repare que o valor que estou a propor representa apenas 16% da tarifa-base, que estabelece 1.310 escudos por metro cúbico e representa 22% da tarifa que deveríamos cobrar desde 2006.
MI – Como fica um carro de passeio, que tem um grande impacto no turismo interno entre S. Vicente e Santo Antão?
VF – Temos de considerar este nicho, por isso um Prado iria pagar apenas 3.700 escudos na primeira actualização, quando paga neste momento 2.700 escudos. Mas, se o governo estiver na disposição de aplicar uma medida social e dizer a Enapor para cobrar só 250 aos carros de passeio, em vez de quinhentos escudos, teríamos um preço ainda mais baixo. Se formos ver, um carro de passeio só passa no cais no embarque e desembarque. Quantos carros passam no porto? São uma “pilha” por ano. Faz sentido o Governo dar indicações para a Enapor passar a cobrar 250 escudos em vez de 500 e iriam pagar 3.450 escudos. Se resolver retirar o IVA por seis meses, por exemplo, pagariam apenas 3.100 por viagem.
MI – Já discutiu estas ideias com o Govenro?
Ainda não.
“Naviera e CVI são parceiras e têm de estar sintonizadas”
MI – Nota-se que, devido a tabela aplicada pela CVI, os condutores optaram por viajar só no Mar d’Canal e obrigar Chiquinho a andar praticamente vazio. A vossa companhia não está a tentar aproveitar esta situação para fidelizar clientes?
VF – Longe disso. Vou ser claro: gosto de honestidade e sinceridade. A Naviera Armas e a CVI são empresas parceiras nesta linha. Ambas somos importantes para assegurar esta ligação. Devemos lembrar que um navio pode avariar a qualquer instante, convém ter dois navios. Vejo a CVI como parceira e temos de estar sintonizadas.
MI – Mas não deixam de ser concorrentes.
VF – A nossa concorrência deve ser na base da qualidade do serviço e não de preços. Não quero cobrar menos 500 escudos só para ganhar um passageiro. Aquilo que aconteceu no Porto Novo não foi porque quisemos “lixar” a CVI – nunca faríamos isso.
MI – O que se passou, pois a verdade é que a CVI viajou vazia porque os condutores optaram pelo Mar d’Canal.
VF – O que aconteceu é que não tivemos tempo porque nos enviaram a tabela no dia 19 para aplicarmos no dia 20.
MI – Está a dizer que a tabela foi apresentada e discutida apenas pela CVI?
VF – A CVI levou a tabela para o Ministério do Mar, que nos chamou de urgência para ouvir a nossa opinião.
Assumir a mesma tabela
MI – E teriam que assumir essa tabela?
VF – Sim, teríamos de a assumir e devíamos ter feito isso. Não fizemos isso porque entregaram-nos a tabela muito tarde. Naviera Armas e a CVI não podem aplicar tabelas diferentes, apenas apresentamos serviços de qualidade diferente.
MI – Enquanto armadora privada e independente, a Armas não pode aplicar uma tabela própria?
VF – Não porque as tarifas são aplicadas por lei e temos de respeitar.
MI – Vamos supor que a proposta da Naviera seja a aceite pelo Governo, neste caso a CVI terá de a aplicar também?
VF – Exacto, porque não há concorrência ao nível do preço. Se apresentarmos a nossa proposta, em primeiro lugar iremos discuti-la com a CVI antes de irmos para o Ministério. Pode ser que a nossa proposta seja aceite. Se for assim, será levada para o Ministério do Mar para dar o seu aval e despacho. Agora, se a nossa proposta for aceite, será uma infração à lei porque o valor legal é outro, é mais alto. Como referi, nós estamos a aplicar apenas 16% do valor legal. Outra coisa seria se a lei dissesse que o preço pode ser aplicado de forma aleatória, mas não é isso.
MI – Como seria ultrapassada essa questão?
VF – O governo teria apenas de emitir um despacho.
MI – Como tem estado a funcionar os preços nesta linha?
VF – Tem sido uma bagunçada tremenda. As companhias vêm bagunçando esta rota há muito tempo, e nós entramos faz um ano. Isto ocorre porque a fiscalização não tem funcionado.
MI – A tarifa para passageiro já começou a ser aplicada?
VF – Ainda não começamos a aplicar esse aumento porque não tivemos tempo para o fazer.
MI – Houve algum erro de cálculo da tarifa, como chegou a afirmar o ministro das Comunidades?
VF – Os políticos têm discursos políticos, mas não houve nenhum erro de cálculo. Houve sim um cálculo matemático e que entrou em conflito com o lado social. Mas é um cálculo verídico.