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Sob ameaça, Biosfera cessa actividades de conservação no Ilhéu Raso

A Biosfera – Associação para a Defesa do Meio Ambiente em Cabo Verde vai suspender a partir de 15 de junho todas as suas actividades de conservação/pesquisa da biodiversidade na Reserva Integral do Ilhéu Raso. O presidente Tommy Melo justifica esta atitude drástica com a ganância de grupos de jovens oriundos das outras ilhas que praticam a depredação insustentável e ilegal e ameaçam a vida das equipas da Biosfera no terreno.

Triste e desmotivado, Tommy Melo explica num exclusivo ao Mindelinsite que fizeram denúncias de todas as formas possíveis, inclusive na televisão pública, sem reacção das autoridades. E, com o crescente tom de ameaças de morte, as equipas da Biosfera que se sentem desemparadas e intimidadas no seu trabalho diário de protecção deste importante património natural, decidiram abandonar a reserva integral do Ilhéu Raso à sua sorte. “Estamos a falar de um grupo de mais de 20 jovens, armados com espingarda de pesca submarina, que nos ameaçam. A qualquer momento pode acontecer um acidente. Já fomos à polícia e nada aconteceu. Os jovens continuam lá, então nós saímos.”

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Lamenta ainda que 16 anos de trabalho para a indefesa e frágil vida selvagem do ilhéu sejam colocados em risco por jovens que querem por todos os meios continuar a fazer pesca submarina nesta reserva integral.  “Há algum tempo, a comunidade de Salamansa fez um abaixo-assinado a implorar as autoridades para banir a caça submarina na sua zona de pesca artesanal, sabendo que não pode ser praticada esta actividade nos Ilhéus, mas as autoridades não reagiram. No nosso caso, pediram-nos para fotografar os botes usados na pesca submarina. Passamos meses a fazer isso e tivemos conhecimento de que algumas embarcações foram notificadas, mas isso não afectou os prevaricadores. Continuam lá.”

Ignorado pelas autoridades

Para Tommy Mello, as autoridades não deram importância aos factos, porque os jovens continuam a praticar a sua pesca submarina e as agressões foram aumentando de tom. “Não vou colocar a minha equipa em risco. Infelizmente, as autoridades não estão a tomar pulso à situação neste local, que faz parte do território cabo-verdiano. A lei especifica que se trata de uma reserva integral, o que impossibilitava inclusive os pescadores de praticarem a pesca artesanal no ilhéu. E o impacto da pesca artesanal para o ambiente não é significativo. É por isso que vamos suspender a nossa actividade.”

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A situação ganha, entretanto, outra dimensão com a pesca submarina, sendo que, no caso, também afastaram os pescadores artesanais. “Estamos indignados porque nem a solicitação de todo uma comunidade conseguiu fazer as autoridades mexerem. Ao contrário, foi legalizada a pesca submarina. Hoje ela é considerada uma pesca comercial, algo que não é visto em nenhuma parte do mundo. Significa que as autoridades querem estar do lado dos jovens que fazem esta actividade. Então, só nos resta lavar as mãos. As autoridades que decidam o que querem fazer então”, assevera.

Tommy Melo recorre à legislação, precisamente ao Decreto-Lei 3/2003, – que indica que foram identificadas 46 áreas protegidas em Cabo Verde, incluindo o Ilhéu Raso, como Reservas Integrais. O Ilhéu Raso, prossegue, é considerado como um dos pontos mais importantes do país em termos de biodiversidade, riqueza e abundância de vida selvagem. E, por isso, começou a ter um estatuto de conservação. “No entanto, ao longo dos anos, nenhum governo conseguiu aprovar formal e oficialmente um plano de gestão desta reserva e os recursos naturais continuaram a ser impiedosamente delapidados por caçadores furtivos sem qualquer intervenção para impedir a pilhagem”, lamenta.

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Espécies endémicas

Em 2006, prossegue, uma acção conjunta entre a Ong Biosfera e vários parceiros internacionais e nacionais ajudou a colocar fim à captura ilegal e declínio da Calonectris Edwardssi, uma ave marinha endémica de Cabo Verde e considerada ameaçada. Entretanto, após anos de esforços de conservação, esta espécie está a mostrar uma notável recuperação, junto com as outras seis espécies de aves marinhas que nidificam no Ilhéu Raso. “Durante 15 anos, muitos parceiros financeiros, técnicos e científicos acompanharam este processo de protecção e deram à Biosfera a sua confiança e empenho. Biosfera organizou campanhas de monitorização permanente de toda a fauna do ilhéu, a maioria das quais são espécies globalmente ameaçadas. Assegurou a translocação de espécies ameaçadas e endémicas, colaborou na investigação científica e promoveu o valor patrimonial”, detalha a ong em um comunicado enviado à imprensa.

Ainda: a Biosfera estabeleceu e manteve uma relação de confiança e colaboração com algumas comunidades piscatórias de São Vicente. Mais, desde 2009, vem desenvolvendo um projecto de certificação de pesca responsável com 10 embarcações de pesca tradicional da comunidade de Salamansa em torno do complexo de Santa Luzia. Porém, todo este esforço, enfatiza, está a ser superado pela ganância de grupo de jovens que encorajam a depredação insustentável e ilegal dos recursos marinhos na área, colocando em risco o equilíbrio vulnerável do ecossistema.

A solução encontrada para todos estes problemas, alega, seria a desmobilização dos pescadores do Ilhéu Raso e atraí-los para a ilha vizinha de Santa Luzia. Os pescadores aceitaram esta proposta da Biosfera, mas o Ministério do Ambiente recusou autorizar a implementação de um acampamento na ilha deserta, pelo que a depredação do Ilhéu Raso continuou. Já o Ministério da Economia Marítima solicitou, em 2019, provas da pesca ilegal e, mesmo com o envio de dezenas de imagens, os predadores continuam activos, segundo a organização, enfraquecendo a sua biodiversidade do Raso.

Perante este desfecho, a Biosfera pede desculpas aos parceiros e à população que há anos os acompanha nesta luta, mas deixa claro que a missão da ong não pode continuar à custa da vida das suas equipas. Lamenta que, não obstante o governo ter assinado muitos acordos e convenções internacionais para a protecção do meio ambiente, os esforços em termos de lobby e advocacia empreendidos a nível nacional sejam ineficazes e infrutíferos perante as autoridades competentes, que contradizem as suas posturas políticas e os seus compromissos internacionais.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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