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Prestigiado museu americano doa réplica de bote baleeiro ao Museu da Pesca de Tarrafal de S.Nicolau

O Mystic Seaport Museum, situado em Connecticut nos Estados Unidos da América, doou uma réplica de um bote-baleeiro para Museu de Pesca de Tarrafal de São Nicolau. Este gesto, de desfazer desta importante peça do seu espólio, segundo o investigador cabo-verdiano José J. Cabral, resulta do reconhecimento do papel do Museu de Pesca da ilha de Chiquinho na divulgação da cultura e património baleeiro.

A entrega da réplica do bote beleeiro ao Museu da Pesca de Tarrafal está marcada para o dia 4 de outubro. Na ocasião, o Blackfish – Clube de Amigos do Museu da Pesca junta-se à Congregação dos Capuchinhos de Tarrafal de São Nicolau, para a realização de um evento de evocação do Dia dos Animais, para apelar à preservação das espécies, este ano centrado nas baleias.

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O investigador José J. Cabral fará uma conferência durante a qual discorrerá sobre o dever dos cabo-verdianos de proteção desses animais marinhos, cuja matança teve a participação de ancestrais cabo-verdianos, de 1765 a 1927, conforme escreveu Donald Warrin, em seu livro “So ends This Day” (2010).
“O simbolismo contido na peça, faz dele um importante instrumento pedagógico de intermediação cultural do museu, para aquilo que foi o quase extermínio dos cetáceos, cujas populações, felizmente dão sinais de recuperação, graças a medidas como a criação da Comissão Baleeira Internacional (CBI), à qual Cabo-verde aderiu”, específica o investigador sanicolauense.

O bote baleeiro, revela José J.Cabral, é um prodígio de engenharia e era a bordo desta pequena embarcação que 5 homens caçavam baleias que depois eram rebocadas para uma barca maior. “Os cabo-verdianos depressa ascenderam na hierarquia, chegando a arpoadores, oficiais e capitães”.

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Recorde-se Cabo Verde e os cabo-verdianos estão presentes no Mystic Seaport Museum, Associado à história de Charles W. Morgan a única barca que sobrou da frota americana, barca essa que escalou os portos cabo-verdianos, por isso referenciada no Romance Chiquinho, e que recebeu um número significativo de tripulantes cabo-verdianos, incluindo o célebre capitão João Gonçalves.

Detalhes interiores da réplica do bote-baleeiro com toda a sua palamenta.

A palestra servirá para exumar as memórias da baleação sedentária costeira em Cabo Verde, protagonizada pelo Capitão José Gaspar” é uma das figuras maiores da baleação cabo-verdiana, nas palavras do investigar Pedro Bicudo. “O ‘menino do Morro’, aos 18 anos, já andava atrás das baleias na Baía de S. Jorge. Em 1872, aprendeu pilotagem na Furna. De seguida, embarcou de salto e foi balear no
Arioche, trepando de oficial baleeiro a imediato. Em 1886, é contratado pelo armador Bensaúde para capitão do Gazela (hoje navio-museu em Philadelphia) e, com base nos Açores, fez campanhas à baleia e ao bacalhau”,
 descreve, realçando que estes feitos transformaram o ‘Capitão Gaspar’ em um símbolo de confiança na navegação do ‘corredor atlântico’ Cabo Verde-Açores-New Bedford.

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Em 1901, prossegue, Gaspar concretiza o seu sonho de vida e compra a escuna Pilgrim ao armador John Pew & Sons, de Gloucester. Aventura-se na caça à baleia, mas acaba transformando a embarcação em ‘packet ship’, transportando muitas famílias emigrantes para os EUA. Em setembro de 1903, um furacão atinge o Barlavento e destrói o Pilgrim, episódio da história trágico-marítima de Cabo Verde, pontua.

Para este investigador, a vida do Capitão Gaspar revela o confronto entre dois mundos, a Macaronésia e a Nova Inglaterra, e os desafios de um homem que foi ‘ponte’ entre ambos. “Nascer numa ilha remota de uma colônia portuguesa, em meados do séc. XIX, era uma quase condenação ao atraso e imobilismo social. A monarquia, reinóis e terra- tenentes na ilha, associados ao controle religioso, à clausura econômica da ‘ilha fechada’ e limitados meios de sobrevivência eram uma prisão para o jovem. Mas o
espírito aventureiro e empreendedor de Gaspar foi mais forte”, 
sublinha. 

Mystic Seaport Museum em Connecticut – EUA

Este revela ainda que o Capitão descobriu os rigores da baleação americana, os valores da meritocracia Quaker, a importância humanista da pessoa, o papel do cidadão na democracia, o republicanismo como regime e o valor da iniciativa privada. Vivências transformadoras que fazem dele agente de mudança em ‘contravolta’, na ligação entre arquipélagos irmãos e a América sonhada. “Não se lhe conhece o itinerário até aos 29 anos, altura em que aparece como comandante do Patacho Gazela, da empresa açoriana, Bensaúde & Cª.  Gaspar, ressurge em Cabo Verde, e instala-se em Tarrafal de São Nicolau.”

Casa com a filha do açoriano Joaquim Soares e dá seguimento ao negócio do sogro, conforme o pedido de licença e consequente autorização, em 1896, citado no Boletim Oficial, n.º153. Instala-se no extremo nascente da “Praia do Tarrafal” da Empresa da Pesca da Baleia do Carriçal e do Tarrafal. A partir de 1896 passou a operar sob a denominação de José Gaspar da Conceição. 

 Parte dessa área, onde se localizava o barracão dos botes, antes aforada a José Gaspar, seria mais tarde adquirida – contrato arquivado no acervo da fábrica Sucla, depositado no museu da Pesca – à viúva, pela fábrica de conservas, quando em 1933 ela se instalou em Tarrafal de São Nicolau, segundo Lopes Filho, (1996). A armação baleeira José Gaspar, era detentora de embarcação própria, uma escuna de 72 toneladas, que se supõe ter sido adquirida a John Pew, em Gloucester, MA, em 1901.

Essa história fantástica está contida na obra referida do professor Donald Warrin, cujos direitos de impressão foram cedidos a Blackfish – Clube de Amigos do Museu da Pesca, pelo Núcleo Cultural da Horta que a traduziu para português, com o título “Assim Acaba este Dia”. Narra a odisseia dos açorianos e cabo-verdianos na baleação americana entre 1765 a 1927.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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