Cirurgião vascular angustiado com demora de Cabo Verde em aprovar a lei de transplante renal
O cirurgião vascular português Norton de Matos confessou esta manhã estar angustiado com a demora de Cabo Verde em criar as condições legais para o transplante renal. Segundo este médico, os doentes de insuficiência renal estão a aumentar e, a continuar nesse ritmo, a situação poderá tornar-se dramática daqui a pouco tempo. Isto quando, diz, a solução mais prática para os pacientes e a economia do país é a aprovação da lei de transplante renal.
“Há doentes a aumentar e isso vai atingir uma situação dramática. Se só temos neste momento 240 doentes a fazer diálise, as regras nos dizem, com base na tendência mundial, que isso deveria ser 700, de acordo com a população de Cabo Verde. Está-se a gastar dinheiro com a diálise e, com o aumento dos pacientes, serão precisos mais centros e mais dinheiro”, alerta o especialista a partir do Hospital Baptista de Sousa, em S. Vicente.
Norton de Matos afirma que o transplante apresenta várias vantagens em relação à diálise. A primeira é a longevidade e melhoria da qualidade de vida do doente, que já não precisa se submeter a transfusão sanguínea 3 vezes por semana por quatro horas seguidas. A segunda é que a medicação contra a rejeição do rim é menos custosa que a diálise. A terceira é a idade jovem dos doentes e o facto de haver famílias numerosas em Cabo Verde, o que facilita o processo de seleção de um rim compatível. “Temos conversado com familiares de pacientes com insuficiência renal e ficamos cientes de que seria fácil um membro da família doar um rim para salvar outro parente”, frisa esse cirurgião. Na Europa, diz, o problema da incompatibilidade é mais ajudo.
Este especialista, que tem estado a cooperar com Cabo Verde nesse domínio há sete anos, adianta que trouxe toda a legislação vigente em Portugal sobre o transplante e diz não entender como é possível o assunto estar ainda à espera do Parlamento. “Porquê tanta demora e tanta confusão e para quê tantos pareceres?”, desabafa o cirurgião, para quem o risco de a lei vir estimular o contrabando de órgãos, subornos ou outros crimes do género é zero em Cabo Verde. Em Portugal, assegura, só a sua equipa já fez mais de 3.000 transplantes no Porto e nunca houve um caso em tribunal.
Transplante de dadores vivos
O transplante em Cabo Verde deverá contemplar dadores vivos, segundo Norton de Matos. Isto quando em Portugal e noutros países europeus, a tendência é mais para dadores mortos. Porém, adianta, Cabo Verde não tem capacidade para lidar com este tipo de casos. Para isso teria que dispor de um centro de cuidados intensivos e uma equipa médica preparada para determinar a adequada morte cerebral. “Aqui há dadores vivos, enquanto na Europa transplantamos mais de cadáveres, mas lá temos condições logísticas e técnicas para isso”, frisa Norton de Matos, acentuando que a lei portuguesa tem estado a ser adaptada ao longo dos tempos e pode servir de guião para a legislação cabo-verdiana nessa matéria.
Já no caso de haver o transplante, Norton de Matos diz que Cabo Verde está preparado para fazer o acompanhamento dos pacientes. Enfatiza que o país dispõe de equipas médicas da melhor qualidade, integradas pelos nefrologistas Heler Tavares, na cidade da Praia, e Suzete Ramos, em S. Vicente. Adianta que facilmente podem aprender a gerir a rejeição do rim e a fazer o tratamento médico após a operação. “A única coisa que não temos, e nem precisamos em Cabo Verde, é equipamento para fazer as análises que comprovam que o rim é compatível com o receptor. Estamos a quatro horas de voo de Portugal, a amostra sanguínea pode ser enviada e aguardar a resposta”, comenta o cirurgião, que se encontra em S. Vicente a fazer os acessos vasculares pré-hemodiálise em pacientes. Até o momento já operou 18 pessoas no Hospital Baptista de Sousa.
Segundo Norton de Matos, a insuficiência renal é uma doença insidiosa, que vai dando sinais aos poucos, como sensação de cansaço, dificuldades em urinar, tensão arterial alta…