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Leila Neves: “Somos o primeiro país a iniciar a ‘Década do Oceano’ e que tem um comité liderado por uma mulher”

Cabo Verde escolheu 1 de junho, dia internacional da criança, para arrancar na praia da Lajinha a “Década do Oceano”, iniciativa lançada pela ONU para promover o conhecimento científico sobre o mar e inverter a destruição da biodiversidade marinha no planeta. Segundo Leila Neves, o desafio traçado pelo comité que preside é trabalhar a mentalidade e a relação das crianças com o mar, desde a primeira infância. Porém, um dos principais objectivos é conseguir inserir o desporto náutico no sistema de ensino em Cabo Verde e abrir as chamadas “escolas azuis”. Neves frisa nesta entrevista que Cabo Verde é neste momento o único país africano envolvido nesse mega processo e o único que tem um comité estabelecido liderado por uma mulher.

Mindel InsiteEsta manhã deu o pontapé de saída à denominada “Década do Oceano”, tendo escolhido a praia da Lajinha. Afinal o que é a Década do Oceano?

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Leila Neves – A Década do Oceano é uma Forca Tarefa que cientistas relacionados à oceanografia lançaram no âmbito dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável 14. A ONU apresenta hoje esta iniciativa a nível mundial, num evento marcado por uma conferência em Nova Iorque. A Década do Oceano é, no fundo, a ciência que precisamos para o oceano que queremos. Dispomos de 10 anos – o período decorre oficialmente de 2021 a 2030 – para conseguirmos proteger a biodiversidade, reduzir a emissão do carbono nos transportes marítimos, potencializar os desportos náuticos e o uso da recreação ligada ao mar; tudo o que for possível adquirir como conhecimento e educar as nossas crianças e adultos para cuidarmos do oceano, um dos maiores produtores de oxigênio deste planeta e que nos fornece alimento.

MI – O arranque desta jornada acontece de propósito no dia da criança ou foi coincidência?

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LN – Aqui em Cabo Verde decidimos aproveitar o dia 1 de junho para arrancarmos esta caminhada com o envolvimento das crianças do jardim Edukart, pertencente à Associação MornaJazz. Trouxemos as crianças para este contacto com o mar e poderem ter a primeira aula de natação. Para o efeito, contamos com a parceria da escola de natação Txiluf, com Fernando Wanhon, que trabalha com os colegas Bety e Leu, da Associação de Natação de S. Vicente.

MI – Como MornaJazz aparece associada a este evento?

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LN – A associação foi escolhida devido ao trabalho social que desenvolve. Quisemos promover esta aula de natação para começarmos a educar as crianças inscritas nesse jardim sobre o que é o mar e a sua riqueza, enaltecer a relação histórica de Cabo Verde com o oceano… Se pegarmos nas crianças hoje e proporcionarmos a sua ligação com o mar estaremos a moldar o caminho para esse desígnio da ONU. O que queremos é apostar no coração da humanidade. Viemos hoje lançar um projecto que tem 10 anos para reverter uma percentagem assustadora de pessoas que não têm uma relação estabelecida com o mar e que em Cabo Verde chega aos 95% da população, apesar de sermos ilhas. Queremos diminuir significativamente esse número e já começamos a monitorar os dados. Verificamos que em apenas 4 aulas um adulto muda de “escalão”: se não sabia nadar já consegue boiar; se sabia boiar já ganha mais segurança e consegue afastar-se um pouco mais para o largo…

MI – Qual o papel de Leila Neves neste evento, que é promovido a nível planetário pela ONU? 

LN – Estou aqui na qualidade de líder do Comité da Década do Oceano estabelecido em Cabo Verde pela Comissão de Oceanografia para a implementação da Década do Oceano. O envolvimento de Cabo Verde aparece através do empenho da minha empresa Comunic Ar. Devemos realçar que Cabo Verde é o primeiro país africano com um Comité da Década do Oceano estabelecido. Até o momento há comités criados em onze países, nomeadamente Japão, Canada, Colômbia, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra… E, mais do que isso, Cabo Verde tem o primeiro Comité a nascer de uma iniciativa privada e liderado por uma mulher, neste caso, a minha pessoa. 

MI – Como foi possível o envolvimento de uma empresa privada nesse processo?

LN – Foi a ONU que abriu a chamada para todos, isto é, disponível a governos, empresas e pessoas individuais. Começaram a fazer o cadastro e consegui isso logo no início. Assim sendo, passaram a enviar informação e a direcionar o aprendizado, nomeadamente através de webinars e aulas de formação dadas pelo comité de oceanografia inter-governamental. Há um plano de implementação que seguimos e os próximos passos vão no sentido da partilha de literacia sobre o oceano… Participaram 5.500 pessoas, escolherem 90 e fui agraciada porque estava presente em cada aula.

MI – Quem faz parte do comité em Cabo Verde?

LN – Temos 12 elementos escolhidos entre jovens profissionais que actuam na área do desporto náutico, processamento de pescado, mas também ligados ao Centro Oceanográfico do Mindelo e ao gabinete jurídico do Ministério do Mar – que entrou com suporte legal desde o primeiro momento, apesar de tudo ter nascido de uma iniciativa privada. A nossa comunicação, refira-se, é feita através do Gabinete da Unesco que supervisiona a Década do Oceano e temos sede estabelecida no Centro Oceanográfico do Mindelo. Como se pode ver, a nossa parceria com o sector público é forte. A Década já tem um Estatuto estabelecido e estamos a activa-lo com o sector privado.

Inserir o desporto náutico no ensino e criar “escolas azuis”

MI – Quais as ações que pretendem planificar para dar corpo a este mega projecto lançado pela ONU?

LN- Estamos a fechar o nosso calendário para os últimos seis meses deste ano e depois preparar o programa para toda a década. Temos como objectivo principal inserir os desportos náuticos no sistema nacional de ensino. Afinal das contas temos três campeões mundiais de kitesurf e temos de valorizar esse legado e o mar que temos à nossa disponibilidade. Queremos criar “escolas azuis” – uma linha educativa que se aproveita daquilo que é multissensorial e toda a informação sobre o oceano para partilhar com as crianças desde a primeira infância. Fomos buscar nossos carnavalescos para trabalharem elementos que conciliam o aspecto visual e o toque em objectos relacionados a profissões ligadas ao mar.

Em parceria com a iniciativa “Um parede de cada vez” vamos pintar as paredes da praia da Lajinha. Será uma mural repleta de informações sobre os oceanos. Uma espécie de livro aberto com informação permanente das categorias que serão abordadas pela Década do Oceano.

MI – As actividades em curso neste momento têm financiamento da ONU?

LN – O Global Compact e a ONU ainda não dão financiamento. Somos o primeiro país a dar início formal à Década do Oceano e escolhemos 1 de junho porque nosso foco é trabalhar com as crianças. Estamos a trabalhar com a mobilização dos nossos recursos, junto dos nossos parceiros. Recebemos suporte do ADS Group, do empresário Samba Bathily, da Enapor, e há outras empresas que vão se aproximando.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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