Gunter Pauli: “O futuro da Economia Azul vai ter a sua base na comunicação dentro e fora da água, sem satélite e sem 5G”

Tido como o pai do conceito, o economista Gunter Pauli afirma que o futuro da “Economia Azul” terá uma forte aposta num sistema de comunicação capaz de funcionar dentro de água com qualidade e velocidade. Nesta entrevista ao Mindelinsite, adianta que uma primeira experiência já foi realizada no Pacífico e que Cabo Verde está bem posicionado para tirar proveito desta nova etapa. Gunter Pauli foi um dos oradores da 8. edição da CVOW no painel Governança do Oceano e abordou o tema “Economia Azul nos países insulares“.
Mindel Insite – Gunter Pauli é conhecido como pai da “Economia Azul” no mundo. Como surgiu este conceito?
Gunter Pauli – A “Economia Azul” é um conceito que abrange duas grandes economias: uma é a economia do tradicional, como a pesca, o transporte, turismo e energia; uma segunda é a que tem uma grande margem de crescimento, diria, uma nova economia. Trata-se da Economia da Comunicação. Há atenção maior neste momento na economia tradicional, mas precisamos fazer um esforco muito grande para desenvolvermos a segunda. E penso que Cabo Verde pode desenvolver as duas.
MI – Pode abrir um pouco este véu sobre a economia da comunicação no âmbito da Economia Azul?
GP – Hoje, se uma pessoa entra na água não consegue falar com outra, não pode fazer um telefonema e sequer saber a sua posição GPS. Se não tem telefone, satélite ou GPS e não pode estabelecer comunicação, por estes motivos, pergunto o que essa pessoa, no fundo, sabe? A resposta é “nada”. Deste modo, não pode desenvolver a sua economia.
O futuro da Economia Azul vai ter a sua base na comunicação na água, fora da água e sem satelite e sem 5G. Será um desenvolvimento enorme e Cabo Verde está bem posicionado nesta corrida porque tem 10 ilhas. Pode estabelecer um primeiro sistema de comunicação entre as ilhas, sem recorrer a satélites, mas, mesmo assim, com uma velocidade de comunicação extraordinária.

MI – Seguindo esta lógica, quais os investimentos que Cabo Verde precisa fazer?
GP – É um investimento barato porque o novo sistema de comunicação entre ilhas pode funcionar com a Rádio AM (Amplitude Modulada – tecnologia de transmissão de rádio que altera a amplitude de uma onda portadora para transmitir informação). Muita gente certamente se lembra da Rádio AM. Hoje temos o Spotify, etc., mas a infraestrutura da comunicação futura é um sistema com Rádio AM. É muito mais barato, mais fácil de ser instalado e mais rápido. Penso que esta ligação entre economia tradicional e a nova no quadro da Economia Azul terá um sistema de comunicação permanente, 24 horas por dia. Hoje todos os sistemas de energia usados no mar dependem de outros factores. Por exemplo, se há luz solar temos electricidade, assim como se faz vento. Mas temos de descobrir sistemas energéticos que funcionam 24 horas por dia.
MI – Usar a Rádio AM não pode significar um retorno tecnológico?
GP – É um sistema comprovado – com um capital investido. Existe a infraestrutura. Com um software adaptado, podemos trabalhar com Rádio AM como fazemos com 5G.
MI – Este sistema já começou a ser experimentado noutros países?
GP – Sim, já é uma realidade. Fizemos a primeira instalação no Pacífico, na ilha de Palau, e vamos repetir em 18 países do Pacíficio a comunicação com Rádio AM, que é segue o princípio que temos hoje com 5G ou satélite, mas mais barato.
MI – Já há um projecto pensado para C. Verde?
GP – Tenho hoje a vantagem de poder discutir com o Primeiro-ministro e com o ministro do Mar e vamos avançar porque penso que C. Verde está fazendo um trabalho meritório na economia azul tradicional. Agora tem de fazer um esforço grande para aproveitar as oportunidades nestas novas áreas.
MI – Quando se fala em Economia Azul, a comunicação não é tanto assim referida. Normalmente o foco vai para a pesca, o turismo, a preservação dos ecossistemas marinhos…
GP – … Precisamos de uma nova cultura da Economia Azul. Repare nisto: Eu fui pescar com pescadores do Rio de Janeiro na Baía de Guanabara. Capturamos um pequeno peixe e um pescador vira-se para mim, mostra o tamanho do peixe e exclama: “Você vê o drama que enfrentamos?!” Aproveitei o momento e perguntei-lhe se sabia se o peixe era fêmea ou macho. E ele nao sabia. Retorqui que, se não sabe qual o sexo do peixe, afinal o que sabe do mundo da pesca?
Perguntei a este mesmo pescador se ele sabia mergulhar. E ele disse que era pescador, que sabia apenas nadar. Ora, se nao costuma mergulhar, então não conhece tão bem o fundo do mar. Por isso digo que precisamos de uma nova cultura.
MI – E esta nova cultura assenta-se em que base?
GP – Todos precisamos amar o mar, conhecer este mundo belíssimo. Temos de saber como funcionam as regras do mar, que são muito diferentes de as na terra. Basta lembrarmos que não podemos respirar no mar e nem falar. Precisamos passar a educar as crianças para conhecerem o mar tal qual conhecemos a terra. Esta mudanca vai gerar interesse e conectar a nossa vida ao mar.
MI – Dá enfase a um sistema de comunicação que nos possa permitir falar dentro da água. Na sua visão, esta tecnologia vai nos permitir transmitir informações em tempo real tal como fazemos em terra?
GP – No dia 5 de outubro de 2024 fizemos o primeiro Podcast com o Presidente do Palau enquanto estava mergulhado no mar. Ele pôde comunicar com os ouvintes que estavam em terra. No futuro vamos falar, enviar fotos do fundo do mar para navios e fazer o videostream em direto. Estas são as novas possibilidades que vão mudar a experiência do mergulho. A comunicação livre é a essência da nossa vida.
MI – Qual a mensagem principal que vai deixar para C. Verde nesta 8. edição da CVOW?
GP – Que o futuro de C. Verde depende em primeiro lugar da capacidade do país de identificar todas as novas oportunidades de desenvolvimento na terra e no mar.










