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Germano Almeida: Os cabo-verdianos estão de mãos atadas, reféns da Justiça”

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O escritor Germano Almeida desponta-se como mais uma voz crítica da Justiça em Cabo Verde na esteira dos seus pares, os advogados Vieira Lopes (falecido) e Amadeu Oliveira. Advogado de profissão, este é taxativo em afirmar que a justiça cabo-verdiana é lenta, tem uma burocracia processual excessiva e não se pode fazer nada, excepto denunciar publicamente esta situação, que impacta de forma contundente o desenvolvimento económico do país. “A sociedade cabo-verdiana está de mãos atadas. É refém da nossa justiça”, constata. 

Em conversa com o Mindelinsite na sequência da entrevista concedida ao jornal Expresso das Ilhas, que por estes dias dominou o debate no arquipélago, Germano Almeida cita factos concretos para ilustrar o seu descontentamento com a justiça. “Tenho um processo em andamento no tribunal que se arrasta desde 1995. Não prescreve porque está parado por causa do tribunal. Infelizmente, não posso fazer nada, mas também não temos onde fazer queixa. A única forma de mostrar a nossa revolta é denunciar estas situações publicamente, mas não resolve o problema”, diz.

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Apesar disso, recusa considerar a justiça o maior poder em Cabo Verde. Porém, não tem dúvidas de que é o mais impune.

“Não há quem guarde estes guardas. Ou seja, simplesmente a justiça não é fiscalizada. Estou convencido e tenho vindo a dizer que a Justiça tem sido um dos grandes factores de atraso do desenvolvimento do país. São vários os exemplos que sustentam esta minha posição, caso dos projectos que desaparecem por falta de justiça.”  

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E esta falta ou demora de justiça vem de longa data. Germano Almeida cita, a titulo de exemplo, os navios que nos anos seguintes à independência de Cabo Verde que se amontoavam na Praia de Galé, arrestados pelos tribunal à espera de decisões que nunca saíam. Estas embarcações, afirma, apodreciam no Porto Grande ou fundeados na baía e depois eram arrastados pelas correntes para esta praia, a Sul da ilha de S. Vicente. 

Recentemente, são os casos de demora ou de não justiça relatados pela imprensa. “Se a nossa justiça funcionasse, a própria economia de Cabo Verde estava mais desenvolvida. É evidente que não podemos culpar só a justiça. Mas é facto que as nossas leis são demasiadas retrogradas e penalizantes para os juizes. A nossa burocracia processual é excessiva e não se tem feito nada no sentido de a abreviar. Acho que os próprios juizes se comprazem em inventar coisas para darem sentenças cada vez mais longas”.

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Excesso de leis

Confrontado com a habitual empatia dos cabo-verdianos, que se orgulham de propalar que o país tem “mais e melhores leis do mundo”, deixa um alerta. “Quanto mais leis, maior é a dificuldade na sua aplicação”. Mas, dentro da legislação em vigor, aponta o dedo ao Código de Processo Civil, responsabilizando-o pelos grandes problemas do país, superando o Código de Direito Civil e do Direito Comercial. Apesar disso, diz, este tem sofrido muito poucas melhorais. “O Código de Processo Civil precisa de uma reforma talvez em torno dos 50% ou mais, mas têm-se ficado pelos 2%”, desabafa. 

Germano Almeida não se mostra preocupado com o facto de Cabo Verde copiar quase toda a legislação portuguesa. Ao contrário, considera normal porque, diz, lá tem mais estudiosos e estão mais ligados e o seu sistema judicial é muito similar ao de Cabo Verde. 

Denúncias ao vento

No entanto, apesar de toda a legislação em vigor, diz não entender a aparente apatia perante as denúncias de corrupção e de falsificação feitas durante muitos anos pelo advogado Vieira Lopes e agora mais recente pelo colega Amadeu Oliveira, sem consequências. Segundo Germano Almeida, é esta falta de resposta que aumenta o descrédito na Justiça. “Tanto em um como no outro caso, defendo que deve haver uma investigação independente e exaustiva porque as afirmações feitas pelos dois causídicos são gravíssimas e a sociedade cabo-verdiana exige respostas. Mas esta investigação não pode ser feita por magistrados porque ninguém acreditaria no resultado.”

Este deixa claro que não faz ideia de quem deveria fazer este trabalho de investigação, mas acredita que em Cabo Verde há gente capaz de assumir esta responsabilidade. No entanto, se não houver, sempre se pode recorrer à ajuda do exterior para que a Justiça possa voltar a ganhar crédito e respeito porque neste momento as pessoas estão de mãos atadas, reféns do sistema.

“Se resolvermos fazer justiça com as nossas mãos as autoridades nos caem em cima. Neste sentido, estamos reféns porque não podemos fazer nada. E quando nos queixamos, os juizes zangam-se e entram em greve”, pontua, lembrando que este ano sequer se fez a abertura do ano judiciais, que foi condicionado a um pedido de desculpas do Parlamento e do Governo. 

Justiça intocável

“É uma brincadeira. O pessoal da justiça se considera intocável. Estou de acordo que a Justiça seja uma classe de intocáveis no sentido de que fosse arredada da comunicação social. Mas os juizes não resistiram à tentação de aparecer. A partir do momento que isto aconteceu, desviaram os holofotes também para si. Queriam aparecer e não serem criticados. Isto é impossível”. 

Ou seja, apesar de se considerarem em outro patamar, Germano Almeida entende que este é um sector que não pode se expor e, ao mesmo tempo, ficar resguardado. O problema, diz, é que os juizes são uma casta à parte que faz questão de viver na base deste privilegio. Por isso, prossegue o advogado e escritor boavistense, zangam-se quando são contestados ou confrontados.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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