Difamação a magistrados: STJ arquiva processo-crime contra Amadeu Oliveira 25 anos após queixa da PGR

O Supremo Tribunal de Justiça comunicou ao arguido Amadeu Oliveira o arquivamento de uma denúncia contra a sua pessoa promovida pela Procuradoria-Geral da República, por alegada difamação a magistrados judiciais e do Ministério Público num artigo publicado no jornal A Semana em 13 de outubro de 2000. A decisão chegou ao conhecimento do arguido decorridos quase 25 anos, o que, para o jurista de profissão, prova como funciona a (não) justiça em Cabo Verde.
O conteúdo do acórdão foi remetido para a comunicação social, acompanhado de um comentário de Amadeu Oliveira, que foi notificado do mesmo no Hospital Baptista de Sousa, onde está a recuperar-se de uma recente cirurgia. Para este recluso, condenado a sete anos de cadeia pelo crime de Atentado ao Estado de Direito, o processo foi propositadamente escondido, tendo ficado duas décadas e meia à espera do julgamento de modo a permitir que fizesse prova da veracidade das afirmações que fazia no artigo contra os referidos magistrados.
Afirma que, apesar de ter pedido por diversas vezes para ser julgado, o Supremo Tribunal de Justiça preferiu manter o processo engavetado e aguardar a sua prescrição e deste modo dar fim à queixa. Relembra o jurista que falta julgar outro processo contra a sua pessoa composto por 14 crimes, além de outro caso que tramita no Tribunal do Porto Novo em que faz “gravíssimas acusações” contra o Procurador-Geral e contra o Procurador Nilton Moniz. O seu receio é que venham a ter o mesmo fim: a prescrição.
Conforme o acórdão – assinado pelos juízes Simão Santos, Zaida da Luz e Benfeito Ramos -, a Procuradoria-Geral da República, através de uma participação dirigida ao STJ, procedeu à denúncia de Amadeu Oliveira por ofensas difamatórias e injuriosas contra instituições e calúnias a magistrados judiciais do Ministério Público no artigo publicado no jornal A Semana em 2000. A denúncia, diz o Supremo, foi registada e redistribuída, mas, segundo esse tribunal superior, constatou-se que o procedimento criminal contra Oliveira está prescrito. Assim sendo, a situação impede o Supremo de instruir e ulteriormente conhecer do seu objecto. “Por esta razão, mandou submeter o processo aos demais vistos e, em seguida, enviado à conferência para análise e deliberação dessa questão prévia”, diz o acórdão, referindo-se à prescrição do procedimento criminal.
Salientam os relatores que, na actual legislação, as prescrições têm a sua base entre os artigos 108 a 118 do Código Penal, mas que, à data da prática dos factos imputados a Amadeu Oliveira, estava em vigor o CP de 1886. Revela o acórdão que este código estipulava uma pena de prisão de 2 a 8 anos e um prazo de prescrição de 15 anos. Entretanto, com a entrada em vigor do novo Código Penal em 2003, alegam que os factos constantes da denúncia passaram a ser qualificados como crime de injúria, agravado em razão da qualidade da vítima, passando a ser punível com prisão até 2 anos.
Pontua o acórdão que, em virtude de uma revisão ao actual CP ocorrida em 2015, o instituto da prescrição do procedimento criminal foi alterado, passando a ser, regra geral, mais gravoso por via de mecanismos de suspensão e interrupção. Contudo, em relação aos crimes puníveis com penas similares ao delito imputado a Oliveira, o prazo de prescrição ficou estabelecido em 5 anos. Deste modo, tendo em conta a sucessão da lei penal no tempo e o princípio de aplicação do quadro legal mais favorável ao arguido, ficou claro para o STJ que deve prevalecer o CP de 2003.
Pelas suas contas, tendo iniciado a contagem do prazo no dia 13 de outubro de 2000, o que não foi interrompido, o procedimento criminal do processo movido contra Oliveira está extinto desde 14 de outubro de 2005. Deste modo, o acórdão do STJ, com data de 28 de janeiro de 2025, declara extinto o procedimento criminal e determina o arquivamento do caso.