Declaração da UCID sobre S. Vicente atiça ânimos no Parlamento: Mircéa Delgado “propõe” um dia inteiro para se falar da situação da ilha
Uma declaração política da UCID no Parlamento despoletou um aceso debate sobre a situação social, política e administrativa de S. Vicente, com posicionamentos expressos dos deputados João do Carmo (PAICV), Zilda Oliveira (UCID), Vander Gomes, Mircéa Delgado e João Gomes (MpD), partido suporte do Governo. A intervenção do parlamentar António Monteiro, eleito dos democratas-cristãos, foi motivada pela celebração dos 563 anos do Município de S. Vicente, e, após traçar uma pincelada sobre o “glorioso passado” da Baía do Porto Grande do Mindelo, trouxe à baila um leque de obstáculos socioeconómicos que, nas suas palavras, ameaçam o futuro da ilha.
Para Monteiro, os problemas mais bicudos enfrentados pela população estão relacionados com a elevada taxa do desemprego na juventude, a persistência da centralização política e administrativa na Capital – que prejudica o desenvolvimento local -, a necessidade de diversificação da economia de S. Vicente e a garantia de serviços públicos de qualidade aos residentes. Salienta que Mindelo possui um dos principais portos de C. Verde, produz muita riqueza no contexto nacional, mas a sua economia ainda depende de um número limitado de sectores, como o comércio e serviços.
Na sua perspectiva, porém, o desemprego na camada jovem é uma das questões mais graves que afectam S. Vicente. “Apesar do talento e da criatividade dos jovens, muitos enfrentam dificuldades em encontrar um emprego que lhes permita construir um futuro digno na sua própria ilha”, enfatizou o deputado, para quem a falta de trabalho tem levado a uma crescente saída dos jovens para outras ilhas, nomeadamente Santiago, quando não emigram para outros países. Este fenômeno, diz, tem vindo a enfraquecer a capacidade de S. Vicente em atingir um desenvolvimento sustentável e robusto.
Outro aspecto que constitui um grande entrave para o desenvolvimento de S. Vicente, na visão do ex-presidente da UCID, é a centralização política e administrativa. Isto porque, diz, essa prática sistémica costuma deixar a ilha à margem das decisões políticas e económicas tomadas a nível nacional. “A falta de autonomia política e administrativa dificulta a capacidade da ilha de implementar políticas locais e eficazes e atrair investimento estratégicos.”
Na sua intervenção, Monteiro voltou a trazer à baila a “batida história” do aeroporto internacional Cesária Évora, que ainda continua a aguardar os equipamentos tecnológicos para poder receber voos por altura da bruma-seca. Além disso, tocou na questão dos estaleiros da Cabnave, cuja promessa de restruturação, segundo o político, continua em banho-maria.
Monteiro afirmou que não se compreende a morosidade na construção de algumas obras iniciadas faz algum tempo e que já deveriam estar ao serviço da economia da ilha e dos utentes. Esta situação, admite, leva-o a pensar que elas poderão servir como trunfo para a campanha Legislativa de 2026. “… serem apresentadas ao povo, desta feita em molde diferente do que se fez nas autárquicas, em que S. Vicente foi contemplada com cerca e 250 metros de asfalto”, disse, numa referência ao início da asfaltagem da estrada Cidade do Mindelo – Calhau em plena campanha autárquica. A seu ver, são estes tipos de ações que levam a população a desacreditar na classe política cabo-verdiana.
“Show off” do Governo
A declaração da UCID, na perspectiva do deputado João do Carmo (PAICV, faz todo o sentido. A seu ver, os mindelenses estão tristes com a postura do Governo em relação a S. Vicente. Lembrou que, na verdade, desde 2017 foi dado início à construção do Parque Tecnológico e ninguém sabe dizer quando estará pronta. “Mas, de certeza, o Governo vai fazer a inauguração por altura das eleições legislativas e dar um show-off”, prognosticou o deputado tambarina, que reforçou a denúncia da UCID sobre o arranque da asfaltagem da via Mindelo-Calhau que, precisou, aconteceu na sexta-feira anterior ao domingo da votação nas autárquicas, tendo sido concluído apenas pouco mais de 200 metros. “Depois a obra foi deixada lá”, criticou João do Carmo.
Este deputado lembrou ainda que o ministro do Mar realizou recentemente visita às instituições sob a sua tutela, uma delas o gabinete da Zona Económica Especial Marítima de S. Vicente. “Todos ouviram o actual ministro dizer que a instituição não faz nada, que é o que sempre dissemos aqui no Parlamento”, referiu Do Carmo, acentuando que, na sua perspectiva, o projecto da ZEEMSV lançado pelo Governo de Ulisses Correia e Silva é um autêntico bluff.
Sobre a situação do aeroporto internacional, este parlamentar relembrou que em 2017 o ministro da Economia Marítima garantiu que já havia solução para os voos em situações climatéricas difíceis. Até hoje, diz, o quadro continua o mesmo: viagens canceladas quando a ilha é invadida pela poeira.
“Descentralização merecida”
Em resposta, Vander Gomes (MpD) considerou que o alerta da UCID não foi direcionado para o MpD porque este partido tem dado a S. Vicente a “descentralização que merece”. Um exemplo, disse, foi a instalação do Ministério do Mar na cidade do Mindelo, algo que nunca tinha acontecido. “Não estamos aqui para vender ilusões, somos responsáveis e não vamos dizer que está tudo bem em S. Vicente. Mas também não vamos permitir que se venda o caos e que todas as lutas travadas nos últimos anos pela população da ilha seja comprometida por discursos de bota a baixo”, reagiu o parlamentar, que reconhece haver um défice habitacional em SV. Mesmo assim, disse, o Governo tem feito investimentos nos últimos anos com a construção e disponibilização de mais de 1.000 casas sociais, seja através do projecto Casa para Todos e em novas iniciativas na Portelinha e bairro do Iraque. “Quem constroi mil pode construir 2 mil e assim por diante.”
Vander Gomes frisou, por outro lado lado, que S. Vicente tem muitos pontos positivos, sendo a ilha com maior produtividade das empresas e com mais produção per capita por trabalhador. Além disso, enfatizou que os dados do INE apontam para uma redução da taxa de desemprego, inclusivamente na camada jovem, e ainda o índice da pobreza extrema e absoluta. Acrescentou que deputados eleitos pelo MpD por S. Vicente tiveram um encontro com o ministro da Energia para se resolver definitivamente o problema da iluminação pública, o que, diz, comprova o compromisso que têm para com a ilha.
Debater S. Vicente “com seriedade” durante um dia
Após esta intervenção, a deputada Mircéa Delgado (MpD) decidiu também tomar a palavra e entrar no debate. Para esta eleita, há muita coisa para se dizer sobre a situação da ilha de S. Vicente. “Acho que S. Vicente precisa de um dia inteiro para os deputados das duas bancadas e da UCID falarem com toda a seriedade sobre a siuação da ilha”, disse, em primeiro lugar, a jovem dirigindo-se em particular ao presidente da Assembleia Nacional.
Mircéa Delgado lembrou que faz parte do suporte parlamentar do Governo e assegurou que tem dado o devido apoio ao Executivo em prol do desenvolimento de S. Vicente. “Agora, enquanto sãvicentina, não posso deixar de dizer que me preocupa bastante ver intervenções que neste momento ignoram o que se passa na ilha. Tenho uma grande frustração/desilusão, por exemplo, em ver o braço-de-ferro político desnecessário entre as forças políticas presentes em S. Vicente e que vem existindo desde o mandato anterior. São Vicente não merece isto”, pontuou Mircéa Delgado, para quem o MpD, o PAICV e a UCID devem chegar a entendimento, “mas sobretudo têm o dever de conseguir alcançar entendimentos”.
Este posicionamento provocou a reação do deputado João Gomes (MpD) que não gostou de ouvir a colega de bancada e de partido atribuir ao edil Augusto Neves a maior parte da responsabilidade de se encontrar o equilíbrio na Câmara de S. Vicente. A seu ver, a responsabilidade cabe aos três partidos representados na Câmara e na Assembleia Municipal. Quanto a questão habitacional, Gomes admitiu que ainda há um défice, mas afirmou que S. Vicente foi a ilha onde o Governo mais construiu casas sociais. E deu como exemplo, o complexo em edificação na Ribeira d´Julião, perto da sua própria residência. Sobre a asfaltagem Cidade do Mindelo-Calhau lembrou que era um pedido da população e, após confirmar que houve uma paragem nos trabalhos, assegurou que a empresa Armando Cunha já tem os estaleiros montados e que vai dar continuidade a essa obra.
Aumento do desemprego entre os jovens
Por seu turno, a deputada Zilda Oliveira (UCID) reagiu aos dados adiantados por Vander Gomes sobre o desemprego. Recorrendo às estatísticas, confirmou que houve uma redução do desemprego a nivel geral dos 10.3% para 8.5%, mas assegurou que houve um aumento de 19.6% para 22.3% na camada jovem. Já em relação ao problema habitacional, enfatizou que o complexo da Portelinha não deu resposta aos moradores, que não puderam suportar os custos com salários de 15 contos. E fez questão também de frisar que as casas em construção na Ribeira de Julião são do tipo T0, o que não vai servir para acomodar as famílias, pelo que será preciso novos apartamentos.
A reação dos deputados apanhou António Monteiro de surpresa. Enfatizou que queria apenas fazer uma intervenção amena, sem apontar críticas a ninguém e atiçar os ânimos. Concluiu, no entanto, que é preciso dar a S. Vicente as condições para crescer e continuar a contribuir para a riqueza de C. Verde.