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Centenas de pessoas dormem na fila para tentar uma marcação de visto durante a permanência consular do CCV no Mindelo 

Largas centenas de pessoas estão “acampadas” desde ontem à tarde nas imediações do edifício da Assembleia Municipal de S. Vicente para tentar fazer uma marcação de pedido de visto durante a permanência consultar do Centro Comum de Visto no Mindelo, entre os dias 26 a 30 de junho. Porém, há quem preferiu pagar por um lugar para as primeiras 70 vagas diárias (40 de manhã e 30 à tarde), num limite máximo de 350 para a semana toda. Os valores desembolsados, conforme apurou o Mindelinsite, variam entre os quatro e os 10 mil escudos. Para as vagas mais afastadas, o preço baixa para mil escudos, mas também não há garantias de que serão atendidas. 

No início da manhã desta segunda-feira, a movimentação era enorme nas duas entradas da Assembleia Municipal, onde se faz as marcações. Para tentar organizar o processo, por iniciativa própria, as pessoas fizeram marcação dos lugares no chão, com recurso a uma caneta preta, do número 1 ao 350, total previsto de atendimentos a serem feitos durante esta permanência consultar. No entanto, a quantida de pessoas presentes superava de longe estes números, conforme testemunhou o Mindelinsite, numa altura em que os ânimos estavam exaltados por causa do início do atendimento. 

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“Estou aqui desde as 13 horas de domingo. Dormimos nesta fila. Havia muita confusão porque as pessoas estavam por aqui a vender lugares. Tivemos de tomar a iniciativa de procurar uma caneta e fizemos a numeração no chão, desde a porta até abarcar todos os presentes. No meu caso, coube-me o número 65. Temos é de tentar organizar por ordem para que todos os que estão aqui possam conseguir fazer a sua marcação”, disse Maria de Lourdes, que aproveitou para apelar a alguma calma e disciplina para que o processo não seja suspenso como ameaçou por diversas vezes o responsável.

Questionada se esta forma de fazer marcação presencial é melhor que a online, que vinha sendo muito criticada pelos cabo-verdianos, Maria de Lourdes diz acreditar que vai haver melhorias nos próximos tempos, agora que tudo ficou mais transparente. “Desta forma é muito melhor, porque online ninguém conseguia fazer marcação. Há muito tempo que vinha tentando fazer um agendamento, sem sucesso. Este pedido de visto é para a minha mãe de 74 anos, que pretende ir de férias para Luxemburgo. Tive que ficar aqui e dormir na fila para tentar conseguir. Depois pagava-se muito dinheiro para uns poucos que sabiam as datas de abertura dos agendamentos, beneficiados com informações de dentro.”   

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Números por 10 mil escudos

Quem também dormiu na fila foi Adriano Neves, na expectativa de conseguir entregar o dossiê de pedido de visto para poder desfrutar das férias junto dos filhos residentes em Portugal. “Ontem havia pouca gente aqui quando cheguei. Eram, na maioria, jovens que guardavam lugar nas filas para vender por 3, 4 ou mesmo 10 mil escudos. Consegui o número 132, mesmo tendo chegado aqui por volta das 13h30. Infelizmente, hoje apareceram muitas pessoas e algumas estão a tentar furar a fila. Está tudo errado e não há polícias para ajudar a organizar. Espero conseguir fazer a minha marcação, mas nesta situação é difícil ter certeza de alguma coisa. É uma humilhação, é uma tristeza.”

Com duas entradas no edifício da Assembleia Municipal, as pessoas estavam ainda perdidas, não sabendo ao certo onde seriam feito as marcações. Na porta em frente a Igreja Nossa Senhora da Luz, a fila estendia tanto para o lado do clube Académica do Mindelo como em direcção à Câmara Municipal. “Todo o quarteirão está sitiado. Esta é uma brincadeira. No meu caso, venho levantar o meu passaporte. Disseram que iam enviar email, o que não aconteceu. Trouxe na mão o recibo para ver se consigo receber o meu passaporte”, desabafou Pedro Correia, para quem esta situação vem reforçar a necessidade de se abrir uma representação do Centro Comum de Vistos em São Vicente.

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O CCV precisa ter uma representação permanente nesta região. Basta ver esta brincadeira aqui hoje. Mostra que realizar permanência consular uma vez por mês não vai conseguir dar vazão a demanda. Penso que, se calhar, ouviram as sugestões e reclamações das pessoas nas redes sociais e em outros meios, onde as pessoas pediam o retorno ao método tradicional, tendo em conta que o sistema de agendamento online é uma mafia”, sublinha Pedro Correia, para quem, a marcação presencial é, sem sombra de duvidas, menos mal que a online, em que ninguém mais acreditava. 

Representação CCV em S. Vicente

São Vicente já demanda uma delegação da CCV para abarcar toda a região. “É impressionante o que estamos a viver aqui”, reforça uma jovem, na mesma linha que outros tantos presentes que se limitavam a lamentar e a repudiar o caos reinante à entrada da AMSV. “Estou aqui também desde ontem de tarde. Não dormi na fila porque fui substituída por um familiar. Não paguei por um lugar e nunca faria isso. Mas esta é uma situação caótica. Podiam ter resolvido de outra forma, uma vez que o agendamento online não resultou. Mas, as pessoas no desespero de conseguir um visto, acabam por ficar na fila, sendo a única forma de fazer uma marcação”, declarou uma outra jovem, que preferiu não se identificar

Para esta nossa interlocutora, o caos foi provocado pelo CCV que, num comunicado divulgado na sua página no Facebook, anunciou que o atendimento seria por ordem de chegada das pessoas e que seriam atribuídos um total de 70 vagas diárias, num limite máximo de 350 para toda a semana. “São eles que dizem que vão dar 70 números e, os restantes que não conseguirem, podem se inscrever para serem atendidos nos próximos dias. Não sei se as inscrições serão feitas todas hoje, ou se cada dia serão 70 pessoas. Não sabemos ainda como vai funcionar. Estamos todos aqui à espera de fazer marcação porque o agendamento online não funcionou no mês de junho.”

Tanto a jovem como outros presentes explicaram ao Mindelinsite que, desde dezembro de 2022, tentam fazer um agendamento, sem sucesso. “A maioria está a tentar um visto de férias, mas é uma situação muito complicada e constrangedora. Mas não há outra alternativa, aliás, sequer lembro-me neste momento qual era o sistema antigo, que muitos estão a reivindicar. Sei apenas que não havia esta confusão, confessa a jovem, para quem a “multidão” é resultado da falta de agendamento frequente. 

Em solidariedade para com um parente que tenta conseguir um visto de férias, Simão Rocha conta que ocuparam um lugar no chão no domingo, por volta das 20 horas. E dormiram na fila. Conseguiram o número 266 e mantém a esperança de fazer a marcação. “Soube desta permanência e vim apoiar este familiar. Mas entendo que temos alguma responsabilidade na situação por causa da burla no agendamento online, que levou a Embaixada de Portugal a tomar esta decisão, até encontrar um sistema melhor. Também entendo que a Embaixada não manda ninguém vir dormir na fila. Estamos aqui por nossa vontade e por receio de não conseguir. Então temos de compreender todos os lados.”

Das informações divulgadas na sua página no Facebook, para além da ordem de atendimento e do total de vagas, o Centro Comum de Visto informa que os pedidos de visto têm de ser obrigatoriamente entregues pelo próprio requerente e que os pagamentos serão aceites através de cartão multibanco. Refere ainda que o levantamento dos passaportes será feito de acordo com o número de senhas distribuídas diariamente mediante a apresentação de cópia do e-mail enviado.

Entretanto, durante a nossa reportagem chegou um número significativo de agentes da Polícia Nacional, que começaram a organizar a fila por ordem de chegada. Na sequência, tentamos ouvir o responsável do CCV, mas este remeteu qualquer esclarecimento para o Embaixador de Portugal em Cabo Verde.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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