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Casa da Sopa em Monte Sossego com a porta fechada após desentendimento entre membros da direção

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A Casa da Sopa, dinamizada pela Associação Aos Que Sobrevivem (AAQS) e a funcionar no mercado de Monte Sossego, está com a porta fechada desde sexta-feira, 5 de janeiro, após um desentendimento entre o presidente e a coordenadora do projecto. Em causa está um diferendo a nível da gestão do projecto, mais concretamente no uso dos recursos financeiros para apoiar cerca de 100 famílias carenciadas de S. Vicente, sendo 70 de forma directa e 30 indirecta. Por causa deste desentendimento, estas famílias estão sem receber refeições quentes há seis dias.

A criação desta associação sem fins lucrativos, de acordo com o extrato publicado no Boletim Oficial, data de outubro de 2013, ou seja, há uma década.  Surgiu da iniciativa de um grupo de 14 pessoas anónimas, a maioria de uma mesma família, que se juntaram para criar esta entidade, com o intuito de ajudar as famílias carenciadas, com a oferta de refeições quentes. Desde então tem vindo a funcionar normalmente, salvo por dois roubos, sendo um em dezembro do ano passado em que levaram equipamentos e mercadorias destinados à confecção de alimento para dezenas de pessoas que dependem da instituição para terem uma refeição quente, de acordo com a coordenadora Luísa Helena. 

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Mas, a “gota de água” que fez transbordar a paciência tanto da cozinheira como desta responsável foi uma alegada ingerência do presidente na gestão da associação. Segundo Luísa Helena, a instituição assinou um contrato-programa com o Governo, através do Ministério da Família e Inclusão Social, que expirou em finais de dezembro. Tendo em conta este timing, e porque trabalham em regime de voluntariado, decidiram entregar cestas básicas às famílias, até o retorno, que deveria acontecer no dia 03 de janeiro. “Entretanto, tendo em conta alguns desentendimentos que têm vindo a acontecer com o presidente, a cozinheira pediu demissão e eu entreguei as chaves da sede logo de seguida.”

Em causa, explica, as tentativas de imposição do presidente da AAQS sobre a gestão do contrato-programa assinado com o MFIS que, do seu ponto de vista, colocavam em causa todo o trabalho feito até agora. “Quando criamos esta associação, sentimos a necessidade de ter alguém no exterior para nos representar e garantir algum subsidio para assegurar a Casa da Sopa. Nesta altura, Carlos Alberto do Espirito Santo se disponibilizou e foi eleito presidente e eu fiquei como vice. No entanto, eu tinha uma procuração que me dava plenos poderes para representar a associação. Desde então, o presidente e outros membros em Luxemburgo enviam mensalmente 200 euros. Já em São Vicente fomos firmando algumas parcerias, por exemplo com a Moave e a Fama, e voluntários, que nos davam donativos”, detalha Luísa Helena, frisando que o projecto é sustentado basicamente por voluntários.  

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Beneficiários recebem refeições quentes na Casa da Sopa

Paralelamente, refere a coordenadora da Casa da Sopa e vice-presidente desta associação, conseguiu aliar outras instituições e a submeter projectos para conseguir mais apoios. E ganhou alguma credibilidade. “Durante os primeiros cinco anos, o presidente não veio para S. Vicente uma única vez. Quando ele decidiu vir, a associação tinha duplicado a sua dimensão. Durante a pandemia da Covid, por exemplo, conseguimos assinar um contrato com a União Europeia, que nos permitiu ajudar cerca de 80 famílias. Conseguimos alguma sustentabilidade e ampliamos o nosso trabalho. Todos os passos foram dados a conhecer ao presidente. Também conseguimos apoios da Garantia e do MFIS, sendo que este último se traduziu na assinatura de um contrato-programa em 2022. Foi cerca de 800 contos e prestamos todas as contas, a ponto de ganharmos um segundo contrato-programa.”

Foi a partir de então que, segundo Luísa Helena, o presidente anunciou a sua intenção de regressar ao país para vir concretizar os projectos. Esta garante que não manifestou nada contra, desde que fosse ele a assinar os contratos-programas, tendo em conta que é o representante e cabe-lhe qualquer responsabilidade da gestão do mesmo e prestação de contas. “Para trabalhar com o MFIS temos de estar devidamente autorizados e obrigados também a prestar contas. O presidente só conseguiu vir para S. Vicente em finais de outubro. Entretanto, recebemos a primeira tranche, no montante de 450 mil escudos, e prestamos todas as contas. Foi depositada a segunda tranche e prestamos as contas, e ficamos a aguardar a terceira para cumprir o contrato na integre. Foi quando ele chegou e tentou impor condições extremamente graves.”

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Instada a clarificar que tipo de imposições este tentou fazer, Luísa Helena conta que, por exemplo, o presidente sugeriu a redução do montante das ajudas atribuídas às famílias, com o argumento de que a associação precisa poupar. “Fui claramente contra porque entendo que o dinheiro não nos pertence. Por outro lado, argumentei que nos comprometemos a auxiliar 100 famílias: 70 de forma directa e 30 indirecta. Mas, do seu ponto de vista, não podemos gastar muito com as famílias indirectas, sendo que estamos a falar de consciência e legalidade.

Faturas falsas 

O desentendimento ganhou novos contornos, de acordo com a coordenadora demissionária da Casa da Sopa, quando o presidente sugeriu emitir faturas falsas. “Rejeitei a proposta e cortei a comunicação com o presidente. A partir de então a nossa conversa se tornou estritamente essencial. Pedi apenas para ele me deixar concluir o projecto, apresentar as contas para serem homologadas pelo MFIS. Foi então que ele mudou de estratégia. Começou a desvirtuar o projecto. Pegou uma chave da despensa emprestada, que nunca devolveu, e começou a contar as quantidades de comidas estavam a serem gastas com as pessoas. Sugeriu deixarmos de distribuir o café da manhã diariamente para apenas três vezes por semana. A cozinheira não gostou e pediu sua demissão,” desabafa Luísa Helena, que alerta para o facto de lidarem com pessoas que praticamente vivem nas ruas, na porta da igreja e nos bairros da ilha.  

Oferecemos um pão a estas pessoas no café e um outro para levarem para casa ou para comerem com a sopa no almoço, perfazendo uma despesa mensal de cerca de 10 mil escudos. Para a maioria dessas pessoas, a sua única refeição quente é feita na Casa da Sopa. São pessoas que vivem maioritariamente sozinhas, da terceira idade, deficientes fora da família ou do lar. A nossa emenda foi desenhada por um nutricionista da Delegacia de Saúde, assente em um protocolo. Não podemos defraudar estas pessoas. Muitas delas fazem despistagem de diabetes, hipertensão, controlo de peso, ou são doentes crónicos ou sero positivos, cuja medicação é controlada pelo Centro de Saúde de Monte Sossego”, sublinha, acrescentando que muitos deles tomam o café da manha, vão para o centro para tratamento ou medicação e retornam para o almoço. Há ainda os que fazem as refeições no Centro de Saúde.

Para além das refeições, prossegue, o projecto contempla a entrega de uma cesta básica mensal com 10/12 quilos de alimentos e um kit de higiene para as famílias que são consideradas famílias directas, pelo que não iria aceitar qualquer ingerência para adulterar este projecto, que funciona há anos. “Por eu ter cortada a comunicação, o presidente constituiu um advogado. Por orientação deste, fiz um levantamento de todos os bens móveis e imóveis da associação e também dos produtos alimentares em stock, após o cumprimento do contrato-programa. Foram entregues ao presidente na presença do advogado. Falta entregar apenas os documentos relativos a terceira tranche do contrato-programa, concluído a 25 de dezembro, porque estou à espera do relatório da contabilidade para enviar para o MFIS, cujo prazo vai até o dia 15 e janeiro. Depois de homologados, farei a entrega ao presidente.” 

Confrontado com este relato, Carlos Alberto Espírito Santo limita-se a dizer que é o fundador da associação, embora não resida em Cabo Verde. Confirma os pedidos de demissão da cozinheira e da coordenadora, que considera natural, e diz estar a trabalhar para voltar a abrir a porta da instituição. “Da minha parte, como é uma instituição de grande importância e benefício para os mais carenciados, estou a fazer o possível para reabrir as portas o mais breve possível. Quando isso acontecer, estarei disponível para prestar mais informações. Por enquanto não vou responder a nenhuma queixa ou acusação. Não é relevante e não têm qualquer efeito”, afirmou, esclarecendo que fundou a associação baseada na necessidade de Cabo Verde e de S. Vicente, em particular. “Não vivo aqui mas, quando regressei, encontrei algo sem condições. É isso que se passa. Não vou responder mais nada.”

Questionado porque esperou dez anos para regressar, Carlos do Espírito Santo explica que veio algumas vezes, mas sempre em serviço e por curtos períodos. Desta vez decidiu permanecer mais tempo e se inteirar do funcionamento da Casa da Sopa, e não gostou do que viu. “Infelizmente ainda não vim para ficar. Estou a fazer contatos para reabrir em breve. Sinto-me mal em falar sobre os problemas que levaram ao encerramento das portas. O importante é reabrir e atender os beneficiários, que são os mais afectados. É por eles que estou a trabalhar. De resto, cada um é livre para falar o que quiser.” 

A 15 de maio deste ano, a Casa da Sopa, pertença da Associação Aos Que Sobrevivem (AAQS), completa 10 anos que estava de portas abertas. A organização foi oficializada a 18 de outubro de 2013, mas só conseguiu abrir as portas no Dia Mundial da Família, seis meses depois. Funciona no mercado de Monte Sossego em duas barracas cedidas pela Câmara Municipal de S. Vicente.  

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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