Maria Salomé Fonseca, 63 anos, sofreu um Acidente Vascular Cerebral há mais de um ano, mas não foi diagnosticado no Hospital Baptista de Sousa, apesar das recomendações constantes do relatório do radiologista. Teve de deslocar à capital, onde finalmente foi confirmado o AVC. Em entrevista ao Mindelinsite, revela que nunca equacionou denunciar esta ou qualquer outra falha do hospital, até ter sido destratada no serviço de fisioterapia do HBS. Ao contrário, procurou o diálogo interno. Apresentou uma queixa e pediu para ser ouvida, junto com a outra parte. A direcção do hospital recusou, com a desculpa de que não pode impor regras “na casa” dos outros. “Decidi fazer esta denuncia para ver se quem de direito tome medidas”.
Maria Salomé conta que aposentou há nove anos, após 35 anos e três meses de trabalho ininterruptos. “Tive um AVC em 2021, mas não fui diagnosticada no HBS. O técnico radiologista apontou no relatório a minha condição, mas a médica recusou aceitar o diagnóstico. Na altura, fiquei satisfeita porque um AVC é algo preocupante para qualquer pessoa. Mas tinha muitas sequelas: desequilíbrio, pernas pesadas, perdas de memória, de entre outros”, diz esta professora, diretora e coordenadora aposentada, hoje obrigada a escrever tudo, inclusive os horários e a forma de tomar a medicação para não esquecer.
Apesar de não ter um diagnostico, pontua, a médica receitou-lhe fisioterapia, até porque perdeu boa parte do movimento da perna direita. Mas, afirma, nesta altura estava em sofrimento e sequer conseguia cuidar de si mesmo. As filhas, que residem na Capital, decidiram levar-lhe para fazer algumas consultas. “Infelizmente não tinha condições física e nem emocionais para fazer uma viagem sozinha. Elas tiveram de procurar uma pessoa amiga, que me acompanhou. Foi a minha salvação porque se tivesse ficado em São Vicente, possivelmente teria morrido a míngua porque diziam-me sempre, não obstante as minhas queixas frequentes e dores, que eu não tinha nada.”
Inconformada pela falta de um diagnóstico, Maria Salomé explica que entrou em depressão. Acredita que esta também era mais uma sequela do AVC não diagnosticado porque, afirma, o orgulho não permitiu a sua médica pedir uma segunda opinião ou então um novo exame. “Por minha iniciativa, solicitei a gravação dos meus exames para pedir uma segunda opinião. Após muita insistência consegui, mas nesta altura estava muito mal que não consegui procurar um outro médico”.
HAN confirma AVC
Na cidade da Praia, prossegue, fez consultas particulares de cardiologia e endocrinologia por ser diabética e hipertensa, mas também de outras especialidades. Também foi acompanhada por um psicólogo, que a encaminhou para um psiquiatra porque precisava ser medicada. Entretanto, o problema na perna direita aumentava e já não conseguia andar. “Não conseguia sair de casa, mas também não tinha animo para tal. A minha situação estava tão critica que minhas filhas decidiram me levar para a urgência do Hospital Agostinho Neto. Cheguei por volta das 23 horas e, de imediato, perceberam a gravidade”, indica Salomé, que elogia a médica que a atendeu, que apelida de “anjo”.
“A médica pediu uma TAC urgente, após avaliar a minha dificuldade para mexer, o meu desequilíbrio, as minhas queixas de dor de cabeça e tontura. Fiz a TAC às 8horas do dia seguinte e, para minha sorte, foi analisado por um neurologista que entrava de serviço no momento, que confirmou o AVC”, conta esta paciente, que esteve dois meses em tratamento na Praia, antes de decidir regressar à São Vicente. “Quis voltar para a minha casa porque entendi que, nesta altura, poderia continuar o tratamento em São Vicente. Estava a espera de uma consulta com uma neuropsicóloga, que me iria ensinar alguns exercício para estimular o cérebro, e também teria de iniciar a fisioterapia.”
Atendimento grosseiro
De regresso a São Vicente, informa, renovou as suas consultas, tendo em conta que era já assistida no Hospital Batista de Sousa por outros médicos por conta de outras doenças. “Tenho bons médicos aqui, que sempre me trataram muito bem. Não tenho qualquer queixa a nível profissional. Agora, questiono o atendimento que alguns fazem, que é grosseiro e sem profissionalismo. Sei que não têm formação nesta área. O problema é que pensam que o hospital é a sua casa e nós, os utentes/pacientes, temos de falar com cuidado para sermos atendidos”, desabafa Maria Salomé.
Mas a odisseia desta paciente começaria após a marcação da fisioterapia, para o dia 29 de maio de 2023. Normalmente, no primeiro dia, revela, fazem apenas uma avaliação, que dura no máximo 10 minutos. No seu caso, diz, no mesmo dia deveria fazer uma ‘urocultura’ às 7 horas da manhã. Devido a dificuldade de locomoção, foi despachada por volta das 8h30, mas optou por permanecer no hospital a aguardar a fisioterapia, às 10 horas. “Circulei pelas imediações e, na hora marcada, fui aguardar para ser atendida. Enquanto esperava, ora sentava ora ficava de pé por causa da dormência na perna direita. Foi numa altura que estava de pé, numa altura em que passava das 11 horas, que a fisioterapeuta chegou e me pediu para sentar. Expliquei-lhe que estava de pé porque estava com câimbra.”
Na sequência, prossegue a entrevistada, a profissional entrou e foi relatar o ocorrido a chefe do serviço, que apareceu logo de seguida na porta e pediu-lhe para aproximar. “Fui tranquilamente e esta começou logo a dizer que estão no hospital para trabalhar e não para brincar e que se não quisesse esperar então que fosse para casa. Fiquei estupefacta porque não tinha feito nenhuma reclamação, apenas informei a fisioterapeuta que estava de pé porque estava com a perna dormente”, relata. E mais espantada ficou quando tentou perguntar se era com ela que estava a falar, e esta responsável informou-lhe que não admitia que levantasse a voz, sendo que estava esganiçada pelo choro.
“Fui enxovalhado e humilhado diante de todos os demais utentes. E eu sequer podia perguntar se estava a falar comigo até porque não tinha reclamado. Apenas recusei a sentar porque estava com a perna dormente. Mas, como têm de castigar quem desobedecer, fui a ultima a ser atendida naquele dia, por volta das 12 horas. Fui julgado, condenada e castigada sem ser ouvida. E, quando fui chamada, sequer tinham lido o meu relatório que dizia que tinha sequelas de AVC. Quando me questionaram, lhes apontei tudo no documento”, explica esta paciente, que lembra não foi ela a marcar a fisioterapia para as 10h, mas a Central de Consultas, que estabelece as regras de funcionamento do HBS.
Erro informático
Relativamente ao horário, diz, tentaram justificar com um “erro informático”, desculpa que Maria Salomé rejeita. “É claro que não houve nenhum erro informático. Mas alguns serviços alteram as regras e não comunicam porque são responsáveis do seu sector. Esquecem que a Central de Consulta é que comanda tudo. Por isso esta desorganização. Vê-se claramente que falta ligação e entrosamento entre os vários sectores. Cada um funciona consoante as suas regras, sendo que as gerais sobrepõe a tudo”.
Segundo esta utente, os pacientes que procuram fisioterapia têm carências físicas, psicológicas, mentais e emocionais. Não podem, por isso, ser recebidos com “pedras nas mãos” pelos profissionais. “No meu caso, foi-me jogado uma bomba. O meu cérebro ficou atrapalhado. Tenho episódios de engasgo, que também é uma sequela do AVC. Felizmente, não aconteceu nada na hora porque poderia sufocar e morrer lá”, desabafa Salomé, que diz ter chorado muito porque se sentiu impotente.
Revoltada, procurou a direcção clinica do hospital para apresentar uma queixa. Porque na altura o HBS estava em processo de mudança de responsáveis, voltou no dia seguinte e fez uma exposição por escrito, no dia 30 de maio. Foi ouvida nos primeiros dias de junho pela nova directora clinica. Na altura, conta, pediu para que as partes fossem ouvidas juntas, um procedimento que diz ter adoptado ao longo da sua carreira como docente e gestora escolar, o que não aconteceu. Voltou novamente ao hospital, mas nunca lhe davam uma resposta. “Elevei a voz e, de imediato, apareceu a nova directora e me convidou para o seu escritório. Mas ela me avisou que tinha apenas dois minutos antes de uma reunião e aproveitou para me dizer que não podemos chegar em nenhuma instituição a falar em voz alta. Porque já estava mesmo chateada, perguntei-lhe se temos de chegar com pezinhos de lã ou com esponja nos pés. Ela então pediu-me para falar ao que, uma vez mais, respondi que gostaria de expor a situação na presença da outra parte, evocando o protocolo dos conflitos.”
Para a sua surpresa, informa, a nova directora respondeu-lhe que o protocolo e as regras do hospital não permite o confronto entre as partes. Esta terá dito ainda que ninguém pode chegar na casa de outra pessoa a impor regras. De seguida, foi então a convidada a retirar-se da direcção. “Percebi que não havia condições para insistir e sai, mas antes informei-lhe que iria para a comunicação social e a sua resposta foi pode ir.”. Entretanto, o facto de não conseguir justiça levou a que, na sua última avaliação psiquiátrica de 22 de junho, o seu médico tenha marcado mais uma sessão para outubro.
Tratamento injusto
Para Maria Salomé, este tratamento injusto esgotou a sua paciência, sobretudo porque é mais um de muitos episódios que vem “engolindo” ao longo dos tempos. Lembra, por exemplo, que em 2006 iria fazer uma cirurgia. Internou-se dois dias antes para os procedimentos preparatórios e, no dia, em plena sala de cirurgia, a então directora clinica deu ordem para suspender o processo, com a desculpa de falta de sangue. Na altura, conta, fez uma exposição à direcção do HBS e marcaram uma nova data. “No dia previsto, para a minha sorte, esta profissional estava como anestesista. Aproveitei para perguntar-lhe se estava a lembrar que eu era, ela confirmou e justificou a suspensão da cirurgia anterior como uma medida para acabar com o favoritismo. Isto porque não sabia que eu estava há dois anos à espera.”
Em 2015, voltou ao hospital com a neta de cinco anos, com vómito e diarreia. Chegou por volta das 16 horas, acompanhada do filho agente da polícia e de uma outra neta de pouco mais de um ano. Durante o processo de triagem, explicou, a enfermeira tentou falar com a criança, que não respondia por estar desgostosa. “Fui tentar explicar o que se passava e esta profissional mandou-me calar a boca e deixar a criança falar. Fiquei sufocada porque não é aceitável a forma como ela falou comigo. Éramos duas pessoas adultas, mas eu podia ser a sua mãe. Tem de haver respeito para com as pessoas.”
Depois de muitas horas no hospital à espera do médico, lembra, o filho agente da PN teve de partir porque iria iniciar o seu turno à meia-noite. Ficou sozinha com as duas crianças. “O médico só foi chamado depois que a situação da minha neta agravou-se, sujando todo a sala da pediatria. A minha neta recebeu alta por volta da 1 hora da madrugada. Sem encontrar uma táxi, saí sozinha com duas crianças, uma no colo e outra a caminha devagar. Felizmente, apareceu um taxi próximo ao OMCV que nos levou para casa. Mas tudo isso aconteceu porque a enfermeira entendeu que o estado da minha neta não era grave para que chamasse o médico de serviço para fazer o atendimento.”
A utente reitera que nunca foi sua intenção expor o que se passa no HBS mas, perante tantas situações, que apelida de “ditadura podre mesclado de democracia”, urge uma intervenção das autoridades, sobre pena dos pacientes continuarem a sofrer nesta instituição, que se diz de referência.