Electra Sul tem prejuízo de 1,1 milhão de contos: PCA considera que roubo de energia atingiu nível de “crime organizado” na Praia
A Electra Norte alcançou um lucro de 377 mil contos em 2022, mas, do outro lado da balança, a Electra Sul voltou a apresentar resultados negativos, que atingiram 1,1 milhão de contos nesse mesmo período, muito por causa da prática sistemática de roubo de energia, em particular na cidade da Praia. O fenômeno, segundo Luís Teixeira, envolve hotéis, padarias, empresas de frio e pessoas particulares da classe média, com a conivência de jovens formados em electricidade e que recorrem a tecnologias sofisticadas.
Os dados constam do relatório de actividades da Electra SA aprovado em assembleia-geral realizada ontem, cujo resultado global foi de 782 mil contos negativos no ano passado, apesar de a empresa ter registado um encaixe positivo de 556 mil contos. Segundo o PCA da empresa estatal de electricidade e água, os 556 mil contos tiveram a ver fundamentalmente com a demanda na ilha do Sal – que registou um crescimento de clientes superior a 20 por cento -, a actualização tarifária, a participação na Cabeólica e a diminuição das perdas de energia em torno de 1,1 pontos percentuais.
“Para se ter uma ideia, cada 1% de energia recuperada representa 150 mil contos”, ilustra Luís Teixeira, indicando que a meta da empresa era diminuir as perdas em 2 por cento, objectivo que não foi alcançado. Mesmo assim, a empresa sentiu esse impacto positivo na tesouraria.
Em termos operacionais, informa o gestor, a Electra produziu em 2022 cerca de 468 Gigawatts/hora de energia eléctrica, sendo 83.2% térmica, 15.4% eólica e 1.4 por cento solar. Isto representa um aumento de 6.2 por cento de energia produzida muito por causa da demanda dos clientes na ilha turística do Sal, que, segundo Luís Teixeira, está neste momento nos níveis pré-pandémicos. Quanto às centrais, tiveram consumos dentro dos parâmetros estipulados pela ARME, assegura Teixeira.
As perdas de electricidade atingiram os 24.4 por cento da produção, o equivalente a 114.5 Gigawatts que não foram cobradas. Luís Teixeira enfatiza que houve perdas técnicas, mas o roubo de energia na ilha de Santiago teve um peso significativo. “A situação em Santiago, mais precisamente na cidade da Praia, é preocupante, com práticas de roubo, furto e fraude cada vez mais sofisticadas. Estamos a falar de pessoas ligadas à classe média, de operadores económicos, ou seja, um fenômeno que já não tem nada a ver com o fraco rendimento das pessoas, mas sim ligado a uma mentalidade. Estamos a falar de famílias da classe média-alta e que andam a cometer esse tipo de crime”, critica Teixeira, para quem é preciso desconstruir a narrativa de que as pessoas roubam porque a empresa não faz a ligação à rede.
Ilustra com o caso do Palmarejo, onde há vários roubos e, no entanto, todas as casas têm electricidade. O caso é tão gritante a ponto, segundo Luís Teixeira, de haver padarias, empresas de frio e até hotéis envolvidos nessa prática. Informa ainda que há também jovens recém-formados em electricidade a fazerem ligações clandestinas em casas e empresas. Usam tecnologia tão sofisticada que fica quase impossível à Eletra provar as fraudes. Isto porque os prevaricadores conseguem desligar o sistema à distância.
São crimes que, diz, lesam a própria economia de Cabo Verde e que precisam ser combatidos. Da parte da Electra, a empresa tem 11 equipas no terreno, mesmo assim não conseguem resolver o problema. Além disso, a empresa já pediu a intervenção de entidades, tendo falado do assunto até mesmo com o Cardeal da ilha de Santiago. O próximo passo será pedir a intervenção da Polícia Judiciária.
No tocante a água, a Electra produziu em 2022 9.7 milhões de metros cúbicos. As perdas representaram 44,1%, um aumento de 3,6 por cento em relação ao ano 2021, que estão relacionadas com roubos, mas principalmente com problemas técnicos. Este caso ocorre fundamentalmente em S. Vicente e no Sal, onde, segundo Teixeira, há mais problemas com as condutas.
Outra situação peculiar tem a ver com a distribuição de água na ilha de Santiago pela empresa municipal AdS. O problema, como explica essa fonte, é que a empresa já tem uma dívida acumulada com a Electra de 2.7 milhões de contos. Um valor “colossal” que tem vindo a aumentar devido a fraca capacidade de cobrança dessa empresa aos clientes. Desde que foi criada a AdS, a dívida é de 400 a 500 mil contos por ano, informa Luís Teixeira. Para ele, essa questão tem de ser resolvida porque foi celebrado um contrato entre as partes.
Reconhece, no entanto, haver um litígio entre a Electra e os municípios, que querem cobrar a empresa pelo uso dos espaços aéreos e subterrâneos municipais. Um impasse que persiste, embora haja mesmo assim câmaras que cumprem com a Electra, segundo Teixeira, como a de S. Vicente.
O relatório de actividades e contas foi aprovado numa assembleia-geral realizada ontem na cidade do Mindelo com a presença dos principais acionistas.