A enfermeira Maria “Jujú” Duarte, funcionária do Hospital Baptista de Sousa, confidenciou ao Mindelinsite que faz cinco anos que está à espera da conclusão do seu processo de aposentadoria. Para ela, esperar tanto tempo, e sem ter ainda a mínima noção de quando vai passar a usufruir do direito à reforma, é o fim da picada. E o pior é que padece de problemas cardíacos, tendo sido evacuada cinco vezes para tratamento em Portugal nos últimos cinco anos. “É o fim da picada, como dizem os brasileiros, algo ridículo, angustiante, que ultrapassa a razão”, desabafa.
Publicidade
Com 65 anos de idade e 40 de serviço prestado ao sistema de saúde pública – entre 1978 e 2018 -, a enfermeira Juju já tentou mover montanhas para saber por onde anda o seu processo, mas só se depara com informações desajustadas. Isto quando consegue falar com alguém na cidade da Praia. É que o seu processo foi remetido para a Capital desde 2018, quando completou os 60 anos de idade, mas ninguém lhe consegue dizer com certeza absoluta se está travado no Ministério da Saúde ou no das Finanças.
Desde 2018, ano em que foi evacuada pela primeira vez de urgência para ser submetida a uma cirurgia no coração, que Juju, como é conhecida, tenta obter a sua reforma. Tinha completado 60 anos de idade e, à beira de usufruir da aposentadoria, acabou por adoecer com gravidade. “Fui fazer um exame médico em junho de 2018 e fui enviada para casa para ser evacuada com urgência. Mas, antes de viajar, pedi que dessem início ao meu processo de reforma porque já tinha idade e ultrapassado o tempo normal de serviço prestado”, relata.
Assim que regressou de Portugal, onde foi submetida a uma operação, a enfermeira tentou saber novidades do seu processo, mas sem sucesso. Entretanto, no dia 18 de fevereiro de 2019, diz, os recursos humanos do Hospital Baptista de Sousa acabaram por fazer um requerimento para o Ministério da Saúde reforçando o seu pedido de reforma. Vendo o tempo a passar sem nenhum sinal no horizonte, Juju começou a fazer contactos para saber o que se passava. Contactou o ministro Arlindo do Rosário, deputados, o Provedor de Justiça, pediu a pessoas amigas residentes na cidade da Praia para irem aos serviços centrais, fez centenas de chamadas telefónicas para números que ninguém atende… Entretanto, ficou a saber de uma colega que costumava telefonar para a administração pública que o processo “estava a andar” e que aguardava “apenas” a publicação no Boletim Oficial. “Falsas esperanças”, conclui.
Cansado de ver a mãe “embrulhada” nesse redemoinho, e ainda mais doente, o filho Jair Duarte tentou ajudar. Tomou a iniciativa de passar a telefonar para os tais números que ninguém atende. Quando viu que era perda de tempo, pediu à sua esposa que estava na cidade da Praia para tentar saber algo junto dos serviços. “Falei até com pessoas ligadas ao Governo que telefonaram para o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças e não conseguiram saber onde está o processo. Houve uma amiga que fez um contacto para o Ministério das Finanças, alguém disse-lhe que receberam o processo, mas que precisava acertar um detalhe e que devolveu o dossier para o Ministério da Saúde. Agora dizem que não sabem quem tem o caso. Afinal das contas onde estamos? O que anda a fazer todo esse pessoal que trabalha nessas instituições?!”, critica.
Segundo Jair Duarte, há uma clara desorganização e excesso de burocratização no tratamento de procedimentos normais na administração pública e quem paga a factura é quem não tem culpa. “Se não encontrarem o processo a minha mãe fica sem a sua reforma?”, pergunta. Esta fonte quer saber se a mãe será ressarcida de todos os descontos que continua a fazer no seu salário desde 2018. “Ela vem recebendo o salário, mas deveria era estar reformada”, frisa.
Embora inconformado com a situação, Jair Duarte diz que não resta outra saída senão ter a esperança de que as coisas vão ser esclarecidas um dia. Entretanto, diz, vão continuar lutando e a recorrer das armas que tiverem à mão. Neste caso foi relatar o caso ao Mindelinsite para ver se a notícia irá surtir algum efeito.
Processo devolvido ao Ministério da Saúde pelo Tribunal de Contas
Abordada por este jornal, Sofia Lima, Directora Nacional da Administração Pública, foi apurar o que se passava, tendo ontem remetido ao Mindelinsite o historial do processo em causa. Os dados obtidos junto do Serviço de Segurança Social indicam que o pedido de tempo de serviço da referida enfermeira deu entrada na DNAP no dia 24 de março de 2021. Logo no dia seguinte, o processo foi despachado para contagem de tempo. Porém, devido a não conformidade entre a declaração que deu origem e a certidão do Ministério das Finanças, foi devolvido para o Ministério da Saúde para efeito de rectificação em 26 de março desse ano.
A nota foi, entretanto, respondida pelo Ministério da Saúde em 26 de maio de 2021 com a certidão devidamente corrigida. Deste modo, a Segurança Social concluiu a contagem do tempo logo no dia seguinte, que foi validada pelo Director Nacional da Administração Pública no dia 7 de junho desse ano. “Após assinatura da contagem teve despacho do director do serviço para análise e cálculo da pensão no dia 9 de junho de 2021, que foi concluída e validada pelo director da DNAP em 22 de junho. Logo no dia seguinte foi enviado para cabimentação no Ministério das Finanças, tendo regressado no dia 7 de julho de 2021”, acrescenta a DNAP.
Deste modo, o processo foi submetido ao Tribunal de Contas no dia 12 de junho para efeito de visto. Só que o mesmo não foi visado, pelo que acabou devolvido pelo TC para a DNAP, que tomou conhecimento da medida no dia 6 de agosto. A nota, conforme a DNAP, foi respondida ao TC no dia 22 de setembro de 2022, acompanhada de uma certidão do Ministério das Finanças e uma declaração do Ministério da Saúde, mas esses documentos não atenderam ao pedido. É que o Tribunal de Contas estava a solicitar a desgregação das remunerações acessórias recebidas pela enfermeira pelos serviços prestados nas urgências e chamadas e que fosse feita a rectificação dos salários acessórios emitidos pelo MS relactivos aos dois últimos anos de serviço prestado, especificamente de janeiro de 2019 a dezembro de 2020. Isto porque as informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde diziam respeito a 2017 e 2018, este o ano em que, segundo Maria Duarte, completou 60 anos de idade e deu entrada ao seu pedido de reforma.
Assim sendo, o processo continua incompleto, a aguardar o documento solicitado ao Ministério da Saúde pelo Tribunal de Contas.
Maria Duarte começou a trabalhar no dia 3 de março de 1978 no projecto PMI, onde ficou por 10 anos como auxiliar de enfermaria. Em 1986 concluiu o curso de enfermagem e ficou colocada no bloco operatório do hospital de S. Vicente como ajudante de cirurgia. Passou depois a chefe do bloco operatório, função que exerceu por diversos anos. Mais tarde passou a trabalhar na sala de parto, um serviço que há muito a fascinava. E foi logo nomeada como responsável desse departamento. Entretanto, por conveniência do HBS passou a chefiar a enfermaria quando foi diagnosticada com um problema cardíaco e evacuada de urgência para tratamento. Acabou por meter o seu processo de reforma, mas, decorridos cinco anos, aguarda o desfecho do caso.