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Marichica, a primeira cabo-verdiana a emigrar para Itália na década de 1960 – Primeira parte

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Numa altura em que se assinala os 60 anos da presença da comunidade cabo-verdiana na Itália, trazemos aqui a história da pioneira Maria Francisca, mais conhecida por Marichica. Esta odisseia está em todos os documentos sobre a emigração de Cabo Verde para aquele país europeu. Esta mostra que o primeiro núcleo representativo que instituiu e oficializou a emigração cabo-verdiana para Itália teve origem em S. Nicolau. Foi em 1963, que as primeiras jovens viajaram, através de padre Gesualdo. Mas a primeira mulher a chegar à cidade de Roma foi Marichica, natural de Povoação – Santo Antão. Marichica faz parte de uma série de entrevistas realizadas entre 2006/2008 que Mindelinsite vai publicar nos próximos tempos para agradecer, celebrar e homenagear todas as mulheres cabo-verdianas que chegaram à Itália nos anos ’60. “Fui eu quem abriu o caminho para Itália. Fui a primeira cabo-verdiana a emigrar para trabalhar naquele país em 1960. Antes de mim, ninguém tinha ousado. Tenho ainda comigo o documento da Embaixada de Portugal em Itália, onde está escrito a data da entrada no país, 10 de Novembro de 1960”, exibe, orgulhosa.

Por Maria de Lourdes de Jesus

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Como nasceu a ideia de viajar para a ilha do Sal?

Quando eu tinha 14 anos chegou a Santo Antão um senhor que estava à procura de jovens bonitas para ir trabalhar no Hotel Atlântico. Eu e outras meninas fomos selecionadas. Senti-me gratificada. Naquele tempo era um luxo sair para fora de Santo Antão para ir trabalhar num hotel que nem todos podiam sonhar: Minha mãe aceitou a proposta, tomei o barco para S. Vicente e depois para Sal. Quando cheguei havia outras meninas da minha ilha a trabalhar no hotel. Eram todas muito bonitas. 

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Qual era o tratamento e as condições de trabalho?

Não tínhamos direito de sair do hotel, mesmo depois de ter terminado o trabalho. Se descobrissem que alguém tinha saído, no fim do mês tínhamos que descontar uma multa. Eu nunca paguei porque não era habituada a estar fora de casa. Por isso ficava sempre no hotel, sem nenhum problema.

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Marichica em Cabo Verde

– Como surgiu a ideia de emigrar para Itália?

No hotel conheci o comandante Alfredo Buonsignore, que gostava muito da minha maneira de trabalhar. Foi ele que me fez a proposta de ir trabalhar na casa da sua família em Roma. Pensei muito, mas depois de acertar com a minha mãe, aceitei ir trabalhar durante alguns anos com a família do comandante. Não tinha que preparar nada. Só fiz o passaporte. Viajei directamente para Itália com o comandante até chegar à sua casa, a trabalhar como empregada doméstica. Deveria ter mais ou menos 30 anos.

– Como conseguiu adaptar-se nessa família?

Quando cheguei a Roma a senhora comprou-me roupa de frio porque era inverno. Não saía de casa porque não havia ninguém de Cabo Verde, não falava a língua, não sabia onde estava e tinha muitas saudades da minha terra. Ainda bem que este casal tinha uma filha pequenina que me ajudou muito na aprendizagem do italiano e também na companhia. Eu falava em português e ela em italiano. Fui eu que eduquei essa miúda como se fosse a mãe dela. Passávamos muito tempo sozinhas. O trabalho que fazia era o de casa, o habitual, que sabia muito bem como fazer. Nos domingos escrevia à minha família e depois ia colocar a carta no correio na Estação Termini. 

Mural na cidade de Povoação – Santo Antão

– E que dificuldades teve de enfrentar?

O primeiro problema que tive foi com a comida. Não gostava de pasta, queijo e essas coisas que lá comiam. ‘Ca era muito sabe’. Mas o patrão viajava sempre para Cabo Verde e, na volta, trazia-me sempre produtos da terra: midje, peixe seco, mandioca, banana verde, manga e assim podia cozinhar comida cabo-verdiana. A primeira vez que saí de casa foi quando a senhora levou-me a visitar a Basílica de S. Pedro. Nos outros dias da semana, eles combinaram com a mulher do porteiro da casa para acompanhar-me a visitar a cidade e comprar algumas coisas nas lojas que me serviam. Cada dia conhecia um lugar diferente. Também aprendi muitas coisas com a mulher do porteiro.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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