Transitários acusam Governo de fazer contra-informação ao garantir desembaraços mais baratos
Os transitários acusaram hoje o Governo, na pessoa do Ministro das Comunidades, de estar a fazer contra-informação ao garantir desembaraços de pequenas encomendas mais baratos e menos morosos. Sandra Leite Lima falava à imprensa no Mindelo em nome dos transitários de São Vicente, no âmbito da entrada em vigor da nova Lei de desalfandegamento das encomendas no dia 1 de Setembro, esgotadas que foram todas as possibilidades de pedir esclarecimentos às instituições envolvidas. “Nenhum transitário de Cabo Verde está em condições de aplicar este novo modelo. Em SV somos cerca de duas dezenas e precisaríamos de igual número de armazéns”, afirma.
De acordo com esta porta-voz, este novo modelo de desalfandegamento existe desde 2010, mas foi reforçado com uma nova portaria. Mas o que está a causar preocupação e indignação a esta classe é a afirmação feita por Jorge Santos, que disse que o pertence vai deixar de existir e a carga vai ficar mais barata. “Gostaríamos que a tutela nos dissesse que contas fizeram para chegar a conclusão de que a carga vai ficar mais barata. Também que nos esclarecesse quem vai assumir efectivamente a função de transitário, se o pertence vai deixar de existir”, interroga Sandra Lima, realçando que, com este novo modelo, os transitários terão de armazenar a carga em espaços próprios, o que implica mais custos.
É que, até então, segundo esta interlocutora, os transitários de São Vicente tinham os armazéns da Enapor como fiel depositário da carga dos outros. “Agora temos de receber e levar os contentores para os nossos armazéns. Significa custos de transporte, de manuseamento de mercadorias, de arrendamento, de entre outros. Se um pertence de um tambor custa actualmente dois mil escudos, mais ou menos, a partir de agora vai aumentar para seis mil escudos ou mais”, detalhou Sandra Leite, para quem as afirmações feitas pelo Ministros das Comunidades, sobretudo nas redes sociais, não passam de contra-informação ao povo, que não correspondem a verdade.
Preocupados, os transitários marcaram para a manhã de hoje uma reunião com diversas instituições do Estado sediadas no Mindelo, no caso Alfândega, Enapor, Instituto Marítimo e Portuário, Ministério do Mar, Responsável das Receitas, que acabou por ser cancelada por falta de quórum. Isto porque a Alfândega alegou que o seu director não poderia estar presente por se encontrar de férias e não nomeou substituto. Quanto aos restantes, com excepção do administrador do Porto Grande, não confirmaram presença. “Chamamos a imprensa porque já esgotamos tudo. E estamos perante uma contra-informação feita pelo Ministro das Comunidades, que garantiu que os pertences vão ficar mais baratos e as coisas vão ser simplificadas com entrega da encomenda na casa do cliente.”
Leite diz não ver problema em entregar a encomenda na casa do cliente. Aliás, diz, não era preciso um novo modelo de desembaraço para o efeito. Pede, entretanto, garantias ao Ministro das Comunidades que os armazéns dos transitários não serão assaltados. “Têm noção de quando o pessoal souber que num determinado armazém tem mercadorias vindas dos EUA armazenadas, o que vai acontecer?”
Falta de espaço na Enapor
Para os transitários, a justificação de falta de espaço na Enapor não colhe, até porque, em 2010, o Governo arrendou um armazém para a Atunlo e, agora, cedeu a Central de Pequenas Encomendas para a FIC. “O que nos parece é que as pequenas encomendas que vêm da diáspora se transformaram num incomodo para o Governo. Aliás, gostaríamos que nos dissessem quais contas fizeram para chegar a conclusão que o sector contribui apenas com 1% das Receitas do Estado, sendo certo que o envio de carga sustenta todo o comércio informal do país, famílias e os próprios transitários geram empregos”,enfatiza Sandra Leite.
Outra preocupação manifestada pela porta-voz dos transitários de SV tem a ver com o facto de a Enapor não dispensar os encargos. Ou seja, os transitários vão continuar a pagar o exame prévio da carga. “Pagamos 500 escudos por volume. Se vamos passar a receber e levar a carga para um armazém próprio, não se entende porque teremos de pagar o exame prévio feito pela Enapor. Estão a encarecer a mercadoria, entretanto ficam a fazer populismo e demagogia, a desinformar a população e podem estar a criar embaraços, nomeadamente às comunidades do Fogo e Brava que, como sabemos, todo o seu comércio gira a volta daquilo que vem dos EUA.”
Lembrou, por outro lado, que em fevereiro, a quando da primeira reunião, foi dito aos transitários que seria lhes cedido um espaço da Enapor para a aplicação do novo modelo de desembaraço de encomendas, mas agora o Governo recuou. “Como é que os transitários vão desalfandegar um contentor cuja carga pertence a terceiros? E a carga cativa? O que vamos fazer para a carga que terá de seguir para outras ilhas?”, insiste a porta-voz dos transitários, que se escusa de falar da vigência e validade desta lei de 2010, mas faz questão de vincar a sua eficácia social, para concluir que as comunidades não estão preparadas para a sua aplicação.
“Se estivesse, esta lei teria sido aplicada há mais tempo. Por isso pergunto, como é que a nossa comunidade vai reagir quando os transitários lhes informar que o desembaraço de um tambor vai custar seis mil escudos, sendo que já pagam mais de 100 euros pelo recipiente, compra os produtos para o encher e ainda paga o frete. É inaceitável”, desabafa, aproveitando ainda para criticar pessoas com responsabilidade que, diz, tem usado as redes socais para denegrir os transitórios. “Não é aceitável e isso pode ser discutido em sede própria. Estão a mandar o público estar atentos aos transitários porque roubam e depois colocam a culpa na Enapor e na Alfandega. Pessoas com responsabilidade não podem fazer este tipo de pronunciamento.”
Substituir transitários
Os transitários interrogam se a Alfandega quer assumir o seu papel. Isto tendo em conta a declaração do Ministro das Comunidades sobre a eliminação do pertence. Se for o caso, Sandra Leite lembra que esta instituição do Estado tem uma função não apenas de fiscal, mas também social e econômica. Já sobre o novo modelo de desembaraço de encomenda, Sandra Leite é taxativa em afirmar que nenhum transitário em Cabo Verde está em condições de o aplicar. “As autoridades não podem olhar apenas pela facturação, até porque os transitários ficam com a fatia menor do bolo. O grosso vai para os armadores e para o próprio Estado. Então como aceitar uma ideia, que não foi socializada em fevereiro, e agora nos dão um um mês para adaptar ao novo modelo, que implica planejamento e tempo?”.
Por tudo isso, os transitários de São Vicente pedem ao Governo para arrepiar caminho, sob pena de estar a cortar as pernas à esta classe. Agora, se o objectivo é acabar com os transitários, então que digam claramente, sem enrolação. De referir que, num encontro recente com emigrantes na Boa Vista, conforme publicação na sua página no facebook, o Ministro das Comunidades discorreu sobre modelo de gestão das pequenas encomendas e vindo a ideia de ser uma aposta do Governo “eliminar” barreiras. O novo modelo de desembaraço das pequenas encomendas, sublinhou Jorge Santos, está a ser testado, com sucesso, nos principais portos do país – Praia e Mindelo -, mas a sua abrangência é nacional. “Vamos ter um modelo ponta a ponta, que elimina barreiras, reduz a burocracia e simplifica todo o processo de desalfandegamento”, assinalou o governante.