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Opinião

Ah Balói…

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Por: Nelson Faria

Desde que tempo é tempo e existe gente em São Vicente, balói esteve sempre presente. Portanto um traço “cultural” e de caracterização da cidade que tem permitido trabalho honesto, rendimentos, crescimento e sobrevivência de muita gente. Às vezes até mais do que isso. Qual o mal agora de ter balói se sempre fez parte de nós? Porquê dificultar ainda mais a vida difícil que vivemos, neste tempo, a muito boa gente que não tem onde obter rendimentos? Não creio que estas pessoas tenham objetivo de enveredar por vias desonestas para ganhar a vida e muito menos engrossar as fileiras dos mais de dois mil funcionários da Câmara Municipal, o maior empregador da ilha como faz questão de vangloriar quem tem tirado proveito disso.

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Balói está em todas: no festival, no carnaval, nos ensaios de carnaval, na praça, em todos os eventos na Rua d’Lisboa, e não só, nos bairros, nas esquinas, também no Estádio Adérito Sena e campos de “fralda”. Faz parte. Aceitem. Aliás, dizia-me um amigo: “bô sabe k piada de bá oia jôg na comp novo é kel cirviginha gelôd, só assim kis jogo sem piada te fcá sab. Kel convivência e mandá boca é k é tud”.

É verdade, muito do convívio social da fontinha é feita com a cerveja do intervalo ou durante o jogo, num campo onde a proteção de sol FIFA “tchumbal” e luz nô ca nem oial. Ah, um à parte, para fazer paralelo com as latitudes que pensam nos levar com a lei, até nos campeonatos europeus acompanhados pela maior parte das pessoas em Cabo Verde, políticos inclusive, vemos como se festeja e se brinda o futebol com cerveja nos estádios, nos balneários e até em banhos dentro de campo onde o Bayern Munique tem especial destaque. Portanto, não será por uma cerveja que tende a aumentar de preço de forma exacerbada neste contexto, que alguém vai “esmaiar” na fontinha. Com bom senso, tolerância e razoabilidade, é possível organizar a cidade, ter leis justas e adequadas que permitam a sã convivência e o ganha pão de todos.

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Sim, também é verdade que a Lei do álcool, que está em vigor, necessita de ser cumprida e aplicada… Mas, tem sido deveras aplicada como prevê em todos os espaços, meios e círculos sociais? Tem sido fiscalizada com a mesma força e “musculatura” que se viu contra balói no Adérito Sena? Mais, se o objetivo da lei é a redução do consumo do álcool, o que acho bem, qual a sua bondade se num espaço aberto por duas horas, duas horas, se consome duas cervejas e num espaço fechado, caso for essa a vontade do cliente, se consumir várias garrafas ou bebidas de qualidade duvidosa? Não deveria a lei e a fiscalização do seu cumprimento proteger bebidas com qualidade certificada de baixo teor alcoólico em vez de fomentar os de alto teor e muitos de qualidade duvidosa? Quantos bares e barcearias estão situados perto de escolas, recintos desportivos ou outros espaços sociais e vemos consumo na rua, publicidade e exageros com o álcool sem que as autoridades intervenham? Se a lei existente não é aplicável e tem falhas grosseiras quer por não acautelar a caracterização da vida da ilha, o sustento e o ganha pão de muita gente, quer por não poder ser fiscalizada como prevê abrindo espaços a arbitrariedade prejudicando a camada mais desfavorecida, é a lei que deve ser mudada e não quem se sustenta no seu balói.

Não esperem que a mentalidade dos cabo-verdianos e alguns aspetos culturais mudem relativamente ao álcool porque uns tantos iluminados acham que aprovaram a lei mais perfeita do mundo nesta matéria. Todos sabemos que se querem mudar deveras mentalidades relativamente ao álcool e outras drogas tem de seguir outros caminhos que não a repressão conveniente de balói. Há muito mais por fazer, desde a tenra idade, salvaguardando o cumprimento de promessas e propagandas para acautelar expectativas criadas, sobretudo, numa camada juvenil cada vez mais desviada por razões óbvias. Hipocrisia, tem limites.  

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Da atuação policial, nada a dizer. Apenas são pagos para cumprir o seu dever quando solicitados. Pede-se adequação do uso dos meios a cada situação. Todavia, temos de estar cientes que, enquanto agentes da lei, com missão para fazer cumpri-la, devem atuar conforme solicitados. Tenho pena de serem manipulados muitas vezes a conveniência de quem manda. Não legislam, não fazem lei, apenas fazem-a cumprir. Quem me dera que tivessem meios e condições para fazer cumprir todas as leis para todos de forma adequada… Porque há leis não cumpridas descaradamente onde não há atuação dos poderes. Na dúvida, perguntem quem cumpre as leis que quer.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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