Por: Carlos Soulé
Alegando compromissos internacionais e em linha com a tendência internacional, o Orçamento de Estado (OE) para 2022 introduz o Imposto de Consumo Especial (ICE), no montante de CVE 200.000, aplicado aos automóveis novos importados, com motores de combustão interna (gasolina, gasóleo, GPL, etc.).
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Segundo nota explicativa, o Governo informa que, sic” visando uma transição para um setor energético seguro, eficiente e sustentável, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis, garantindo o acesso universal e a segurança energética, definiu, entre outros, os seguintes objetivos:
- A substituição integral de todos os veículos equipados com motores térmicos para veículos elétricos;
- A implementação da Infraestrutura Nacional de Recarga até 2030;
- Garantir que até 2030 todos os veículos da Administração Pública (100%) sejam elétricos.”
Na minha modesta opinião, no caso concreto de Cabo Verde, não se justifica, pelo menos para já, a mudança de veículos de propulsão térmica para a elétrica, por variadíssimas razões, das quais indicamos apenas algumas delas, pelo fortíssimo investimento que requer, nomeadamente:
- No aumento da produção de energia elétrica (EE) e na melhoria das redes de distribuição;
- Na construção de postos de recarga de baterias;
- Na construção e ou/adaptação de oficinas próprias para a manutenção desses veículos, e ainda,
- Em unidades de tratamento e reciclagem das baterias em fim de vida.
O relevo montanhoso de Cabo Verde requer um grande binário para esse tipo de motor, o que aumenta o consumo de energia das baterias, que têm pouca autonomia.
Se a preocupação do Estado é realmente reduzir a dependência de combustíveis fósseis, com o que concordo, então a prioridade deverá passar pela substituição parcial das unidades de produção de energia elétrica, atualmente feita a partir dessa energia (gasóleo – importado e cada vez mais caro) para energias renováveis (eólica, solar, ondas do mar, etc.), disponíveis na natureza.
Um governo tem por missão, entre outros aspetos, gerir da melhor forma a coisa pública e garantir melhores condições de vida aos seus cidadãos. Neste caso em concreto, verifica-se exatamente o oposto, pois o ICE penaliza a importação dos veículos novos e favorece a importação de veículos acidentados (que está em forte expansão), uma vez que estes últimos, para além de beneficiarem fortemente da pauta aduaneira, a eles não se aplica o ICE, se tiverem mais de 4 anos.
A ELETRA é uma empresa que tem uma dívida enorme com o seu fornecer de combustível. Incentivar o consumo de EE não irá aumentar ainda mais essa dívida?
É sabido mundialmente que os países em vias de desenvolvimento e os menos desenvolvidos não poderão acompanhar a implementação dessa medida de mudança para os motores elétricos porque não estão preparados para isso e têm outras prioridades. Por essas e por outras razões é que os fabricantes de automóveis continuarão a produzir os veículos com motores de combustão interna, ainda muito para além da data imposta pela Comunidade Europeia (CE), exatamente para abastecer esses mercados, nomeadamente o africano, o asiático, o sul americano, etc., que apresentam deficiências ao nível de fornecimento de energia elétrica.
A decisão de mudança para veículos elétricos, a nível mundial, não é uma decisão técnica, mas sim política, e sobretudo europeia, e ela não encontra suficiente fundamentação em termos de engenharia. Ela está a ser impulsionada por lobbys fortíssimos, mas tecnicamente não é uma boa decisão – não se justifica. Pessoalmente, não acredito que o futuro dos motores dos automóveis passe pela energia elétrica, pois existem soluções bem mais viáveis, designadamente o fuel cell (hidrogénio).
Países insulares como Cabo Verde não devem e nem podem alinhar nesse pensamento, pelo menos a breve prazo, pois essa não é a solução mais indicada, nem uma prioridade, de momento, para o país.
Acredito que estamos perante uma medida legislativa que convém ser revertida, ou então rever-se a base de aplicação do imposto em causa, que visa, tão só, aumentar as receitas do Estado. À nascença, ela já nos parece defeituosa, carenciada que parece estar de um estudo suficientemente aprofundado sobre as suas reais implicações. Obrigar os automóveis a consumirem EE e produzi-la a partir de energia de origem fóssil, parece-nos um contrassenso.
Ainda não se conhecem os custos operacionais reais dos veículos elétricos, pois existem subsídios para a sua aquisição e para a recarga de baterias (gratuitos até em muitos casos). Todavia, sabe-se já que muitas surpresas desagradáveis têm tido os proprietários deles, nomeadamente na altura das manutenções e substituição das baterias. Muitos proprietários têm preferido desistir desses veículos, deixando-os ficar nas oficinas, na altura da troca de baterias, pois o custo da troca da bateria é superior ao do carro.
Se o objetivo é facilitar a mudança para os veículos de motor elétrico, então devem, a montante, criar-se medidas e incentivos para tal, aplicadas à sua aquisição, em vez de penalizar o que já é fortemente penalizado, não só pelo elevado preço dos combustíveis, como também pelas penosas restrições impostas à importação. Essa medida, ao não atingir os veículos ditos salvados, deixou escapar qualquer coisa, que não entendemos.
A título de exemplo, em função do custo na origem e do transporte até Cabo Verde, um automóvel importado paga, somente em direitos, taxas, impostos, IVA, etc., cerca de 60% desses custos. Ou seja, em Cabo Verde, um automóvel fica quase o dobro do seu custo na origem. Se tiver mais de 4 anos de idade, ainda é mais penalizado.
Desde o período pós-independência, adquirir um automóvel para ser utilizado em Cabo Verde é uma aventura que resulta caríssima, situação que, aliás, já não se justifica, se tivermos em conta que hoje ele é um bem necessário e está disponível a preços acessíveis no estrangeiro. Esse bem, para além de ser gerador de muitas receitas para o Estado, gera muito emprego.
Para concluir, acredito que esta penalização, que vai diretamente beneficiar o negócio de importação dos veículos ditos salvados, deve ser revista ou mais bem fundamentada, pois, tal como está, parece desprovida de suporte técnico aceitável.