AJOC denuncia tentativas de se colocar mordaças aos jornalistas em Cabo Verde
A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) denunciou hoje em conferência de imprensa na cidade da Praia, no Dia da Liberdade e da Democracia, duas tentativas claras que visaram colocar “mordaças” aos jornalistas do país. O primeiro caso, conforme essa entidade, partiu do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, segundo a AJOC, colocou em causa a capacidade interpretativa do jornalista Orlando Rodrigues e o segundo, o mais grave, a constituição como arguido num processo de suposta violação de segredo de justiça do online Santiago Magazine e do jornalista Hermínio Silves, director deste diário digital.
Segundo o presidente da AJOC, a liberdade de imprensa em Cabo Verde não começou da melhor maneira em 2022. É que, afirma Geremias Furtado, em menos de uma semana dois episódios marcaram pela negativa o exercício de um jornalismo livre em Cabo Verde. “Dois episódios que elucidam ações que precisam de um BASTA sob pena de descermos, mais uma vez, os degraus importantes que subimos nestes 46 anos de independência no quesito da liberdade e dos direitos fundamentais num Estado de direito democrático”, constata.
Cita, em jeito de exemplo, o caso do Presidente do STJ que, afirma, colocou em causa a capacidade interpretativa de um jornalista, por sinal muito experiente, mandando retificar uma peça divulgada na televisão pública. Geremias Furtado admite que existe em Cabo Verde e no mundo inteiro o direito de retificação, mas, diz, neste caso entende a AJOC que não se aplica, quando o jornalista interpreta o que foi dito e faz o seu enquadramento. Lembra ainda que não é a primeira vez que esta figura assume comportamentos que ferem com a liberdade de imprensa.
O segundo caso, para a AJOC o mais grave, é a constituição de arguidos num processo de suposta violação de segredo de justiça do diário on-line Santiago Magazine e do seu diretor, Hermínio Silves. “Entendemos que, com esta acção, o Ministério Público pretende colocar uma mordaça nos jornalistas, limitando suas acções e o próprio jornalismo de investigação em Cabo Verde. Uma acção que nos é estranha, uma vez que o jornalista não é abrangido pelo segredo de justiça e, como disse e muito bem o senhor Presidente da República, não deve ser condenado por publicar informações às quais tem acesso, com o único interesse de informar a opinião pública, com a maior transparência possível”, analisa.
Geremias Furtado vai ainda mais longe e diz que, não fosse a imprensa livre e independente, este caso jamais viria a público e cairia no esquecimento, à semelhança de tantos outros. “A sociedade cabo-verdiana deve isso à comunicação social. É o preço de sermos uma sociedade aberta e democrática. Hoje é o Hermínio Silves e o Santiago Magazine, amanhã serão outros, a não ser que se queira um jornalismo dócil e domesticado”, assevera o presidente da AJOC, para quem a liberdade de imprensa e o direito à informação não podem ser prejudicados seja por que forma for, sobretudo quando se está claramente face ao laxismo e desresponsabilização de quem é titular de ação Penal e principal defensor de uma justiça credível, justa e tributária de uma sociedade democrática.
Assegurar o serviço público de comunicação social
Defende o responsável da AJOC que assegurar o serviço público de comunicação social é uma das funções inalienáveis do Estado, tal como a justiça, a educação, a segurança, não podendo de forma alguma ser objeto de afronta ou desprezo por parte das instituições.
“Estamos perante um verdadeiro ataque à liberdade de imprensa e nós, enquanto sindicato que luta pela defesa dos jornalistas e da liberdade de imprensa, vamos lançar um pedido internacional de socorro, fazendo chegar estes episódios aos Repórteres Sem Fronteiras, à Federação Internacional dos Jornalistas e a todas as entidades que forem necessárias, por entendermos que a liberdade de imprensa é indispensável à Democracia e que não se deve aceitar que a mesma seja posta em causa, ainda mais por quem tem o dever e a obrigação de a defender”, afiança.
Geremias Furtado mostra-se igualmente inquieto em saber que, no âmbito do processo de suposta violação de segredo de justiça, Procuradores da República e inspetores da PJ tenham sido alvo de buscas nas suas residência e escritórios. “Esperamos que o jornal Santiago Magazine e o jornalista Hermínio Silves não venham a ser alvo também, o que no nosso ponto de vista iria afrontar ainda mais a liberdade de imprensa em Cabo Verde”.
Furtado lança um apelo aos jornalistas para não se deixarem intimidar e continuarem firmes no exercício das suas funções. Mais: que denunciem as situações que põem em causa a liberdade de imprensa e os direitos do jornalista no país. “Precisamos dar um chega para lá a determinadas figuras da Justiça que, se calhar, pensam que ainda estamos no século XII, em que a Justiça e os seus feitores se encontravam dentro de uma bola de sabão em que não se podia tocar. Mais do que nunca, é hora de nos unirmos e é importante que todos tenham consciência dos perigos que pairam sobre nós!”