Por: Alex Saab
Povo irmão de Cabo Verde,
PublicidadeEstou muito grato pelas vossas manifestações de apoio ao longo do último ano e especialmente nesta última semana. É evidente que há muito acerca do que se passou ao longo do último ano que muitos de vós não estão cientes e, se coubesse ao Procurador-Geral, nunca teriam conhecimento. Permitam-me portanto que vos fale um
pouco mais a meu respeito e sobre como eu, um diplomata legalmente nomeado, fui raptado sob instruções dos Estados Unidos.
Durante toda a minha vida sempre tive um espírito empreendedor. Os meus pais vieram do Líbano para a Colômbia na década de 1960. Eles eram pessoas comuns mas, com muito trabalho e dedicação, construíram um negócio têxtil de sucesso. Os meus pais incutiram em mim e nos meus irmãos valores tradicionais de respeito, justiça, uma ética de trabalho e fé em Deus. Com a idade de 18 anos, fundei a minha própria empresa. Antes de aceitar uma
posição pública em Abril de 2018, as minhas empresas, em diferentes sectores, geraram dezenas de milhares de empregos, quer em Venezuela quer em outros países. Em 12 de Junho, parti de Caracas, Venezuela, numa missão humanitária como Enviado Especial da Venezuela, nomeado desde Abril de 2018.
Senti-me humildemente honrado com a minha nomeação como Enviado Especial da República Bolivariana da Venezuela, em Abril de 2018. Esta função era a de ajudar a Venezuela a superar o perverso e imoral bloqueio económico imposto unilateralmente pelos Estados Unidos. O Presidente Maduro confiou-me esta honra singular porque eu mostrara ao longo de muitos anos que me podiam confiar para concluir contratos governamentais em
tempo oportuno e dentro do orçamento.
Uma grande parte da minha tarefa era estabelecer novas relações comerciais e financeiras com vista a substituir aquelas perdidas devido a ameaça de sanções dos EUA e a intimidação directa. Os EUA consideraram isto como “evasão às sanções”, mas a realidade era que se tratava de uma questão de segurança nacional e de interesse nacional para o governo do Presidente Maduro e, portanto, tinha 1.000% de direito a cumprir o que fosse necessário para assegurar o bem-estar do povo da Venezuela; não temos de prestar contas aos Estados Unidos, ninguém nomeou os Estados Unidos para serem o polícia do mundo e certamente não têm o direito de se imiscuir nos assuntos internos da Venezuela.
Para garantir que eu pudesse cumprir o que me era pedido, como Enviado Especial eu teria direito à imunidade e
inviolabilidade que me permitiriam circular livremente pelo mundo, tal como os diplomatas e os agentes políticos têm feito durante séculos. Subsequentemente, fui nomeado Embaixador da União Africana.
Há que compreender que o papel dos Enviados Especiais não é exclusivo da Venezuela. Não deve ser surpresa para nenhum de vós que o país que nomeou mais Enviados Especiais do que qualquer outro seja os Estados Unidos. Nesse dia, 12 de Junho, quando me encontrava numa missão humanitária especial à República Islâmica do Irão, e o avião em que viajava estava devidamente autorizado por Cabo Verde a aterrar e reabastecer-se. Durante estas paragens técnicas ninguém sai do avião, no entanto um inspetor corporal, chamado Natalino Correia, praticamente arrancou-me do avião dizendo-me que havia um mandado de captura contra mim.
Um mandado que ele nunca sequer me mostrou e mesmo quando me identifiquei como Enviado Especial com imunidade diplomática, ele ignorou-o e fechou-me num calabouço. Algumas horas após o meu rapto, os governos da Venezuela e da República Islâmica do Irão, uma vez informados, confirmaram ao governo de Cabo Verde, através dos canais diplomáticos, a minha condição de Enviado Especial.
O Procurador-Geral de Cabo Verde esperou um ano para “descobrir um erro”, mas aqui estão provas claras de que não dentro de um ano, não meses, não semanas, não dias, mas algumas horas Cabo Verde foi notificado formal e oficialmente de um grande erro e decidiu deliberadamente não intervir. Isto mostra acima de tudo que quando os funcionários do seu governo afirmam que a questão da minha extradição está nas mãos dos tribunais, eles não estão a ser verdadeiros. O Primeiro-Ministro Ulisses Correia fez da minha prisão, detenção e extradição um assunto político desde o momento em que fui retirado do meu avião.
Quando Cabo Verde e os Estados Unidos souberam que eu era um Agente Especial legalmente nomeado, eles sabiam que travariam uma grande batalha judicial. Perceberam que a sua melhor saída era vencer-me e evitar as consequências judiciais de ter prendido um diplomata dotado de imunidade e inviolabilidade. Natalino Correia ignorou os documentos diplomáticos que eu tinha comigo e, depois de me atirar para dentro de uma cela fechada e sem janelas, ele participou ou esteve presente enquanto eu era torturado naquela primeira noite, 13 de
Junho, para me obrigarem a assinar uma “aceitação voluntária de uma ordem de extradição”. Fui ameaçado de morte caso tornasse públicos estes factos.
Em seguida, fui obrigado a passar 48 horas sem comer, torturado e depois levado no domingo perante uma juíza na Ilha de Sal por volta das 14 horas. Essa juíza também ignorou a única coisa que eu podia dizer, que eu era um Enviado Especial da República Bolivariana da Venezuela com imunidade diplomática e que eu dispunha dos documentos que provavam isso. Mas ela só pensou que era urgente para si ir almoçar e em menos de 20 minutos, se a minha memória me serve correctamente, dos quais eu não compreendi quase nada do que ela estava a dizer porque eu não falo português e ela não fala espanhol. Ela disse-o com muita alegria e malícia na cara, como se nada do que eu pudesse dizer, mostrar ou fazer mudaria uma decisão que ela já tinha instruções para executar, de acordo com a minha opinião.
Eu não tive uma audição, não me foi permitido mostrar documentos, nada. Tudo já estava decidido. Na prisão do Sal fui isolado e transferido como um grande criminoso para a ilha de Barlavento. Durante todo este período o governo da Venezuela, bem como de outros países, continuou a lembrar Cabo Verde do meu estatuto de Enviado Especial. Não houve resposta por parte de Cabo Verde.
É evidente que houve a participação de altos funcionários para levar a cabo este rapto. Espero que a justiça do vosso país julgue um dia os responsáveis porque asseguro-vos que eles serão julgados, se não em Cabo Verde, então certamente em tribunais internacionais.
Nos últimos dias, José Landim, o Procurador-Geral da República, admitiu publicamente que não havia um mandado de captura que apoiasse o alegado Aviso Vermelho da Interpol. O documento foi circulado no domínio público e pode-se ver isto claramente. Isto significa que o Aviso Vermelho não tinha validade como base para proceder a uma detenção ao abrigo da Lei de Cabo Verde. Além disso, nenhum mandado de captura foi, ou alguma vez tenha sido,
emitido por um juiz cabo-verdiano local.
De facto, como também sabemos por intermédio do Tribunal de Justiça da CEDEAO, não havia nenhum Aviso Vermelho na altura em que Natalino Corrriea forçou a sua entrada no meu avião. Ele não me “mostrou um Aviso Vermelho”, como ele afirma. O que ele me mostrou foi uma imagem no seu telemóvel e disse que era um “Aviso
Vermelho”. Eu não tenho ideia do que era essa imagem uma vez que ele simplesmente acenou com o seu telemóvel na minha frente durante alguns segundos. Que agente da polícia se apresenta sem um mandado de captura física e uma cópia impressa de um Aviso Vermelho para efectuar uma detenção? Apenas um que está envolvido num rapto por motivos políticos.
José Landim afirma agora estar a rectificar um “erro trivial”, mas o seu “erro trivial” manteve-me detido ilegalmente durante mais de 400 dias. O seu “erro trivial” fez com que eu fosse torturado física e psicologicamente, mantido em isolamento, sem comida, sem cuidados de saúde especializados, sem acesso adequado aos meus advogados, e sem contacto com a minha família. Isto não é um “erro trivial”, mas uma campanha sistemática de motivação
política para me romper mentalmente e fisicamente.
A minha equipa de defensores salientou este e outros erros ao longo de mais de um ano e só agora é que José Landim está a prestar alguma atenção, pois sabe que o Tribunal Constitucional não irá aturar os seus jogos e meias-verdades.
Se José Landim está tão interessado em corrigir erros graves, talvez ele possa explicar porque é que, quando Cabo Verde foi informado dentro de horas do meu rapto que eu sou um Enviado Especial legalmente nomeado, eu não fui libertado assim que “o erro” se tornou conhecido? José Landim pode explicar por que razão, se o Aviso Vermelho foi a base para a minha prisão, como ele proclamou há poucos dias, não fui imediatamente libertado, o Aviso Vermelho foi cancelado em 25 de Junho de 2020 depois de a Venezuela ter contestado com sucesso a sua
publicação?
Todos sabemos porquê – era para permitir aos seus amigos americanos apressar um pedido de extradição para Cabo Verde. Infelizmente para José Landim e seus amigos americanos, eles estavam tão interessados em enviar o pedido de extradição que enviaram o documento com um mandato de captura em nome de OUTRA PESSOA e não no meu! Qualquer pessoa encarregada de defender a lei e a justiça, como José Landim, deveria ter aceite que se tratava de um grave erro processual e ter-me libertado. A minha equipa salientou isto imediatamente mas, devido à natureza política da minha perseguição, e não por se basear em quaisquer questões legais, ele ignorou o erro e continuou a sua obsessiva perseguição ilegal contra a minha pessoa.
José Landim negligenciou deliberadamente estas questões imperdoáveis de motivação política. O problema que ele e o governo de Ulisses Correia enfrentam é que o Tribunal de Justiça da CEDEAO reconheceu estes graves lapsos tanto do direito cabo-verdiano como do direito internacional e em decisões vinculativas a 15 de Março e 24 de Junho e declarou ilegal a minha prisão, ilegal a minha detenção, ilegal o processo de extradição e, portanto, ordenou a minha libertação imediata e o fim do processo de extradição. O Tribunal da CEDEAO também ordenou que Cabo Verde me pagasse 200.000 dólares como indemnização e eu deixei claro aos meus advogados e às autoridades cabo-verdianas que desejo que este dinheiro seja doado a instituições de caridade para crianças em Cabo Verde. Infelizmente, as autoridades cabo-verdianas recusaram-se a pagar este dinheiro.
O Painel da CEDEAO foi liderado pela juíza Januária Costa, uma juíza cabo-verdiana altamente respeitada e a vossa ex-ministra da Justiça. Ela obviamente ignorou as considerações políticas e assegurou que o Tribunal da CEDEAO pudesse ver as violações muito óbvias da lei cabo-verdiana e decidiu que eu deveria ser libertado.
Em 25 de Janeiro de 201 fui finalmente transferido da prisão de Sal para ‘prisão domiciliária’. Infelizmente, a prisão domiciliária como praticada pela polícia do Sal é diferente de qualquer prisão domiciliária em qualquer outra parte do mundo. Eu continuo preso 24 horas por dia, há 50 polícias armados, e eles têm as chaves da casa e entram aleatoriamente na casa a qualquer hora do dia para perturbar deliberadamente o meu sono, não posso trancar a porta do meu quarto, não posso receber visitantes da minha escolha, os meus advogados são revistados ao entrar e sair de casa e os seus documentos são revistos.
Estou rodeado pela polícia e pelo exército em quatro casas situadas nos lados e em frente àquela em que estou
detido. Embora o tempo máximo em que posso ser detido em prisão domiciliária tenha expirado, continuo preso sem qualquer sinal de ter sido libertado. Os meus pedidos de habeas corpus às autoridades para ser libertado foram rejeitados porque elas dizem que eu já estou livre! Como eu disse, a prisão domiciliária em Cabo Verde é diferente em qualquer outra parte do mundo. Ficaria grato aos bons cidadãos e vizinhos meus no Sal se enviassem algumas fotografias ao Supremo Tribunal para o ajudar a compreender que eu não estou livre.
De qualquer forma, como sabe agora, mais de 400 dias após o meu rapto por Natalino Correia e José Landim, o meu caso está em frente ao Honorável Tribunal Constitucional. O Tribunal é respeitado em todo Cabo Verde e espero que os Distintos Juízes tenham tido a oportunidade de compreender, especialmente à luz da confissão do Procurador-Geral José Landim, que os 12 pontos de constitucionalidade que os meus advogados apresentaram (cujos detalhes serão partilhados convosco nos próximos dias) são todos com mérito e coerentes com a posição que não só nunca deveria ter sido preso e detido, como deveria, como o Juiz Costa salientou, ser libertado imediatamente.
José Landim quer que acredite que o meu caso é complexo, mas a realidade é o oposto. Sou um diplomata legalmente nomeado da Venezuela, e, como qualquer outro Estado soberano, é direito da Venezuela quem ela escolhe para a representar. Tal como Cabo Verde seleccionou o cidadão português César do Paço como seu cônsul honorário na Florida, apesar de ter conhecidas ligações a grupos racistas e extremistas de extrema-direita. Ao tentar fazer o que lhe foi ordenado pelos Estados Unidos, especialmente quando todos eles descobriram que eu
sou um diplomata legalmente nomeado, foi precisamente para tornar o meu caso tão complicado quanto possível e assim procurar formas de enterrar a verdade, concordar com ofertas inconstitucionais de reciprocidade e redução de acusações através de Notas Diplomáticas e não a partir de um tribunal e assim por diante.
José Landim amarrou-se a tais nós que por um lado afirma que as decisões do Tribunal da CEDEAO não são vinculativas para Cabo Verde, mas por outro lado participou plenamente no Processo da CEDEAO, tentou que
a decisão de 15 de Março contra Cabo Verde fosse anulada e depois, em 22 de Junho, disse ao Tribunal Constitucional que a minha posição não é clara pois ele “ainda está à espera de uma decisão do Tribunal de Justiça da CEDEAO”! Presumo que quando diz tantas mentiras, é difícil lembrar quais foram ditas a quem e onde!
Reitero que a verdade é que José Landim e Ulisses Correia sabiam desde o momento em que Natalino Correia entrou no meu avião, que eu sou um Enviado Especial legalmente nomeado e que tais pessoas têm direito à imunidade e inviolabilidade. Cabo Verde tem o direito de se opor à minha presença no seu território, declarar-me persona non grata e pedir-me para continuar a minha missão humanitária. Eu não tinha intenção de entrar no território de Cabo Verde e foi a polícia cabo-verdiana que me fez comprar um visto de entrada antes de me levar
para a solitária!
O povo de Cabo Verde é inocente do meu rapto, que foi levado a cabo por funcionários incapazes e não dispostos a seguir a lei e que se submeteram à pressão política de um país com a intenção de prosseguir a sua agenda. Como já disse, qualquer pessoa moralmente decente que esteja finalmente a admitir os seus graves erros (que os meus advogados têm vindo a destacar há 400 dias) deve imediatamente ordenar a minha libertação. Mas José Landim não é claramente uma pessoa assim e pior, está a responder a algo que não seja a Constituição de Cabo Verde. Ainda pior, o Primeiro-Ministro Ulisses Correia permanece em silêncio como a Esfinge – olhando para a distância e fingindo que não tem consciência do caos jurídico que tem permitido desdobrar-se à sua volta.