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Opinião

Um paraíso falho de Justiça

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Por: António Fontes

A morosidade processual e a Denegação de Justiça em Cabo Verde é tão corriqueira,  tão grave e de total conhecimento geral que não se entende porque ainda as Autoridades Competentes (Deputados, Ministra da Justiça e Presidência da República) não se empenharam na luta para a mitigação desse flagelo nacional.

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Sou o cidadão português António Elias Peixoto Fontes, que residiu em Cabo Verde de 2000 a 2007, participando de um projecto empresarial, visando a importação de diamantes em bruto, lapidá-los e comercializá-los. Este projecto, tinha sede na Ilha do  Sal.

Desde então, sigo de perto os acontecimentos e a vivência crioula. Não sendo nacional, porém filho  adoptivo, sinto-me legitimado a acompanhar a vida política, social e económica da grande Nação Cabo-verdiana, posto que apaixonado e auto intitulado embaixador dessas ilhas maravilhosas. Porém, como sempre, não há bela sem senão: fui vítima do sistema judicial de uma forma tão marcante que, se não fosse a força da paixão que nasceu dentro de mim para nunca mais morrer, teria fugido dessa “Nossa Terra”.

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O País e as suas gentes são óptimos, mas os Tribunais e as Procuradorias da República são instituições a serem evitadas, por serem caras, inacreditavelmente morosas, extremamente complicadas e opacas, quase inúteis quando uma pessoa mais delas precisa, constituindo mesmo, na minha opinião, um obstáculo ao normal desenvolvimento económico e social de Cabo Verde.

Só para ter uma ideia da realidade, tenho ainda pendente um processo judicial, simples, fácil e de “coisa pouca”, instaurado em 2007, e que até à data de hoje, volvidos 13 anos, ainda continua por lá pendente sem uma decisão. Foi nesses encontros e desencontros judiciais que, por mero acaso, acabei por ter a honra de conhecer o falecido Dr. Vieira Lopes e ouvir falar do advogado Dr. Rui Araújo, que não conheço pessoalmente.

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“O país e as suas gentes são óptimos, mas os Tribunais e as Procuradorias da República são instituições a serem evitadas, por serem caras, inacreditavelmente morosas, extremamente complicadas e opacas, quase inúteis quando uma pessoa mais delas precisa…”

Ultimamente tenho seguido, desgostoso e contrafeito, o desenrolar de uma série de artigos da autoria do Dr. Rui Araújo, designados por “Praia Leaks”, por meio dos quais vem sendo denunciado, com detalhes e pormenores, factos e circunstâncias relacionados com o escândalo que, anteriormente, o Dr. Vieira Lopes já tinha designado por “A MAIOR BURLA DA HISTÓRIA DE CABO VERDE”, versando sobre supostos roubos de grandes extensões de terrenos pertencentes à Câmara Municipal da Praia e ao Estado de Cabo Verde que foram, segundo ele, fraudulentamente transferidos para privados, com ajuda e participação de um grupo organizado constituído por Advogados, Presidentes de Câmara,  Vereadores, ex-Membros de Governo e funcionários públicos ligados aos Serviços de Registos  e Notariado.

Segundo o Dr. Rui Araújo, a dimensão dos roubos de terrenos é tão descomunal que terão sido fraudulentamente registados em nome de um único privado (Fernando Serra) terrenos equivalentes a 80 Plateaus (80 centros da Cidade da Praia). – Inacreditável!!!

Tendo em conta a gravidade das denúncias, o actual Presidente de Câmara da Praia, Dr. Oscar Santos, veio anunciar ao País que tenciona instaurar um processo crime contra o Dr. Rui Araújo e outras entidades que já tiveram o atrevimento de reproduzir as aludidas denúncias e a impertinência de interpelar a Câmara Municipal a esse respeito.

Anunciando que o caso vai ser entregue aos Tribunais, tenho por mim que esse processo nunca mais será esclarecido, tendo em conta que é muito comum acontecer em Cabo Verde que milhares de processos prescrevem sem nunca terem conhecido uma decisão. Se for esse o caso, é legítimo supor que se trata de uma “Fuga em Frente”, feito ao abrigo e escudando-se por detrás do ineficaz e ineficiente Sistema Judicial, ficando o povo sem nunca mais saber a verdade dos factos, como eu também nunca mais fiquei a saber qual a decisão do meu processo, instaurado contra a poderosa sociedade de importação e lapidação de diamantes designada por CAPEDIAMOND.

No caso dos terrenos, a ser verdade o que tem sido propalado pelo Dr. Rui Araújo, o prejuízo será tão brutal  para o Patrimônio Público do Estado e da Câmara Municipal que poderá atingir, segundo ele,  cifras astronómicas, superiores a 1.500.000.000$00, se calculados pelo valor actual em função  da área total em metros quadrados.

A morosidade processual e a Denegação de Justiça em Cabo Verde é tão corriqueira,  tão grave e de total conhecimento geral que não se entende porque ainda as Autoridades Competentes (Deputados, Ministra da Justiça e Presidência da República) não se empenharam na luta para a mitigação desse flagelo nacional. Há quem afirme que o sistema judicial não vai clarificar o caso concreto dos supostos roubos de terrenos na Cidade da Praia dentro de um prazo razoável e aceitável, devido a jogos político-partidários. Tem sido afirmado que nenhum dos dois Partidos Políticos do arco do Poder, ou seja MPD e PAICV, nunca deixaram (no passado) e nunca deixarão (no futuro) que se faça uma verdadeira reforma do sistema judiciário em Cabo Verde, precisamente para possibilitar a prescrição ou retardamento de determinados processos que lhes são incómodos. 

Aponta-se como exemplo máximo da ineficácia e ineficiência do sistema Judicial um advogado originário da ilha de Santo Antão, ex-Deputado Nacional do PAICV e líder desse partido em Ribeira Grande de Santo Antão, residente na ilha do Sal, ter, desde 2010 até à presente data, sido constituído arguido em mais de duas dezenas de crimes, incluindo crimes supostamente cometidos contra juízes do Supremo Tribunal de Justiça, ( Dr. Benfeito Mosso Ramos e Dra. Maria de Fátima Coronel) e outros juízes membros do Conselho Superior de Magistratura Judicial (Dr. Bernardino Delgado, Dr. Ary Spencer Santos, Dr. Afonso Lima Delgado) e, no entanto, volvidos  10 anos, nenhum desses processos terá chegado ao fim, promovendo, assim, ou a impunidade de uns e a desresponsabilização de outros. 

“Tem sido afirmado que nenhum dos dois partidos políticos do arco do Poder, ou seja MPD e PAICV, nunca deixaram (no passado) e nunca deixarão (no futuro) que se faça uma verdadeira reforma do sistema judiciário em Cabo Verde, precisamente para possibilitar a prescrição ou retardamento de determinados processos que lhes são incómodos.”

A situação é tão degradante que o aludido  advogado chega a publicar artigos de jornais apelidando determinados juízes de serem “Gatunos” e “Aldrabões”, sem que tenha havido uma reacção adequada por parte das instituições e entidades visadas. 

No caso da suposta “Maior Burla da História de Cabo Verde”, pessoalmente recuso-me a acreditar nas denúncias que têm sido feitas pelo Dr. Rui Araújo por serem demasiado escabrosas e tenebrosas, sendo quase impossível fazer prova dos assustadores factos denunciados, sobretudo no que se reporta ao alegado assalto aos livros das Matrizes Prediais da cidade da Praia para transferir milhares de hectares de terrenos que antes pertenciam à Câmara Municipal e ao Estado de Cabo Verde para um grupo de senhores privados. Não acredito que isto possa acontecer no “meu Cabo Verde”. Todavia, independentemente de eu acreditar ou não, cumprirá aos senhores Deputados Nacionais, bem como à Procuradoria-Geral da República clarificar a veracidade ou não de tais denúncias, porém, terá de certo de ser feito dentro de um prazo razoável de 6 meses e não daqui a uma década, sob pena de todos os filhos (naturais e adoptivos) de Cabo Verde deverem começar a ficar preocupados no que se reportar à eficácia do Sistema Judicial para a Defesa dos Superiores Interesses do Estado de Cabo Verde;

Confesso que, como filho adoptivo, continuarei a visitar minha “Terra-Madrinha”, mas terei sempre dificuldades em me aventurar a fazer negócios ou participar em projectos empresariais em Cabo Verde, precisamente por não ter a garantia de uma Justiça séria, célere e eficaz.

Lisboa, 21 de Julho de 2020

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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