Temp margose!
Por: Nelson Faria
Não está fácil. Nada fácil. A situação da pandemia aliada às demais politiqueiras habituais e da circunstância, que tendem a agudizar-se com o aproximar de um período eleitoral que levará uns bons seis a sete meses, apimentado com a discussão sobre o EEP, da forma como ocorreu e como terminou, com todas as consequências e ilações daí advenientes, parece que estamos condenados a não nos entender. Nem tolerar, quanto mais entender. Vivemos num “temp margose”.
Radicalismos, expertise conveniente, bairrismo puro, de todos os lados, inclusive de detentores de cargos políticos, ofensas, ameaças, insultos, é o que se tem visto em abundância. “Lugar ca ta sab”. Já agora, e o Saab? Se calhar, nem deveria mencionar.
Racionalidade, compreensão, respeito, tolerância, empatia, pelos vistos, terão de aguardar. Espero que não se percam no labirinto desta conjuntura de incertezas. Entre o branco e o preto, há o cinzento e um arco-íris, entre o contra e o a favor, legítimo em democracia, há abstenção, há justificação, há argumentos e há vivências que devem ser compreendidas, toleradas e respeitadas, mesmo, ou sobretudo, na esfera político-partidária. Concordar não é um imperativo, respeitar, sim, é. Argumentar necessário, tolerar imprescindível. Infelizmente, tem faltado luz…
“Radicalismos, expertise conveniente, bairrismo puro, de todos os lados, inclusive de detentores de cargos políticos, ofensas, ameaças, insultos, é o que se tem visto em abundância. “Lugar ca ta sab”.
Não vejo mal nenhum em cada um gostar primeiro e mais de onde nasceu, cresceu, viveu, ou de outro lugar qualquer com a qual se identifique. Não vejo mal nenhum em amar as particularidades do nosso torrão e querer o melhor para ele. Não vejo mal nenhum em alguém se identificar primeiro com a sua família, seus parentes, seus amigos, seu bairro, sua cidade, seu país. Porém, o egocentrismo, a soberba e a ganância, exacerbadas, sendo pelo bairro, pela clubite partidária, pelas conveniências e interesses, torna-se pernicioso e mina o todo. De que vale alimentar a hipocrisia e o cinismo da união e da solidariedade de uma nação, de um país, se não efetivada em ações? De que vale afunilar as desigualdades existentes com o meu vizinho
De que vale obrigar o meu vizinho mendigar, humilhar e ajoelhar perante mim? De que vale impor o meu pensamento ao meu vizinho? Afinal sou superior a quem? Nascemos iguais, morreremos iguais. Ele tem os mesmos direitos que eu tenho de ter o melhor que puder, de dizer o que pensa, de ter as suas preferências, de viver em liberdade…
Deveríamos saber nos reconhecer como semelhante, divergentes no que nos separa, convergentes no que nos une… E se soubéssemos priorizar e partilhar? Se a gestão do que é de todos fosse pensada e gerida desta forma? De e para todos? Se esta premissa fosse interiorizada, não tenho duvidas que estaríamos no caminho de sanar e ultrapassar muitas das nossas diferenças. O respeito pela diversidade, pelas diferenças, reconhecendo o que nos torna iguais e nos une, o valor de cada um e de todos juntos, com certeza, em muito contribuiria para sairmos da encruzilhada em que nos encontramos.
“Não vejo mal nenhum em alguém se identificar primeiro com a sua família, seus parentes, seus amigos, seu bairro, sua cidade, seu país. Porém, o egocentrismo, a soberba e a ganância, exacerbadas, sendo pelo bairro, pela clubite partidária, pelas conveniências e interesses, torna-se pernicioso e mina o todo.”
Com pão para todos, ninguém ralha e todos têm razão. Mas, parece que não. Teimosamente continuamos a trilhar o caminho de sempre com os mesmos resultados, ou piores. Por isso, facilmente podemos constatar que com extremos, com extremismos, com falta de cultura democrática e ações que nos unem de facto, não chegaremos lá. Temo e tenho pena que este caminho se revele como nosso fim. Mas, sou positivo. Espero por dias melhores!
Temo que continuemos a alimentar o jogo do poder, dos votos, do ódio e ressentimentos, da ganância, da arrogância e da prepotência de pensamento único, desta forma. Na minha idade adulta, nunca a lucidez, o bom-senso, a tranquilidade e o equilíbrio foram tão necessários. É esta a hora para demonstrarmos realmente se somos uma nação una, que, apesar das diferenças, sabe se unir sobre o essencial e não escudarmos apenas na bandeira e hino nacionais; é hora de demonstrarmos o quão democrata somos realmente e não escudar apenas em datas e formalidades.
Que cada um saiba guiar a sua consciência, sua postura e seus atos numa conjuntura que tenderá a piorar por causa da COVID-19 devido as consequências sanitárias e sócio-económicas que aí vêm. Se o cenário atual não é favorável, não me dá prazer nenhum em dizer isto, a previsão é de que vai mesmo piorar. A pandemia está viva e ativa e é sobre ela que deveríamos todos nos concentrar para combate, dos cidadãos aos governantes, das ilhas ao país, dentro do que nos cabe e é possível fazer.
Para sobrevivemos como irmãos e como nação as nossas ações e o nosso foco devem ser outros, não as querelas político-partidárias, não as nossas diferenças e pontos de discórdia, mas sim sobre o que é essencial para a nossa união – A pandemia e as suas consequências são.