Por Caplan Neves
Parece ter-se tornado uma posição popular entre os Mindelenses, inclusive entre algumas das pessoas mais sensatas que conheço, que o estado de emergência não deve ser prorrogado em São Vicente. Essas pessoas sensatas, sensatamente, aplaudiram a sensata declaração do Estado de Emergência e a sua primeira prorrogação. Aplaudirão agora que São Vicente fique de fora da declaração do estado de emergência. A sensata questão a fazer agora é, portanto: “O que mudou?”.
1- Quando da declaração do estado de emergência, não havia nenhum caso identificado na ilha. Hoje temos 3 casos confirmados de infeção pelo sars-cov-2 devidamente identificados. Estes casos só foram identificados porque os sintomas da paciente identificada eram suficientemente desconfortáveis para que procurasse cuidados médicos. Tivesse apresentado sintomas mais leves e as nossas estatísticas apresentariam zero casos de covid-19 em São Vicente. Sabendo que o vírus esteve a circular numa família nos deve levar a, sensatamente, ponderar a possibilidade de outras histórias semelhantes terem tido um desfecho diferente e do vírus estar passear discreta e silenciosamente na Praça Nova. Vale lembrar que só foram testados casos suspeitos e a maioria dos pacientes identificados em Cabo Verde são de casos leves ou moderados. Abro aqui um parêntese para reiterar que falo para as pessoas sensatas. Não existem boas razões para pessoas sensatas afirmarem que os dados relativos a São Vicente são espúrios. Estes dados resultam de diagnóstico realizado a partir de material recolhido através de lavado broncoalveolar e da pesquisa de anticorpos nos familiares da paciente identificada. Duvidar destes dados é penetrar no território de teorias conspiratórias – coisa não muito sensata para gente sensata.
2- O que mudou em termos de taxa de imunização da população? Quase toda a gente é ainda susceptivel ao vírus. Esta é a razão porque foi declarado o estado de emergência. É importante perceber que o distanciamento social funciona um pouco como tentar manter um chapéu de papel seco, num dia de chuva. O chapéu está seguro enquanto não está em contacto com a chuva. As medidas de distanciamento social servem para manter o chapéu longe da chuva. Quanto maior a intensidade da chuva, maior a probabilidade do chapéu se molhar irreparavelmente. A intensidade da chuva depende aqui, em proporção inversa, da taxa de imunização. Sem vacinas e considerando que a imunização natural (imunização de rebanho) pode ter desfechos devastadores, o distanciamento social, apesar do enorme ónus, continua uma aposta segura. Não é sensato passear com um chapéu de papel, enquanto a tempestade não passar.
Nada de essencial mudou em termos de imunização. Agora sabemos muito claramente que o vírus esteve aqui e existe a clara possibilidade do vírus estar ainda entre nós. O que leva uma pessoa sensata a aplaudir a declaração do estado de emergência e a sua primeira prorrogação, mas a ser contra a segunda prorrogação em São Vicente, se quase nada mudou e se o que mudou não é boa notícia? Antes de acusarmos as pessoas sensatas de insensatez vale considerar os seus argumentos. As duas principais premissas do argumento das pessoas sensatas que aplaudem a não prorrogação do estado de emergência em São Vicente são as seguintes:
1- As medidas de distanciamento produzem consequências devastadoras para a população. Quem está minimamente envolvid@ em campanhas solidárias para responder a crise de emergência alimentar, não precisa apelar a capacidade imaginativa. Sabe o quão devastador tem sido e será. Quanto mais se prolongar estas medidas, mais devastadoras serão suas consequências.
2- Só a nossa incorrigível esperança nos faz acreditar que a tempestade vai passar a curto prazo. O prazo realista para o surgimento de vacinas (excluído a possibilidade de um verdadeiro milagre) é para 2021 – meados de 2022 para estar amplamente disponível.
Resumindo, sabemos que a tempestade não vai passar a curto prazo e sabemos que não é possível manter indefinidamente as medidas rígidas de distanciamento. A situação em que nos encontramos com o nosso chapéu de papel é o seguinte: a tempestade continua lá fora e vai continuar por mais algum tempo. Mas entretanto a cozinha pegou fogo e não sabemos se seremos capazes de o controlar. Entre o fogo e a água, o nosso chapéu de papel enfrenta um dilema onde qualquer escolha é devastadora.
Teremos inevitavelmente de balançar a pressão entre manter as pessoas seguras e permitir que as pessoas persigam os meios básicos de sobrevivência e a necessidade de viver. A despensa está cada dia mais vazia e não sabemos se, quando sairmos, vamos encontrar aquilo que nos permitia enchê-la. Ao sair, encontraremos a tempestade e ela pode cobrar seu preço em termos de devastação, sem melhorar muito a nossa situação económica – na verdade pode até piorá-la. Vale aqui lembrar que não estamos num ponto em que a tempestade já ocorreu e começa agora a acalmar (tal como está a acontecer em outras paragens) – aqui a tempestade ainda mal começou. Temos apenas breves chuviscos que até nos fazem acreditar, ingenuamente, que a tempestade sequer virá.
Balançar os dois perigos é uma tarefa monstruosa. No momento em que escrevo o Presidente está a prorrogar o estado de emergência em Santiago e Boavista. São Vicente fica de fora. O que isto significa? Em relação a São Vicente, é bom lembrar que o facto de não termos casos positivos entre os suspeitos não significa que não temos casos positivos. A ausência de evidência não é evidência de ausência. É bom lembrar que a declaração do Estado de Emergência é em grande parte responsável por termos as coisas tão (aparentemente) controladas, que estamos em condições de aplaudir o fato de não ter sido prorrogado. Em relação as duas primeiras ilhas, sabemos que o estado de emergência não poderá manter-se indefinidamente. Teremos sempre, em ambos os casos, de tomar a melhor decisão sobre como balançar os dois perigos.
Decidir bem é decidir bem informado. Precisamos de informação acurada sobre a taxa de infeção, se queremos flexibilizar as medidas de distanciamento. Informação aqui significa “testes”. Na medida em que as vacinas vão demorar e não é possível manter indefinidamente medidas rígidas de distanciamento social, os testes serão a grande linha de defesa contra a pandemia.
Aliviar medidas de distanciamento deve depender não do que achamos ou sentimos, não de pressões políticas, mas de informação acurada – testes. A nossa capacidade para testar não é ilimitada. Não o é sequer em países que conseguem produzir seus próprios reagentes. Mas temos a vantagem de sermos pequenos. O que importa aqui é a capacidade de testes per capita com vista a monitorar a taxa de propagação do vírus, para sabermos o quão e quando é, efetivamente, seguro sair a rua ou suspender medidas como o Estado de Emergência.
O que precisamos hoje e todo o cidadão cabo-verdiano deve exigir agora, para São Vicente e para Cabo Verde é informação. A pergunta mais importante do momento em Cabo Verde é: “Qual é a nossa capacidade para testar”?